Veio cá parar, como a maior parte
deles, pela mão do Zé João que, regressado da escola, topava num gato
abandonado, pequenino, trémulo e de olhos ramelentos. Depois enfiava-o num
caixote de papelão, cruzava o portão com ele e pronto. Nunca nenhum de nós – eu
ou a mãe – lhe disse que não, que não dava, que a altura não era boa, a adopção
era imediata e sem formalidades.
A Mia veio tapar o buraco da morte da
Tangerina, o que me faz supor que, tendo morrido a outra no Natal de 2001,
possa ter aparecido aqui em casa em 2002, deveria andar agora pelos treze,
catorze anos, uma senhora idade para um gato.
Era uma vadia predominantemente
cinzenta, de olhos verdes, uma mancha branca de uma pureza de glaciar entre as
patas dianteiras, contrastando em combinação perfeita com o cinza-frio do resto
do corpo.

Diz a Carlota que de manhã, ao fazer-lhe
uma festa, que levantou a cabeça e terá olhado para ela como que a despedir-se,
muito amiga.
Então, ontem à noite, ao ouvir o miado,
desci e encontrei-a deitada na pedra do chão perto da porta da entrada. Quando
me sentiu perto, balbuciou um pouco, acariciei-a e acalmou. “Mia...” Fez-me
impressão vê-la ali, estava a cair aquela bruma nocturna que é tão useira nas
praias, à noite. Fui procurar a manta onde ela se costumava deitar na cadeira
ao lado da lareira e embrulhei-a nela, sentindo-me indignado com o peso-pluma a
que a gata tinha chegado. Embrulhei-a bem, apenas a cabeça de fora, deixou-se
ficar sem protesto naquela figura de criança abandonada numa trouxa. Fiz-lhe
uma festa, entrei, fechei a porta como quem vira as costas a um comboio que sai
da estação.

Enterrei-a num canteiro, sob roseiras.