Nesses dias de 1979 e 1980, a ilha não possuía nem porto de mar nem aeroporto, pelo que o único modo de ali chegar e dali partir era o helicóptero, usando um serviço que a Força Aérea assegurava.
Por lá, entre os 25 e os 26 anos de idade, passei um ano, desempenhando funções clínicas em todas as estruturas de saúde da ilha, maioritariamente no seu hospital, mas também fazendo consultas em freguesias periféricas e assegurando uma urgência de 24 horas dia sim dia não.
Escrever este livro em 2018, baseado em acontecimentos que tinham ocorrido quase quarenta anos antes, sem apoio de um diário ou de notas soltas tomadas em algum caderno, foi um grande desafio para a memória. Mas, como já aprendera de outras situações, a memória tem recursos inesperados e quando orientamos a atenção interior para determinado tema ou período da nossa vida, muito lentamente no início, começam a desprender-se pedaços inteiros dos fundos da mente, que ali estavam soterrados sob outras camadas posteriores de acontecimentos, pedaços que vêm à tona da consciência e que, nesse degelo, vão soltando nos dias subsequentes outros pequenos fragmentos: detalhes, fisionomias, tiques, frases ditas que nunca mais tínhamos relembrado, até fragmentos de diálogos.
Esse processo permitiu-me reconstruir o que foi esse meu ano insular, olhado pelos olhos da idade que então tinha, mas perspectivado na escrita pela lente dos anos que entretanto decorreram, da síntese que a passagem do tempo permitiu.
Curiosamente, o livro viria a ganhar um prémio na categoria Ficção (Prémio Fialho de Almeida, 2019), o que bastante me surpreendeu, pois tinha-o candidatado nesse concurso na categoria "ensaio", que era uma das duas categorias possíveis e que achei mais adequada tendo em conta o tipo de narrativa. Mas o Júri entendeu de outro modo e penso que consigo perceber o seu raciocínio: a narrativa é formatada como uma história plena de acção e de diálogos vivos, com alguma análise psicológica de personagens e a voz interior - conhecida por corrente de pensamento - à mistura e, como tal, bem poderia passar por ser uma novela, embora, na realidade, seja mais uma crónica. Aliás, por muito real que seja o que é narrado, essa narrativa surgirá sempre aos olhos do leitor como uma história que bem podia ter sucedido ou não.
Mas, sim, tudo o que conto sucedeu e somente procedi à concentração dramática dos eventos, tomei algumas liberdades em relação à manipulação do tempo cronológico e alterei alguns nomes, para que certas pessoas, algumas já mortas outras a quem não me refiro com meiguice, não fossem ou não se sentissem demasiado identificadas.
O livro tem 217 páginas e está, desde o Dia Mundial do Livro de 2022, à venda numa livraria perto de si. De qualquer maneira, se o quiser comprar sem sair de casa e usando os serviços da editora (Gradiva), basta-lhe carregar no link fornecido a seguir:ilha-com-vista-para-o-mar
Quem estiver interessado, poderá também ver uma entrevista sobre o livro, feita pela Gradiva, carregando neste link:
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