06 novembro 2018

Leonard Cohen: A chama e o fogo (a propósito de um livro póstumo)

              Sure it failed my little fire
              But it’s bright the dying spark.

Dois anos redondos após a sua morte (7 de novembro 2016) foi posto à venda um novo livro de Leonard Cohen. Na impossibilidade de o pai o ter feito em tempo útil, The Flame teve o título escolhido pelo seu filho Adam, que justifica a escolha invocando algumas das palavras mais usadas pelo pai ao longo da sua vida de cantor, poeta e escritor: fire, flame, naked, broken. Não restam dúvidas de que foi bem achado, basta recordar o modo como Cohen se referia à vida e ao seu carácter de derrota invencível (invencible defeat), convicção reencontrada, com um aperto na garganta por quem lê o refrão de ‘What Happens to the Heart’, poema que abre The Flame e  datado de 24 de Junho de 2016, a uns escassos quatro meses da morte do autor: Sure it failed my little fire/But it’s bright the dying spark.
The Flame segue uma estrutura semelhante à de outros livros de Leonard Cohen, como Stranger Music (1993) e The Book of Longing (2006), e contém poemas, letras de canções, autorretratos e desenhos, encerrando-se, por desejo do autor, com o belo texto do discurso de aceitação que fez, em Outubro de 2011, ao receber o prémio Príncipe das Astúrias.
Os poemas, em número de 64, ocupam a primeira parte, sendo a segunda preenchida pelas letras das canções dos últimos três álbuns de estúdio gravados (Old Ideas, 2012; Popular Problems, 2014; You Want it Darker, 2016), bem ainda como pelas letras da dezena de canções que escreveu para o CD Blue Alert (2006), de Anjani Thomas, a última companheira da sua vida e voz recorrente nos coros de vários dos seus discos desde 1984.
Quanto aos desenhos e autorretratos, foram sabiamente entremeados ao longo do livro e alguns deles remontam às suas estadias no modesto hotel Kemps Corner, em Mumbai, onde Leonard Cohen ocupava regularmente o quarto 215 durante as suas sessões de aconselhamento espiritual na Índia.
A última parte do livro é ocupada maioritariamente por entradas e registos dos numerosos cadernos de notas mantidos por Mr. Cohen, a que se somou também alguma troca de correio electrónico, mormente o último mail que, na véspera da morte, escreveu agradecendo a recepção de fotos dos filhos da sua ex-mulher, a actriz Rebecca de Mornay.
Anjani Thomas na cozinha de Leonard Cohen (foto Lorca Cohen)
Aliás, ao longo das páginas de The Flame, em versos de poemas ou notas dos cadernos, vão sendo citadas pessoas que foram importantes na vida de Leonard Cohen, como se – e isso é consistente com a tendência para explicitar agradecimentos dos seus últimos anos – quisesse deixar o rasto dessas menções em herança: nelas constam os nomes de Annie (Georgianna Anne Sherman, o seu primeiro amor adulto), Nico (um amor frustrado da época da Factory de Warhol e do Chelsea Hotel), Marianne Ihlen (a norueguesa da canção homónima), Anjani, Bob Dylan (de quem Cohen era admirador confesso) e Roshi (o seu mestre zen  japonês). Mas nem só pessoas parece Mr. Cohen querer relembrar ou despedir-se de: um dos poemas louva, com humor, a ajuda de um novo antidepressivo e duas das entradas das notas em cadernos sublinham a gratidão à Grécia, onde viveu sete anos, uma delas para afirmar que “não podia escapulir-me sem vos dizer que morri na Grécia, fui enterrado naquele lugar onde o burro é amarrado à oliveira, sempre estarei lá”.
Apesar de póstuma e de parte do conteúdo não ser inédito, a totalidade da obra, desde os poemas aos desenhos e às notas dos cadernos, foi escolhida e acompanhada por Leonard Cohen e constituiu o seu último trabalho em vida ao longo do penoso Verão de 2016, como se fica a saber pelos prefácios e posfácios que acompanham o livro, assinados por pessoas que lidaram intimamente com o autor nos últimos dias.

The Flame foi editado em Outubro de 2018, simultaneamente no Canadá, pela Penguin Random House, nos Estados Unidos, por Farrar, Strauss and Giroux, e em Inglaterra, pela Canongate.



Ao lado: fotografia da contracapa de The Flame, da autoria de Joel Saget.

1 comentário:

  1. Não importa o pretexto, nunca é demais lembrar Cohen, injustamente preterido, no caso do Nobel, por Bob Dylan. E esta minha opinião, note-se, em nada colide com o facto de eu ser um admirador confesso de Bob Dylan.

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