30 junho 2013
29 junho 2013
PARA MACHUCAR MEU CORAÇÃO (a canção)
"Para Machucar Meu Coração", composição de Ary Barroso
(1943), incluída no álbum Getz/Gilberto, editado em 1964.
João Gilberto - voz e violão; Stan Getz - saxofone tenor;
António Carlos Jobim - piano; Sebastião Neto - baixo;
Milton Banana - bateria; (Astrud Gilberto - voz em algumas canções).
Classificação:
MÚSICAS
27 junho 2013
P'RA MACHUCAR MEU CORAÇÃO
Eu agora quando aqui venho é como se
pairasse sobre a cidade.
No Porto, nos fins de Junho e já muito
além das nove da noite, é ainda dia por entre os bocados de poente que aguarelam
a paisagem.
Ia ao Convívio comer uma francesinha, mas na Rotunda da Boavista tive de
fazer um Desvio por causa de obras e eis-me Rua da Meditação, os muros de
Agramonte lá ao fundo, as cruzes do cemitério a espreitar o trânsito desusado.
“Olá, pai”, disse de mim para mim no silêncio quebrado pelo saxofone do Stan
Getz que soprava o começo do solo de “Para Machucar Meu Coração”.
No Convívio,
apesar do manto pindérico e tristonho que a crise conferiu aos detalhes, tudo
ainda se parece um pouco com o que sempre foi e só agora disso me dou conta com
tanta nitidez: é um espaço por conta das famílias que, suponho, devem morar ali
por perto. A gente mora sempre por perto mesmo quando mora longe. O empregado
foi directo dentro do balcão confirmar se, em definitivo, não havia cerejas
para a menina de três anos que as queria tanto como sobremesa...
“Vê se consegues arranjar algumas...”,
insistia, como se perante tal pedido as cerejas devessem brotar do nada.
Pela minha mesa da montra, enquanto
espero o meu manto de queijo derretido, vejo passar quem passa envolto pela luz
dourada que pinta todo o Campo Alegre.
“Quer o contribuinte na factura ou
basta normal?”
Normal está muito bem para mim, um
clandestino na cidade onde nasci e cresci e que agora atravessa a rua a dez
metros da passadeira, em direcção ao carro estacionado em local proibido. O
sistema de som está onde o tinha deixado, o Stan Getz a meio de uma expiração,
desse fantástico solo de quem percebeu tudo o que a Bossa Nova pretendia dizer
e, ainda mais, a que devia soar o lamento sem palavras de um “Está fazendo ano
e meio amor, que o nosso lar desmoronou...”
Rotunda da Boavista, viro para a Rua
Nossa Senhora de Fátima, o António Carlos Jobim dá a canção por terminada com
uns contidos acordes de piano, não há mais nada a dizer depois daquele solo de
saxofone; o cantor não regressa com a suas vogais almofadadas. Ali, à direita,
moravam os pais da Regina Valente – tantas tardes passámos naquela casa, a
ouvir e gravar música, a lanchar croissants com fiambre que ela mandava buscar ao
Porto Rico. Cruzamento e já me
aparece no cimo da subida a igrejinha da Ramada Alta, ali especada no meio do
asfalto como se a qualquer instante pudesse ouvir o sino da minha aldeia. Mas
não, pus outra vez a tocar o “Prá Machucar Meu Coração” e é o João Gilberto que
introduz a canção com a sua voz almofadada: “Está fazendo ano e meio, amor...”
É noite cerrada nos semáforos do
cruzamento de Oliveira Monteiro com a Constituição; mais adiante, nos da Arca
d’Água, pela janela aberta, penetra a radiância adocicada e morna das plantas
louvando o fim do dia, como só no fins de Junho acontece nas ruas e jardins da
nossa infância.
Nota: "Para Machucar Meu Coração", composição de Ary Barroso, 1943.
© Fotografia de António Amen, Porto 2007.
Classificação:
RUMINAÇÕES
25 junho 2013
HIGIENE ORAL
Melhor para a Itália do que os sete
anos de prisão a que Silvio Berlusconi foi ontem condenado e de que, aliás, não creio venha a cumprir um só dia, é a interdição perpétua de ocupar cargos
públicos. Sempre é menos um palhaço a animar o patético espaço europeu...
Todavia, no montão algo fétido de detalhes
que infestou os jornais, o que acima de tudo me intrigou foi a menção a ter
sido uma antiga higienista dentária quem recrutou para as festas do senhor a
jovem Ruby (uma marroquina underage,
filha de um vendedor ambulante imigrado na Sicília) e as suas amigas folgazonas.
“Higienista dentária?!, em nome de que
raio...”, embasbaquei.
Mas, ao dobrar o jornal sobre si próprio e recomeçar a
leitura na coluna da página seguinte, o nome da angariadora dental faiscou em
todo o esplendor: a senhora chama-se Nicole Minetti, o que, mais consoante palatal menos consoante palatal,
explica quase tudo! 23 junho 2013
17 junho 2013
O ORVALHO DA NOITE
Eis o Pedro Miguel na tarde do seu
casamento e da foto disse o Zé João que ele parece um fazendeiro sul-americano
de 1860 ou por aí. Quanto à Rita, a noiva, que não desmerece a invocação, é uma
latina clássica, podendo ser argentina ou venezuelana pelo mate da pele e muito
sul da europa pelas feições. Um belo par, para despachar o retrato; oxalá o
tempo os favoreça na aliança que celebraram.
O Pedro Miguel é o primogénito da
Carlota e andava ainda no infantário quando ela começou a trabalhar cá em casa
– de algum modo ele e o Zé João, o meu filho nascido pouco depois, cresceram
juntos, ostentam ainda no sorriso e no abraço que dão quando se encontram – por
muito que a vida os tenha levado por distintos caminhos – o prazer comum a
pessoas que assistiram às respectivas infâncias.
Um dia, há vinte e dois anos, o
telefone tocou demasiado cedo cá em casa, ainda mal amanhecia. “Porra, quem
seria?”, pensei, alarmado, pois telefones a uma hora daquelas... Era a Carlota
e queria uma opinião médica. Estava grávida de fim de tempo e acordara inundada
com as águas rotas: o que achava eu que devesse ser feito? Não achei nada, saí
de casa a correr e conduzi os vinte quilómetros até à urgência do hospital de
Torres Vedras com tiques de ambulância. Foi assim que desovou o Ricardinho, que,
no Sábado, assistiu ao casamento do irmão de óculos escuros, brinco na orelha e
poupa no cabelo a esticá-lo ainda mais alto do que o metro e oitenta e tal que
Deus e a boa comida da mãe lhe deram.
No meio disto tudo (ainda nem saíramos
da igreja da Ramada para alvejar os noivos com uma saraivada de arroz colorido
e pétalas de rosa), o João Pedro, o pai do noivo, chorava como uma madalena,
aquele homenzarrão!
“Você está num lindo estado”,
disse-lhe eu ao ouvido no abraço que demos.
“Que é que quer?! Vê-los assim
criados, de repente; e depois ver aí chegar o Zé...”
Sim, essas partes eu compreendia. O
tempo correra sem aviso por todos nós e o Zé João voara os mais de 3.000 km de
Leipzig até aqui para estar no casamento do velho amigo. Quanto à mãe do noivo,
essa chorou menos do que eu imaginaria, mas compreendo ser a atitude mais
prudente para manter a maquilhagem num estado de caiação aceitável!
Esta cena da choradeira passou-se por
volta da uma da tarde e eram umas nove da noite quando deixei a boda, em
Alenquer, uns bons 60 km a norte da igreja onde se celebrou o matrimónio.
Na manhã de Domingo, a Carlota passou
por cá a deixar umas amostras de bolos da boda e contou que a festa tinha
acabado por volta das três da manhã, que o Zé João dançara como um louco.
“Estou a ver...”, respondi, “e você
não parou de falar a noite inteira – até está rouca!”
© (1) Fotografia oficial do casamento; (2) Pedro Serrano, Ramada (Odivelas), Junho 2013.
Classificação:
ESBOÇOS e RETRATOS
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