25 novembro 2021

MARTA E OS ESTADOS D'ALMA

Estragada pela revolta no galinheiro (sangria de profissionais para o privado, demissões em cascata de directores de serviços hospitalares, centenas de escusa de responsabilidade, assinadas por médicos e enfermeiros face ao estado degradado dos locais onde trabalham), piursa com tudo isto, Marta Temido fez saber, zangada e assertiva, que uma das soluções para o problema que a "sociedade" tem de encarar passa pela "contratação de profissionais de saúde mais resilientes, mais resistentes à pressão e ao desgaste".

Em primeiro lugar, muito gostaria de saber como tenciona a ministra da saúde operacionalizar este novo critério de contratação de médicos e enfermeiros. Recorrer aos serviços consultivos da Durex, empresa habituada a testar a resistência ao estiramento, ao atrito e à pressão de biliões de preservativos? Incluir na formação especializada dos médicos um estágio obrigatório na fronteira da Polónia com a Bielorússia ou, talvez, no Afeganistão em hora de ponta? Submeter, durante a entrevista de selecção, cada um dos candidatos a um looping de discursos de altos dirigentes da saúde (incluindo ela própria e os inefáveis secretários de estado) para avaliar quantas horas extraordinárias aguentam antes de fugirem porta fora? 

Em segundo lugar, numa altura em que o sNS se vê aflito para preencher as vagas que põe a concurso, e repetidamente ficam desertas, talvez não seja a melhor estratégia esta de tratar com duas pedras na mão eventuais candidatos. Será que a senhora já terá ouvido falar da história das moscas, do mel e do vinagre? É que nem só de horas extraordinárias vive o homem!

Em terceiro lugar, como diria Marques Mendes nos seus triunviratos explicativos, o que há que, genericamente, se possa apontar ao desempenho e à falta de resiliência dos profissionais de saúde nos últimos dois anos (para não ir mais além)? Meu Deus, o que alguns deles têm visto e aguentado, ao que se têm adaptado em cada semana de instruções contraditórias, ou diametralmente opostas, por parte da tutela! Para além de injusto e desadequado, o desvario de Marta expõe, sobretudo, a frustração de alguém que está a ser incapaz de liderar a casa que aceitou e jurou gerir com todo o emprenho, zelo e etc.

Entretanto, enquanto Marta desatina, o secretário de estado adjunto da senhora é todo ele mel e rosas nas aparições públicas, debicando sempre o lado positivo das notícias a transmitir, não dizendo nada, defendendo sempre o Governo e acumulando pontos no cartão para uma eventual remexida ministerial. Pelo que se pode ir ajuizando dessas performances, o nosso futuro também não irá longe com o homem... Só nos últimos quinze dias, ouvi-lhe, pelo menos, duas pérolas a merecer o bronze: sobre o atraso na vacinação dos maiores de 80 anos, a justificação nada teria a ver com logística ou deficiente actuação dos serviços de saúde; não, segundo ele a demora (sempre pontual, claro) era mais devida à avançada idade das pessoas a vacinar, que não percebiam bem o que lhe diziam, se atrasavam, coitados, tomáramos nós quando lá chegarmos, disse com o mais piedoso dos sorrisos. A última pérola, ouvi-a ontem, quase em simultâneo com os esganiçamentos de Marta: após enumerar as medidas para fazer face ao recente e violento crescendo da pandemia (lá papagueou as vacinas, os testes, as máscaras, o distanciamento, o lavar das mãos), o homem deu-se conta que o microfone ainda estava virado para ele, pelo que decidiu ser mais específico e juntou em nosso benefício: "para além de outras medidas com uma malha reticular mais fina". Sim, sou da mesma opinião, o melhor é voltar a entregar isto à indústria têxtil, como no tempo das máscaras milagrosas de Rebordões.    



Adenda:
Foi um momento de rara beleza acrílica e kitsch (fazendo lembrar o famoso quadro 'O Menino da Lágrima') aquele em que Marta Temido disse que não disse o que disse sobre resiliência e pediu (snif) desculpa aos (snif) profissionais de saúde. Mas logo, chispando, foi dizendo que estava genuinamente, profundamente, indignada de ter sido mal interpretada. Pois, ficámos cientes... 

20 novembro 2021

COMO DIRIA BAKUNINE

No mesmíssimo dia em que a Assembleia da República aprovou a lei que criminaliza o enriquecimento ilícito de políticos, Francisca Eugénia Van Dunen, ministra dessa Justiça anunciada e (a seguir a Ana Catarina Mendes) a mais fiel yes-woman de António Costa, divulgou a sua saída do Governo. Procurei o comando, congelei a imagem no ecrã e fui a correr à cozinha buscar a taça das pipocas. É que, tendo em conta a habitual cortina de fumo e as palavras com que Van Dunen nada afirma, fiquei estupefacto do modo assertivo, e por escrito, com que informou o povo.

Mas eis que, de imediato e no mesmo telejornal, mais parvo fico quando percebo que Graça Fonseca, o bacalhau-seco da Cultura, iria fazer o mesmo: vai à vida, parece que está cheia, não nos disseram de quê, mas suponho que de fazer discursos ocos a anunciar verbas de cada vez que alguém denuncia que o sector está na desgraça e os tectos desabam nos velhos conventos. 

No entanto, as revelações sobre saídas do Governo não se ficaram por ali: imagens animadas mostraram Marta Temido, responsável pelo Remendo Nacional de Saúde (ex-SNS), comunicando que também se vai logo que possa, quer voltar a ser simplesmente 'Marta', como se fosse um dos ingénuos pastorinhos da Cova da Iria e não a mulher a que os anos evidenciaram o tique de professora primária autoritária, que se exalta e dá até gritinhos quando as ideias ou a reconhecimento lhe faltam.

Para minha tristeza, que, como Bakunine, simpatizo com a ideia de ficarmos sem governo, pois é plausível que nada de pernicioso suceda ao país, para minha tristeza - como ia dizendo - o episódio Titanic terminou-se com o último dos roedores (Augusto Santos Silva, dos Estrangeiros) a revelar que também almeja a ombreira da porta de saída, uma vez que deseja voltar à vida universitária antes que a reforma e o auto-agendamento para a 3.ª dose do Covid o apanhem, mas que, se a Pátria precisar, se prontifica a aguentar mais uns tempos... A Pátria, com a excepção do citado Bakunine, agradece, comovida.

Claro que houve vários que não disseram nada, ou que ainda não disseram nada, e há mesmo um desses a quem não conviria nada estes género de apartes, pois que arregaça as mangas para tomar conta do PS logo que Costa dê de frosques e, nessa condição de candidato, não pode vir agora dizer que abandona um Governo... Não, Pedro Nuno Santos está é ansioso por tomar conta de uma qualquer próxima governação e, pelo caminho, dar cabo da aviação comercial, dos comboios e do PS, coisa de que o partido parece ainda não se ter apercebido. 

Igualmente mudo se manteve o torpedeiro-mor Eduardo Cabrita, que resistirá enquanto não o correrem, enquanto não o abanarem e lhe disserem "Dudu, olha as gotas: acabou-se, agora tens de ser tu o motorista!". E, mesmo nesse dia terminal, ele irá estremunhado, olhando em todas as direcções, por cima do ombro, atrás das costas, pois vivemos num mundo perigoso, de propósitos conspirativos, onde até a Guarda e a Polícia não obedecem a um ministro como deveria ser. O Cravinho que o diga lá com os truques que lhe pregam os fardados dele...

De repente, bastou um orçamento, um delicado momento, e é a debandada: o que estará a acontecer? Se não fosse a minha fé nas teorias de Bakunine, penso, até, que ficaria preocupado.  

 

Nota para quem possa não conhecer: Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876), foi um teórico político, sociólogo, filósofo e revolucionário anarquista. É considerado uma das figuras mais influentes do anarquismo e um dos principais fundadores da tradição social anarquista.