30 julho 2023

LOJA DOS TREZENTOS

Com a presteza do merceeiro que tira o lápis detrás da orelha e sarrabisca uma conta no papel de embrulho, o ministro da saúde comparou nos telejornais a República de Cuba a uma empresa de prestação de serviços, daquelas a que o ministério recorre às colheradas para esticar a manta de retalhos do Serviço Nacional de Saúde.

Segundo o homem, quando paga a uma destas empresas não tem de se preocupar se o dinheiro vai todo para os médicos subcontratados através dela ou se a direcção da empresa mete dinheiro ao bolso no processo. Pizarro, aliás, acha muito natural que o faça... 

Assim, para ele fica resolvida a questão de o governo de Cuba meter, ou não meter, ao bolso oitenta ou mais por cento do dinheiro pago aos seus médicos pelos países para onde os exporta, como se fossem charutos ou barris de rum. Pizarro não tem nada a ver com isso, lava daí as suas mãos, o que, como se tem visto pelo modo como comanda o SNS, é o que ele sabe fazer melhor. Lavar as mãos com frequência é uma coisa boa, o ministério a que preside este grande estadista recomenda-o amiúde. 

Portugal anda atarefado a contratar 300 destes médicos semi-escravos e, pelos vistos, não se interessa pelas condições em que o faz, tal como os passadores e intermediários não se incomodam com o que acontece aos imigrantes que se afogam no mediterrâneo ou com os que atulham as estufas do Alentejo. Problema deles.

É claro que, neste seu empreendedorismo conquistador, Pizarro é forçado a ir arregimentar esta mão de obra bem-comportada ao terceiro mundo, neste caso à América Latina (África não tem sequer médicos para exportar), pois em nenhum outro local do mundo conseguiria, com o que Portugal oferece e paga aos médicos convencer, sequer, um único.

Tendo já perdido a capacidade de me espantar com a fibra e o estofo dos governantes que nos calharam em sorte, limito-me a corar de vergonha por habitar um país onde se vai acentuando, a cada dia que passa, o aroma esclavagista que nos tornou célebres noutros tempos.