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Ilha Graciosa. |
O
barco está ancorado ao largo, os baús seguem já mar fora no escaler, empinados
para que o resto da carga a embarcar caiba; faço ideia como as coisas que
arrumei, tão pressurosa e logicamente, devem ir lá dentro! Graças a Deus decidi
levar o Aiwa na bagagem de mão, pois
assustaram-me as informações sobre o futuro levantamento dos baús em Leixões.
Quando chegarem, sabe-se lá quando, terão de ser desalfandegadas como se
estivessem a chegar da Venezuela ou de Beirute e o Aiwa, japonês e comprado no Porto, iria, certamente, ser tomado
como contrabando americano! Vamos ter de contratar um despachante, pagar não
sei quantas taxas, como se estivéssemos a importar um bem do estrangeiro e os
Açores não fossem território nacional. Por tudo o que vi este ano de ambos os
lados do oceano, quase duvido que o seja.
Lá
longe, um guincho puxa uma rede de carga até ao convés, os baús não são mais do
que caixas de fósforos suspensas no vácuo. O escaler regressa à enseada para
nos buscar. A Luísa e a Marília vieram despedir-se. Comecei a enfiar coisas na
arca há uma semana, como modo de selar e tornar sem retorno a última discussão
que tivemos com o Porão da Nau. Janeiro a desaparecer do calendário e ele a
insinuar que poderíamos ter de ficar mais algum
tempo, entrar por Fevereiro dentro, tornar indefinido o regresso.
“No
dia 1 de Fevereiro, o mais tardar, saímos daqui. Se não tiver ninguém para nos
substituir, pior, o problema é do senhor...”
A
isso acrescentámos a lembrança das urgências ainda não pagas, ameaçámos que
iríamos passar por lá a buscar o dinheiro, que não sairíamos dos Açores sem ele,
e mais outras exaltações de que nos lembrámos no momento. Como paga, nada de
helicóptero para o regresso: se queríamos ir embora, então que enjoássemos o
mar de Inverno, que amarinhássemos por escadas de corda bamba.
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Ilha Graciosa. |
À
força de “Ei!” chamam-nos do escaler, urgem-nos a que nos apressemos, o mar
está bravio, a tarde avança. A Marília e a Luísa abraçam-nos, estão comovidas
por ver os companheiros de exílio partir, o coração pequeno por ficarem. Pela
metade do trajecto até ao barco ainda acenam do porto, depois tornam-se ciscos
quase indistintos, iguais aos outros que deambulam em terra.
Do
convés fico por um tempo a ver a ilha afastar-se, primeiro parece aumentar de
tamanho à medida que se alarga o seu contorno, em seguida vai recuando,
recuando, até se tornar um rochedo como outro qualquer, nem parece haver sinais de vida por ali. Sinto o frio e vou
para dentro.
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