29 junho 2014

ENTRETANTO EM LEIPZIG...

Entretanto em Leipzig, enquanto uns comem com apetite, outros têm dores de garganta.
© Fotografias de Pedro Serrano, Leipzig (Alemanha), Junho 2014.

28 junho 2014

AMAR É OLHAR NA MESMA DIRECÇÃO

No início dos anos 70, sinais do degelo Marcelista, apareceram à venda uns posters portugueses que, na época, nos pareciam muito arrojados e livres. Apressei-me a comprar um desses, que representava um par de namorados a beijar-se despudoradamente sobre a legenda “O amor é um pássaro verde num campo azul no alto da madrugada”, o tipo ainda de sandálias, mas a moça já sem sapatos. O que raio a frase podia querer dizer foi coisa que nunca preocupou a minha geração.
Bastante piroso, não acham? Pois, eu achava aquilo o máximo e tinha o meu poster colado numa parede nobre do meu quarto, para grande irritação dos meus pais que, para não parecerem antiquados no remoque, invocavam que a fita-cola que o segurava ia dar cabo da pintura da parede...
É da mesma altura um outro cartaz, mostrando um casal num banco de jardim e legendado com uma sentença muito glicosídea do gajo do Príncipezinho que rezava: “Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direcção...” 
Pois ontem, ao dar um voltarete pelo centro de Leipzig topei com a cena da fotografia acima e o que é que me há-de saltar, como uma rolha de espumante Murganheira, à tona da consciência? A porra da frase do Saint-Exupéry sobre a tal mesma direcção.




© Fotografia de cima: Pedro Serrano, Leipzig (Alemanha), Junho 2014.

23 junho 2014

A BALADA DE MARILYN MARLEN (Parte 2)

Na Grécia cada pedra é eloquente e o mar está presente em todo o lado, como se o país fosse um estilhaçado de ilhas.
Não admira, por isso, que os filhos de Marilyn, ela com dezassete e ele com dezasseis anos, sonhem em trabalhar no mar. A rapariga quer ser capitão de navio e o rapaz, que não quer perder muito tempo com estudos, mecânico naval. A mãe tem uns contactos na marinha mercante, espera poder a vir ajudar.
Tudo isto nos contou ela numa esplanada sobre o porto do Pireu, enquanto bebíamos mazagrans frappés sob a sombra tutelar de um dos dois gigantescos leões que flanqueiam a entrada do porto. Apesar da  majestade da condição e do tamanho da estátua é um leão de ar triste, talvez por prever que a sua presença ali iria eternizar-se sob a forma de uma réplica, já que a sua persona original está no Museu Britânico, envidraçado e longe da vista do mar.
Mas adianto-me na continuação da história do conhecimento de Marilyn-Marlen, saltei, pelo menos, o episódio do nosso passeio por Atenas.
Antes de seguir para as ilhas acalentávamos a intenção de um giro por Atenas, dar, pelo menos, um salto à Acrópole sob cujos pinheiros eu tinha dormido uma noite em 1976, mas que, escandalizado pelo excesso de turistas, não visitei na época. Assim, peguei no cartão que a taxista nos deixara no final da viagem em que nos transportara do aeroporto para o hotel do Pireu, e telefonei a combinar um frete.
Marlen apanhou-nos sobre o cedo, pois, como ela dizia e eu sabia, o calor que faz lá cima, na Acrópole, é deificamente desumano a partir do meio da manhã! Ainda recordava essa manhã do quase fim de Setembro em que acordara, pouco passaria das seis da madrugada, com a luz incidente do sol e os berros dos guardas para que nos puséssemos a andar dali. Raios, a Acrópole, mesmo que do lado de fora das vedações, não era nenhum dormitório para turistas pé-descalço!
Quando nos deixou entre os pinheiros mansos na base do enorme rochedo onde pousa o Parténon e velam as Cariátides, Marlen calculou em cerca de hora e meia o tempo do passeio. Ela ficaria ali, no táxi, à nossa espera: os bilhetes de acesso aos monumentos eram caros e, sobretudo, era impossível estacionar naquele mar de autocarros.
Na ideia dela deveríamos optar por ver, assim daquela forma abreviada e condensada numa manhã, a Acrópole, o templo de Zeus, a antiga Agora, o Estádio, onde sempre se iniciam quaisquer Jogos Olímpicos (a chama é conservada e guardada na Grécia), e o render da guarda aos pés das escadas do Parlamento. Achámos bem o esboço, apenas lhe disse não estarmos muito interessados no render da Guarda, nos soldados... Ah, mas Marlene tinha uma obsessão pelo render da Guarda, achava aquilo ao mesmo nível de interesse de qualquer uma das outras velhas grandezas gregas. E não descansou enquanto não obteve informações detalhadas sobre a cerimónia, os horários, e não nos despejou numa vista privilegiada sobre a dança, com algo do soprado da pose de pavões, da troca de dois soldados exaustos usandos saias por dois soldados frescos usando saias.
Marlen andou connosco das nove da manhã quase às quatro da tarde, deixando-nos sozinhos e à vontade nas nossas voltas, mas aproveitando o tempo em que nos deslocávamos entre ruínas para nos pôr a par dos pormenores históricos relacionados com os monumentos e intercalar nessas explicações de guia mais um milhão de pormenores sobre a Grécia actual, Atenas, as suas origens arménias e o seu quotidiano como taxista, cidadã e mãe de família.     
No dia seguinte iríamos para a ilha de Hydra e ela quis saber a que hora partia o nosso barco, se precisávamos de transporte até ao ferry. Que não, respondi, o hotel, já por isso escolhido, era a menos de dez minutos a pé do porto, o caminho a descer e as nossas bagagens leves. Ela ficou absorta por uns momentos e disse:
“A essa hora estou livre: venho aqui buscar-vos e levo-vos ao barco, à minha conta. E, se estiverem para aí, gostava de vos oferecer um café antes da partida...”
É por isso que estamos, então, sentados numa esplanada sob o leão triste, rodando as palhinhas nos copos altos do mazagran e partilhando pedaços de existência com uma taxista arménia, de nome duplo, antecedentes americanos e, finalmente, adoptada pelos gregos.
Antes de partir para Hydra combinámos com ela o regresso, pois íamos precisar de táxi para ir ficar a um hotel junto ao aeroporto, para apanhar um voo curto até Thyra, também conhecido por Santorini. Antes de se despedir de nós com um beijo à portuguesa ela perguntou se, nesse dia, poderia trazer a filha. Tinha-lhe falado em nós e ela ficara com curiosidade de nos conhecer.
Saltemos as escadas de Hydra e uns dias no tempo e agora é o momento, ao cair da tarde, em que o nosso ferry, partido de Hydra e com paragem na ilha de Paros, se prepara para acostar no porto do Pireu. No cais, Marlen está à nossa espera, acompanhada da filha, do filho e da namorada do filho.
“Como vamos caber todos no táxi?!”, pensei.
Mas não, o filho (um rapaz de perfil completamente grego e abespinhada timidez) e a namorada estavam ali só para nos conhecer. A filha, essa sim, seguiu connosco no lugar do pendura. Falava mal inglês, pelo que a mãe, depois de uma mais uma saraivada de diálogo em inglês trocada entre nós por entre os encostos dos assentos do táxi se virava para a filha, como uma ave que mastigou comida para a regurgitar na boca da cria, para lhe confiar, em grego, o que acabara de ser dito. Olhando de lado, no seu perfil exacto de estátua, o nariz nascendo a direito da testa e seguindo por ali abaixo sem ângulos ou mossas, a rapariga bebia as palavras e os gestos generosos de Marlene enquanto seguíamos pela noite fora a caminho do nosso destino imediato. 
© Fotografias de Pedro Serrano, Grécia, Junho 2014. De cima para baixo: (1) Acrópole; (2) (3) (4) Atenas.

20 junho 2014

A BALADA DE MARILYN MARLEN (Parte 1)

Se a nossa mala tivesse chegado, ou sido recolhida, da passadeira rolante dez segundos mais cedo o automóvel que nos caberia na bicha para os táxis seria o que estaria um lugar à frente daquele que acabou por nos calhar. Se, pelo contrário, a mala tivesse sido vomitada na passadeira dez segundos mais tarde, já o táxi que nos estaria destinado em sorte ia ser um cuja frente estava encostada às traseiras daquele que efectivamente parou à nossa frente e esse, o que nos calhou, teria já disparado pela noite com outros passageiros que não seríamos nós mas sim aqueles que nos precediam na fila...
Com táxis, já se sabe, a gente tem de ter o maior cuidado em todo o mundo, sobretudo em países em vias de desenvolvimento onde não se fala a nossa língua. Um dos princípios básicos é exigir que ponham o taxímetro a funcionar e uma cautela elementar é, antes de o transporte arrancar, indagar do motorista quanto nos vai custar o serviço e ajustar com ele um valor.
Foram esses princípios que pratiquei com a mulher que saiu do táxi e se dirigiu para as traseiras de modo a abrir a bagageira e aí enfiar as nossas parcas bagagens. Era uma tipa morena, de longo e tufado cabelo negro e o preço que me indicou era sobreponível àquele que tinha sido apontado como razoável pelo serviço de informações do aeroporto.
“É à volta disso”, disse ela, “mais coisa menos coisa; no entanto não lhe posso garantir o valor exacto: depende do que marcar o taxímetro...”
Gostei do pormenor que referia o taxímetro, pois havia já ali uma intenção de ligar o taxímetro; gostei o ser uma mulher o chauffeur que nos havia calhado (são sempre mais civilizadas do que os homens na conversa e menos agressivas no guiar); gostei do ar geral, não se detectava uma má onda na aura dela, o que é sempre bom para início de contrato. E lá nos metemos nas traseiras do táxi, para uma viagem que ia durar uns bons três quartos de hora. Depois ela perguntou se queríamos que fechasse as janelas e ligasse o ar condicionado. Estava uma noite tão maravilhosa, com um ar tão tépido que lhe disse que não, que preferia ir de janelas abertas.
“Óptimo”, respondeu, olhando pelo retrovisor, “também prefiro ir assim. Esteve um dia abrasador, e agora sabe bem este fresco na cara...”
E lá fomos pela noite, os canudos do cabelo dela volteando loucamente pela auto-estrada, forçando-a constantemente a uma tentativa de o afastar da cara.
Atenas é cidade imensa (tem seis milhões de habitantes), pelo que  fomos circunvagando por estradas desconhecidas, passando por cenários que logo eram chupados para o esquecimento, viadutos, letreiros de néon feitos com letras tiradas directamente de compêndios de Física e de Matemática e cujo sentido nos era, assim de repente, impenetrável. A não ser quando passávamos pelos logótipos universais e algo tristonhos, que recordavam a monotonia do mundo, da Ikea, do Lidl, do Carrefour, da Vodafone. Também ali...
Entretanto ela quis saber, conversa de taxista mais do que universal, se era a primeira vez que estávamos na Grécia, de onde éramos... Decidi baralhar um pouco o jogo e, inclinando-me para a frente, para me fazer ouvir por sobre o estralejar da ventania que soprava pelas quatro janelas escancaradas, obriguei-a a adivinhar, fornecendo pistas:
“Somos de um país à rasca, como o vosso, com uma troika em cima de nós, como vocês...”
“Espanha”, disse ela.
“Não, mas está quente...”
Após ter chegado à solução, chegou a nossa vez de querer saber algo sobre ela, pois falava um inglês tão fluente que tinha de haver ali um mistério face à versão primeiros-socorros e ao macarrónico sotaque do inglês comum aos povos do sul. Era Libanesa de nascimento (o que a fazia ter o árabe como língua materna), mas emigrara aos dezasseis anos para os estados Unidos, onde tivera Los Angeles como base, mas,  trabalhando no comércio de jóias, viajara por todo o país e o seu local preferido era Miami, por causa dos cubanos e do seu modo de ser. Um dia viera passar férias à Grécia e ficara por aqui. Claro que deu para perceber que tinha havido um gajo pelo meio e dois filhos a completar o ramalhete, a funcionar como âncora-prisão no novo país, não assim tão distante do Líbano natal. Fora professora de inglês durante uns bons anos, mas a crise empurrara-a para este novo trabalho de patrulhar de carro as ruas da Ática.
“Mas gosto disto”, confessou, “sou amiga do dono do táxi e isto funciona como uma espécie de terapia para mim...”
Com a fluência patognomónica dos meridionais, a conversa foi-se entretecendo na noite, pontuada pelas rabanadas de vento, pelo gesto dela de desemaranhar a trunfa e pelas minhas tentativas de evitar mastigar cabelos na minha inclinação por entre os bancos. Curiosa, coisa que ia percebendo na linguagem gestual que me ia chegando pelo retrovisor, quis saber os nossos nomes; e nós o dela. A resposta não era simples:
“Nos Estados Unidos era Marilyn; mas aqui o nome por que sou conhecida é Marlene...”
“Ah, cinematograficamente muito apropriado”, comentei eu: “uma Monroe americana e uma Dietrich europeia...”
Ela riu, confessou que Marlene Dietrich era uma das suas actrizes favoritas.
No decorrer de toda aquela conversa, o carro fora evoluindo das grandes autoestradas, das circulares externos e internas da cidade, para um ambiente de ruas mais pequenas e o ar marítimo perfumava agora as janelas – estávamos já a chegar ao Pireu, o nosso destino.

Estacionado o carro à porta do hotel, como se fosse retocar a maquilhagem ou assim, ela reposicionou o retrovisor de molde a enquadrar-nos bem e perguntou se tínhamos dois minutos para a ouvir. Como dizer que não a uma pessoa tão genuinamente amistosa como Marilyn, quero dizer: Marlene?
“Ouçam, sou taxista, não sou guia turística, mas se quiserem posso levar-vos num circuito pela cidade e, como gosto muito de história, posso contar-vos o que tenho aprendido sobre os lugares...”
E explicou-nos que havia três circuitos mais comuns: um que se dedicava à cidade e aos seus clássicos; outro que incluía Atenas e os arredores até Corinto, e um terceiro que exigia já um dia inteiro e se espraiava até ao Peloponeso...
“Ainda não sabemos bem o que vamos fazer estes três dias em Atenas”, respondi muito sentadinho no banco de trás e desejoso de arrumar as malas e ir espreguiçar as quase doze horas de viagem, “não tem um cartão que nos deixe...? Depois, conforme o que decidíssemos, telefonava...”
Ela esticou-se sobre o porta-luvas como se fosse sobre uma carteira e remexeu no caos que reinava no seu interior. Em seguida, por entre os encostos do banco dianteiro, estendeu-me um cartão de visita. Antes de o meter no bolso deitei-lhe o olhar de relance da praxe cortês. Havia nele um nome e um telefone:
MARLEN-MARILYN DAKESSIAN. KIV: 6979 1925 2...
E dois endereços de e-mail
(continua)

© Fotografias de Pedro Serrano: (1) Atenas; (2) Pireu; Junho 2014.



18 junho 2014

COMO OS GREGOS

Mas suponho que são como os Gregos: 
contentam-se em comer uma azeitona, 
olhando o céu, que é tão bonito… 
(Eça de Queiroz, Os Maias)


 © Fotografia de Pedro Serrano, Thyra (Grécia), Junho 2014.

16 junho 2014

ENTRETANTO EM THYRA...

Entretanto em Thyra, uma ilha do arquipélago das Cíclades também conhecida por Santorini, o céu é azul-ferrete em constância e todas as janelas têm vista.


© Fotografias de Pedro Serrano, Santorini (Grécia), Junho 2014.

14 junho 2014

UM GARFO DESTES

Tinham acabado de pousar na mesa a salada, a cesta do pão, a pasta de azeitona, as bebidas. O galheteiro, o pimenteiro, o saleiro estavam ainda a ser dispostos sobre o tampo de mármore. Enquanto esperávamos íamos mirando o porto, a cintilação do sol das quase duas da tarde na água do mar, um barco grande que atracava.
A nossa mesa ficava na primeira fila de mesas da esplanada, uma óptima plateia para ver do esparramado das cadeiras de lona quem passava à borda de água. De súbito, das entranhas do navio que chegara começou a brotar uma horda de turistas. Dezenas e dezenas, às catadupas, invadindo o porto em maços compactos, como o lixo e as pontas de cigarro que batem o molhe quando o revés das ondas o lambe. A multidão era maioritariamente constituída por franceses de meia-idade, de idade a três-quartos, sobretudo mulheres, arrancadas aos subúrbios gauleses para a excitação de uma passeata pela Grécia, oh comme c’est chouette...
Acabava de desembrulhar os talheres do guardanapo de papel que os resguardavam quando individualizei na multidão duas francesas avantajadas que evoluíam rente à esplanada, uma delas pendurando nos beiços um cigarro em fase terminal de combustão. E eis que, ao passar pela nossa mesa, esta decidiu ser o cinzeiro imaculado que ali repousava o local ideal para apagar a beata: e toca de se inclinar sobre nós e de esmagar o cigarro no nosso cinzeiro, aspergindo na nossa direcção um bafo infecto de nicotina e alcatrão! Reagi, pronto, em inglês espontâneo:
“It’s not a good place for doing that...”
O “no?” dela, que se iniciou interrogativo, foi murchando ao reparar na tonalidade e concentração do meu estado de espírito, pois, geográfica e culturalmente falando, estávamos suficientemente próximos da Sicília para que, logo a seguir e com a sede que lhe estava, lhe apunhalasse as costas da mão com o garfo destinado à salada grega.
Silenciosamente, discretamente, ela tomou o cinzeiro da nossa mesa e foi pousá-lo na desocupada mesa ao lado e seguiu o seu caminho virando-nos umas costas vociferantes.
© Fotografia de Pedro Serrano, Hydra (Grécia), Junho 2014.

12 junho 2014

VIVALMA


Quando o sino tocou
Às seis da manhã
Já os galos,
À desgarrada,
Haviam anunciado
A madrugada






© Fotografia de Pedro Serrano, Hydra, Junho 2014.

10 junho 2014

ENTRETANTO EM HYDRA...

Hydra fica no golfo Sarónico, tem 1.980 habitantes e não existe um automóvel em toda a ilha. O transporte de pessoas e bens faz-se usando mulas, mas no meu aparthotel sobre a vila a internet é grátis e de alta velocidade. Leonard Cohen, o cantor canadiano, comprou aqui uma casa no início dos anos 60 com os 1.500 dólares que lhe deixou em herança uma avó. Partilhou essa casa com Marianne, a da canção. Vindo por cá, há um barco duas vezes por semana e a viagem de Atenas até aqui dura duas horas, percebe-se a razão pela qual a terá comprado e a tem mantido todos estes anos. Entre outros que ficaram cativados pela ilha cito, assim de memória, Lawrence Durrell e Henry Miller. O mar em volta é o Egeu, por onde noutros tempos navegou o Ulisses, o do Homero, não o do Joyce. Ah! - ia esquecendo - ambas as fotos foram tiradas pela janela do meu quarto.  
 © Fotografias de Pedro Serrano, Hydra (Grécia), Junho 2014.

09 junho 2014

01 junho 2014

O QUARTO DE HÓSPEDES


   A casa está bonita
   A dona está demais
   A última visita
   Quanto tempo faz
                 Chico Buarque (“Suburbano Coração”)
Foi quando apareceram os Spectrum. Hoje tudo parece distante como máquinas de costura a pedal mas, na altura, aquelas máquinas fizeram-me ganhar uma porção de massa e Deus sabe como estava a precisar de mostrar que era capaz.
Contra a vontade deles – o meu pai era dono de uma pequena retrosaria e a minha mãe trabalhava com ele – licenciei-me em Filosofia, um sopro na esperança que acalentavam de ver a família subir um patamar no julgamento dos vizinhos. No entanto, graças a um professor que me achava uma mente espiritualmente irrequieta passei os últimos anos do ensino secundário a ler Sartre, Camus, Kierkegaard e outros do mesmo calibre; dá para imaginar o que este tipo de combustível pode atear numa cabeça de dezasseis anos! Fui parar a Filosofia e o que melhor me lembro desses tempos é que os corredores da universidade cheiravam a merda de cavalo por serem paredes meias com um quartel.
Cinco anos mais tarde percebi o difícil que é viver de ideias e dei comigo professor em Chaves, por um triz não arranjei trabalho no norte do país. Outro lustro passado e já não podia suportar os meus alunos ou o programa que era forçado a impingir-lhes; diga-se que também eles recebiam com entusiasmo antagónico os corolários de Espinosa e o toque de saída.
Chegaram os anos 80, que, à chegada, soaram como extravagantemente modernos e excitantes, e agora eu definhava em Braga, um progresso que me permitiu voltar a casa dos meus pais e ao meu quarto de porta sem chave. Foi então que surgiram por cá os Spectrum – esses espantosos computadores que dependiam de um leitor de cassetes para carregar o programa e de um ecrã de TV para se lhe ver as imagens – primeiro o ZX81, depois os outros; ao ritmo de um novo modelo por ano. Eu estava a precisar de me fazer um homem, de poder bater uma porta que fosse minha; troquei as ideias por circuitos integrados: foi o melhor que fiz.
O tipo que me alertou para a oferta de emprego, um  antigo colega de liceu que abandonou os estudos por volta do nono ano, era vendedor da Sinclair na área do Porto e Minho e claro que não me ofereceu a sua zona de caça, mas passou-me a informação de que o concessionário da marca em Portugal procurava um vendedor para o Sul. Estando Lisboa tomada, como fiquei a saber na entrevista, ficou-me o pedaço mais duro de roer, o território não desbravado do Alentejo e Algarve... Mas, Descartes seja louvado, o dinheiro que eu vim a ganhar com aquilo! Em pouco mais de dois anos o meu salário de filósofo quintuplicou e, note-se, ganhava à comissão. E que mina se revelou o Algarve com todos aqueles jovens mimados a demandar o sul como quem procura a Califórnia, aos quais, para o efeito, se deviam adicionar os numerosos estrangeiros que por lá viviam: ninguém conseguia resistir à novidade de uma máquina de flippers que podia ser jogada sem se sair de casa; que engolia o tédio como os glutões do Pac-Man, jogo que, juntamente com o teclado táctil de teclas de borracha azul, ia vendendo como pãezinhos quentes.

De praias, nunca passara da Apúlia e do Ofir. Não conhecia ninguém no Algarve, nunca lá estivera, nas mãos apenas a lista fria dos estabelecimentos que deveria contactar e convencer a comercializar o meu produto. Depois lembrei-me da Isménia, procurei numa agenda antiga o telefone dela. A Isménia dava História, fora minha colega em Chaves e enevoava-me a memória o ter ouvido dizer que leccionava agora num liceu algarvio.
Atendeu-me uma mãe desconfiada, que só acalmou quando percebeu o meu desconhecimento da vida presente da filha e reconheceu eu saber pormenores da vida passada suficientes para ser quem dizia que era. E, metendo a mão de permeio nos meandros, lá me deu o telefone actual da rapariga que, pelos vistos, partilhava casa com uma colega, como a filha professora no liceu de Faro.
– Não é bem na cidade, mas também não é longe e, por ser desviado, puderam alugar uma moradia com quintal por menos do preço que pedem por um apartamento!
Reconheci ser um grande achado e comecei a tentar desligar, mas ela ainda não estava preparada:
– A Meninha liga dia sim dia não, à noite; vou dizer-lhe que o senhor telefonou a saber dela...
A Isménia recebeu a minha chamada com alegria, com o entusiasmo de uma novidade em primeira mão. Entreteve-se a pôr-me a par do destino de alguns dos nossos colegas do liceu de Chaves como se isso me pudesse interessar: quem tinha casado; quem já tinha filhos e o respectivo sexo; quem mudara de escola. Depois, quando me permitiu que falasse e percebeu que a minha rota ia começar a passar pelo Algarve, borbulhou de entusiasmo, deu largas à famosa hospitalidade trasmontana:
– Claro que ficas aqui em casa, para que hás-de estar a gastar dinheiro em pensões ou residenciais que, ainda por cima, são um roubo por estas bandas?! Vivemos numa casa, temos um quarto a mais; e a Inês é uma tipa porreirinha, vais ver.
Mas entre a promessa de lhe bater à porta em breve e a sua concretização acabaram por se intrometer uns meses. Não que não tivesse entretanto descido ao Algarve, mas ainda morava em Braga e calculei mal a distância e o esforço. Cheguei a Faro derreado de tanta estrada e, depois de uma carne de porco com conquilhas num restaurante chamado Centenário, atirei-me para cima da cama de um dos quartos da primeira pensão que encontrei.
Voltei ao Algarve um pouco antes da Páscoa que, nesse ano, foi alta. Atravessei o Alentejo com as janelas do Peugeot escancaradas, aquele ar tépido era uma surpresa boa para quem largara de uma Lisboa chuviscosa. Dançando à minha volta, extensões suavemente onduladas, cobertas de um verde muito pastável, e a berma da estrada, como se fosse bordada, pontilhada por uns arbustos de flores brancas e odor resinoso. Nas colunas do Aiwa o Chico Buarque esforçava-se em se fazer ouvir por sobre a deslocação desabrida de ar que atravessava as janelas. Acabara de sair um disco novo dele – um daqueles álbuns sem título tão comuns no homem – e eu passara-o para cassete, pois andava viciado nas canções.
A casa da Isménia ficava além da saída para São Brás de Alportel e demorei a dar com ela, primeiro com a povoação (que aparecia e desaparecia nas placas de sinalização) e depois com a casa propriamente dita, uma morada sem rua nem número.
– Por acaso não me sabe dizer onde moram umas professoras que dão aulas em Faro...?
Era vago, mas de tanto repetir a pergunta acabei por chegar a quem me apontasse um telhado que, entre árvores, espreitava do lado de lá da estrada.
Com um pé no travão, desci com cautela as bossas de um caminhito em terra batida e virei num portão escancarado que abrigava um pomar de laranjeiras. A casa, térrea e sobre o comprido, ficava ao fim do laranjal.
Ainda surpreendido com a quietude reinante – de súbito parecia que tudo se calara em volta, à escuta do meu punho erguido – bati à porta, um sorriso chistoso a envolver a frase com que reencontraria Isménia ao fim de tantos anos:
– Vieste morar no fim do mundo, rapariga!
Mas quem abriu a porta não foi a Isménia. Reparei, primeiro, que estava descalça, em seguida nos olhos claros, ao princípio surpreendidos, logo depois convertidos num brilho disfarçadamente divertido ao assistir ao emurchecimento da minha expressão.
– Boa tarde – recuperei para o tom do estranho inofensivo –, venho à procura da Isménia Pinto. É aqui que mora, não é?
– É, mas ela não está...” – respondeu tranquilamente e, de súbito, a maleta que tinha na mão e onde levava os meus pertences ganhou o peso-morto das coisas fora de sítio.
– E não sabe se se demora...?
– Ela não está cá; foi numa excursão a Sevilha, com alunos. Férias da Páscoa...? Só está de volta daqui a duas semanas...
– Ah... É que tinha combinado com ela, quer dizer: pré-combinado, passar a visitá-la... Desculpe, não disse quem sou...
– Acho que sei... – respondeu com a mesma mistura plácida de curiosidade e divertimento nos olhos verdes – ela falou de si; é o antigo colega de Chaves, não é? A Isménia avisou que viria por cá um destes dias... Mas, perdoe, nem sequer o convidei a entrar...
– Não vale a pena, obrigado; ainda tenho de voltar para Faro. Por favor transmita à Isménia que passei por aqui, que volto noutro dia... Tentarei telefonar antes!
O olhar dela, como se estivesse ocupado noutros afazeres, pareceu congregar num todo as minhas mãos – uma pendurando a maleta, a outra o saco de plástico com a garrafa de vinho – e o sol, que desaparecia do céu correndo uma cortina rosada por entre a copa baixa das laranjeiras.
– Não, entre... Ia agora começar a pensar em o que fazer para jantar... Sei que a Isménia teria gosto em que ficasse cá. Não há nenhuma razão para que não fique: temos um quarto de hóspedes vazio.
Entrei com o passo cerimonioso dos hesitantes, estendi-lhe a garrafa:
– Tinha trazido isto...
Ela pousou-a na bancada da cozinha, apontou para uma porta entreaberta por onde se vislumbrava a semi-obscuridade de um corredor.
– Venha, vou mostrar-lhe o quarto.
A casa repartia-se em duas metades, separadas justamente pela porta do corredor: de um lado havia o espaço amplo por onde eu entrara e em que convivia a cozinha, a sala de jantar e, ao fundo, uma pequena sala de estar com cadeirões de verga; do outro lado, ao que parecia, ficavam os quartos e a casa de banho.
O quarto de hóspedes deitava para o laranjal e era tristonho como geralmente são os quartos de hóspedes. Como mobília, uma cama de casal, uma mesinha de cabeceira sem par e uma cómoda tendo por cima um espelho embaciado pela falta de uso. Inês puxou a persiana de madeira, abriu uma nesga na janela e puxou uma gaveta perra à cómoda:
– Vou arranjar-lhe uma toalha. Ao sair feche a porta para o corredor ou, então, corra a persiana: temos por aqui bastante mosquitada, embora no Verão seja pior. Como vê a cama está feita a contar com a sua vinda...
Por alguma razão inclassificável – tudo isto o pensei depois, na cama silenciada do quarto de hóspedes – o jantar correu como se não fosse a primeira vez que nos sentávamos à mesma mesa, como se um qualquer encontro anterior nos tivesse preparado um para o outro. Inês cozinhava lindamente e o vinho tinto que levei casou bem com o strogonoff que preparou, assobiando baixinho quando se esquecia da minha presença.
Havia no ar uma tranquilidade que não me compelia a matraquear conversa de circunstância, mas, por não a conhecer bem, por temer que a apropriação da sensação fosse mais minha do que dela, acabei por dizer:
– Deixe-me ajudá-la nalguma coisa...
– Não vale a pena, a sério. Para além do mais não sabe onde está nada nesta casa... Às vezes nem eu sei, estamos ambas tantas vezes fora, as coisas têm um ar tão transitório como se isto fosse uma casa de praia!
– Então, no fim, deixe-me, ao menos, lavar a louça do jantar... Sinto-me um peso, assim sem fazer nada!
– Não se preocupe, gosto de lavar louça...
Mais tarde, já a mesa estava posta, os bicos do fogão desligados e a salada remexida, desapareceu por uns minutos. Voltou calçada, o cabelo, liso e de um dourado esmaecido, ajuizadamente alinhado à pajem e essas foram as únicas  formalidades com que assinalou a presença do estranho. Ou talvez fosse apenas o desconforto do chão de tijoleira a arrefecer com a noite.
Ao jantar expliquei-lhe um pouco o que fazia, ela pareceu sentir curiosidade pelo meu trajecto de vida:
– Como é que um filósofo decide pôr-se a vender computadores?
– Bem, por sufoco, acho eu. E depois, nunca me considerei um filósofo... foram as más companhias que me empurraram para ali! E a Inês, gosta do que faz?
– Para já... Mas, caramba, confesso que tenho algum horror a entrar um dia na sala de aulas e não saber o que estou ali a fazer!
 – A mim aconteceu-me precisamente isso: os alunos ouviam com tanto desinteresse o que tinha para lhes dizer que era doloroso continuar. Aturavam as minhas aulas como se fosse uma calamidade daquelas que não se consegue evitar, tipo ter de tomar banho mais do que uma vez por semana!
Ela riu-se, levantou-se da mesa para ir apanhar um maço de cigarros.
– Por aqui ainda se vai tomando banho com maior frequência, parece-me, quanto mais não seja de mar! Eu também sempre os seco com coisas mais concretas: bichos, plantas, rochas... Bem, vai-se vendo...
Ofereceu-me um cigarro e depois um licor de alfarroba, enquanto ia avisando:
– Nesta casa não há TV. Estamos sempre a dizer que um dia havemos de comprar uma, mas depois vem o pormenor de quem virá cá colocar a antena no telhado... E, no fundo, a Isménia prefere sair sempre que pode e eu passo bem sem ela: não é dos meus ruídos de fundo favoritos! Prefiro ouvir rádio ou estar em silêncio, a ler.
Por sugestão da dona da casa passámo-nos dos confortáveis bancos de pau em volta da mesa da cozinha, onde esgotáramos os cálices de alfarroba, para as cadeiras de verga do canto que era a sala de estar e, nessa mudança, alguma da ténue familiaridade que se criara entre nós desvaneceu-se no ranger dos móveis e no evidente pouco uso do espaço. Deixei-a acabar um novo cigarro, fiz chiar a minha cadeira ao colocar-me em posição na ponta do assento, e disse:
– Se não me leva a mal, vou andando para a cama. Foi um dia comprido e amanhã não vai ser melhor com 300 km para cumprir...
Ela passou dois dedos longos pelo corrupio que lhe avarandava o cabelo sobre a testa, e fitou-me com um olhar confortado, como se se tivesse dado conta do meu raciocínio e me estivesse grata por ter proposto o ponto final no momento exacto.
– Então vemo-nos ao pequeno almoço... Gosta de sumo de laranja? Natural? Aqui temos sempre laranjas doces, mesmo fora da época.
Deitei-me, revi o roteiro das visitas do dia seguinte no caderno de notas; confirmei as características e a quantidade dos aparelhos de 167´175´40 mm que, no exterior, sob as laranjeiras, dormitavam na mala do carro. Um pouco mais tarde senti-a passar para a casa de banho e, depois, fazer o caminho de regresso. Ao passar pelo quarto de hóspedes pulverizou a minha trincheira de mirone ao projectar através da porta:
– Boa noite, até amanhã.
Encostado na cama, à luz amarelada do candeeirinho, dei comigo, pensativo e de braços cruzados, no reflexo farrusquento do espelho.
Lá de dentro, da outra ponta da casa, chegavam-me sons morrediços; ela devia andar ainda a mexer pela cozinha ou pela saleta. Fiquei, esquecido, a tentar interpretá-los como se fossem hieróglifos sonoros. Depois fez-se silêncio; apurei o ouvido, mas não havia mais do que uma simples ausência de som. Apaguei a luz, deitei-me para baixo e, estranhando as reentrâncias do colchão, adormeci como um santo.
Descobri que alguma coisa se estava a passar quando a Isménia atendeu à porta e senti uma pontada fina de desilusão.
– Ora até que enfim Sua Excelência decide aparecer quando eu estou em casa!
– Não sou eu que passa vida a correr para Portimão... – respondi.
– E ainda por cima bem informado…–, disse ela, rindo e chamando por cima do ombro:
– Inês, olha quem chegou…
Ela surgiu, vinda da penumbra, uma mão apoiando o cotovelo do outro braço, onde um cigarro fumegava entre os dedos da mão; o sorriso caçado tomando conta da ombreira. 
Era a terceira vez que estacionava o Peugeot entre as laranjeiras e da última vez que ali estivera ela abrira a porta com um:
– Olha que a Isménia também não está hoje – e uma gargalhada pequena.
– Juro que desta vez deixei tudo na mala do carro –, retorqui, mostrando apenas uma mão ocupada com o cartuxo onde levava vinho e uns figos recheados com nozes para a sobremesa.
– Mas podes trazer as tuas coisas para dentro, se quiseres, o quarto de hóspedes continua sem hóspedes...
Sentindo-me recebido como se a casa tivesse acusado a minha ausência fui buscar a maleta ao porta-bagagens. E ela voltou a cozinhar para nós como da primeira vez e, igualmente, não quis que levantasse a mesa ou lavasse a louça.
– É uma pena não termos música aqui em casa, caramba, apetecia-me ouvir o disco do Chico de que falaste.
– Isso é fácil de resolver, caramba! –, respondi brincando e saindo para o quintal.
Aproximei o carro o mais que se podia da casa e deixei-lhe as portas e janelas abertas, o volume do Aiwa quase no máximo.
– Uma vez que não tens vizinhos, só os grilos é que se podem queixar...
– Cigarras, ou cega-regas, se preferires. Cigarras e grilos são insectos, mas de famílias diferentes...
E sorrira do seu posto na banca da cozinha, os braços nus enfiados numas luvas de borracha cor de laranja.
Nessa noite deixámo-nos ficar sentados à mesa da cozinha a fumar e a combinar figos com o resto da garrafa, para além do mais aquele local era o ideal para se ouvir a música que nos chegava pela porta aberta.
Despedimo-nos não davam as onze, pois no dia seguinte a minha jornada seria longa e a dela começava igualmente bem cedo. Pedi-lhe um livro emprestado para a noite:
– É um hábito que tenho. Às vezes não leio mais do que umas linhas, mas se não tenho nenhum comigo parece-me certo ir ter uma insónia...
Ela riu: – És como a minha avó com o Lorenin, o seu comprimido amarelo SOS. Nem sempre o toma, mas tem de o ter à cabeceira; de outro modo diz que não dorme...
Levou-me ao quarto dela para escolher um na estante de tábuas e tijolos da parede aos pés da cama, na qual se apoiava também um espelho antigo com fotografias entaladas na moldura. O quarto, caiado de branco, abria directamente para o espaço comum onde ficava a sala e a cozinha e, no lado oposto à porta, havia uma janela resguardada por barras de ferro onde ondulava à brisa um cortinado de tecido branco e quadrícula ténue que lembrava gaze.
– É bonito o teu quarto; faz lembrar uma cela de monge...
– De monja, neste caso! Também acho e foi muito fácil ficar com ele, pois à Isménia arrepia-a o facto de ser tão antiquado, de dar tão directamente para as traseiras da casa. Mas eu gosto desta janela gradeada, de ver os ramos da figueira encostados aos vidros. Se a noite está boa – depois de apagar a luz, claro, senão é uma desgraça com os mosquitos – costumo dormir com a janela aberta, gosto do cheiro que chega lá de fora, sobretudo quando as laranjeiras estão em flor...
– Por falar em cheiros, e já que és s’tora de Ciências, deves saber: que plantas são aquelas que enchem as bordas da estrada do Alentejo para baixo? Umas que dão uma flor branca, grande, que enchem o ar de um aroma forte, meio resinoso?
Ela riu, divertida com a minha botânica do bolso: – Com essa descrição só pode ser a esteva...
Regressei ao meu quartinho abafado e, apoiado num braço – a almofada era demasiado espalmada para que me pudesse recostar nela –, li duas páginas da Cerimónia do Chá, ouvindo como pano de fundo os sons caseiros que chegavam, amortecidos, dos lados da cozinha. Depois fechei o livro, pousei-o na mesinha de cabeceira e fiquei a cismar à luz amarelenta. Claro que seria bom tê-la ali ao lado, reflectida no espelho baço, espessando o tempo;  o tempo, que me parecia cada vez mais curto, daquelas visitas. Pairava um pouco de melancolia quando, a seguir ao “boa noite, dorme bem”, voltava ao quarto de hóspede e ela ficava para além da porta do corredor. Mas, concluí suspirando, mesmo assim era melhor do que não sentir o conforto da sua presença próxima, estivesse ela onde estivesse na casa.
Na manhã seguinte encontrámo-nos ao pequeno-almoço. Dei-lhe uma boleia até Faro e, premeditado como um criminoso, acabei por a deixar ao cimo da avenida, mesmo à porta do liceu, desculpando-me com piadas à empregado de café:
  Não me faz diferença nenhuma, é o automóvel que se esforça...
– Boas vendas! A gente vê-se por aí...
– Boas aulas. Obrigado por tudo... – despedi-me pela janela, o olhar pendurado na figura que se afastava.
E uma estúpida vontade de andar outra vez no liceu inalando-me o peito do azul da manhã. Remeti-a para segundo plano durante as minhas voltas pelas lojas de electrodomésticos, mas, na viagem para cima, a recordação dela intrometeu-se constantemente no meu fluxo de consciência, como se diz na Filosofia.
 
– Vai ter comigo às Pirâmides, tipo quatro da tarde, pode ser?
No telefonema da véspera fiquei também a saber que não encontraria a Isménia em casa, seguia directamente para Portimão ao encontro do fim de semana e do namorado. Inês ia a casa, pois só teria de estar de volta ao liceu na terça-feira seguinte, mas como tinha aula no primeiro tempo da tarde de sexta-feira só conseguiria apanhar comboio no sábado de manhã.
– Posso levar-te para cima, até Lisboa ou mesmo até Coimbra ou Montemor. Não tenho o fim de semana grandemente ocupado...
– A gente depois fala, tenho de ir que a Isménia quer usar o telefone.... Encontramo-nos nas Pirâmides...
Sorri, a coberto da linha. Agora, que a começava a conhecer, dava-me conta que era um pouco assim, reservada, como se só ultrapassasse o patamar dos monossílabos quando um número suficiente de questões ou pensamentos se acumulavam, empurrando-a pronunciar-se.
As Pirâmides eram um café-esplanada cujas mesas se dispunham em volta do coreto da praça em frente ao porto de Faro. O nome vinha-lhe da cobertura das instalações, a qual imitava o pontiagudo do tecto de uma barraca de praia e, como tal, se toldava também em riscas azuis e brancas.
Quando cheguei já me esperava, sentada a uma mesa abrigada pela parede do coreto. Estava uma tarde de Junho a quem não se podia pedir maior perfeição: quente, sem o ser demasiado; serena, no quase silêncio dos ruídos da cidade que chegavam até ali e na sensação reinante de ocupações concluídas de quem passava – o todo abençoado por um firmamento de puro anil. Pude aproximar-me e olhá-la sem que reparasse na minha chegada, pois estava entretida a tomar apontamentos numa agenda. Vestia uma t-shirt de uma cor que se furtava do azul-bebé ao azul-cobalto e que lhe deixava os ombros descobertos,  e o cabelo, no seu corte em formato de sino, tombava-lhe sobre a face, refulgindo cor de linho à luz do sol. Ao sentir-me levantou a cabeça, protegendo os olhos com uma mão em pala.
– Blue and green should never be seen... –, cumprimentei, zonzo de todas aquelas tonalidades.
– Ah...? – ela pousara o caderno, continuando a fitar-me com os olhos estremunhados de luz.
– Diz-se que o azul e o verde são cores incompatíveis, que não devem ser usadas juntas, mas estava a ver-te e a pensar que há sempre uma excepção para tudo...
– Qual verde? – olhou-se como se pudesse ter deixado escapar uma cor na roupa que escolhera: a t-shirt cabeada, as calças folgadas de sarja creme, as sapatilhas azuis orladas de borracha branca.
– Os teus olhos...
– Que tolo! Vá, senta-te que, por falar em verde, me tapas a vista da água...
Sentei-me, empurrei o embrulho por sobre o esmaltado encarnado da mesa:
– Despachei-me cedo, enquanto fazia horas comprei-te uma coisa...
– O que é...?
– Vê! É um livro; espero que ainda não tenhas...
Desembrulhou-o, um meio-sorriso de gula infantil afogado na franja do cabelo.
– Caramba, como adivinhaste? A Insustentável Leveza do Ser, tem-me falado imenso, andava cheia de curiosidade... Já o leste?
– Acabei de ler... Saiu há uns meses; achei que ias gostar...
– De certeza...
Apoiou-se sobre o braço largo da cadeira para alcançar a carteira e uma das alças da t-shirt resvalou pelo ombro, criando um decote transitório por onde o meu olhar foi sugado com a rapidez de um abismo. Enfiou o livro na carteira, depois inclinou-se para trás e deixou-se escorregar pelo encosto de lona, o verde dos olhos perdendo-se no verde mais escuro da baía. Ficámos assim, calados, uns longos minutos, a minha palpitação azul desarrumada pelo contorno do ombro dela a centímetros de mim, diminutos pelos delineando em poalha dourada o relevo do bíceps. Depois, como se a tensão a tivesse contagiado, quebrou o silêncio:
– Queres continuar aqui ou vamos andando? Onde tens o carro?
– Como quiseres. Está ali, por trás do Hotel Eva...
– Então vamos, antes que apareça alguém conhecido a chatear-nos.
Ela nunca explorava o assunto ou se detinha a nomeá-lo, mas ia-me apercebendo nos requebros do discurso, pelas frases inacabadas (como se eu as pudesse completar sem ajuda), até na crueza de algumas observações da Isménia que Inês, na sua mudez, parecia não querer para ali chamadas, ia-me apercebendo, dizia, que havia uma presença, quase oculta, na vida dela: um namorado que ficava vagamente lá para o norte, que, às vezes, vinha cá baixo em visita; entrevira uma fotografia, não muito nítida, entalada na moldura do espelho do quarto dela. E assim como a mim, suspenso no presente, não me interessava chamar por essa faceta da vida dela, ela, por seu lado, parecia preferir tomá-la por inexistente e, nessa lógica, um “antes que apareça alguém a chatear-nos” era mais do que suficiente para deduzir que, uma vez que eu não conhecia ninguém na cidade, ela se poderia estar a referir a conhecidos do seu outro mundo, um mundo no qual eu me despenhara um dia, sem paraquedas. Talvez também ela não estivesse à minha espera.
– Vou pagar... – informei.
E do balcão, enquanto esperava o troco, fitava a minha loura bonita, perguntando-me o que fazer para chegar até ela, como percorrer as milhas náuticas que me separavam do acto tão elementar de estender uma mão e abraçá-la. O que me impedia? Um namorado bruxuleante, porventura um apeadeiro provisório entre dois portos? Na mesa, esperando-me, o olhar dela estava deitado para longe, entretido num barco que saía para a ria e dividia as águas como talvez, naqueles dias, a minha presença a estivesse a dividir entre um desejo e um remorso. Mas, essa tarde, era já uma felicidade, um valor que me distinguia, o saber ser o destinatário da espera dela, que a espera dela me pertencia.
– Podemos ir, princesa... – disse ao regressar à mesa.
Olhou de baixo para cima e num tom de voz quase suplicante, pediu:
– Não me chames isso...

Pela minha mão, em cima da mesinha de cabeceira tinha só ficado A Cerimónia do Chá, o livro que me emprestara numa dessas primeiras noites em que dormi no quarto que dava para o laranjal, mas, hoje à noite, havia, empilhada, uma pequena resma deles, como se alguém ávido de leituras ali tivesse dormido ultimamente ou, mais prosaicamente, como se para ali tivessem sido encavalitados em trânsito livros a destinar em melhor altura. É para isso que também pode servir um quarto de hóspedes, para adiar decisões e desatravancar circuitos mais imediatos.
Ou, pensei, nu, ao enfiar-me na cama, como se uma qualquer entidade, numa  previsão divina, pudesse ter antevisto que nessa noite eu iria precisar de abundante entretenimento, de matéria para entreter a insónia até de madrugada, pois todo eu me debatia numa agitação interior que não parecia poder resolver-se por si própria.
Sem, ao menos, passear os olhos pelas lombadas peguei no livro que encimava a resma e, encostado à cabeceira da cama, abri-o sobre o peito. O livro cedeu entre duas páginas onde um papel aprisionado funcionava como uma marca de leitura, aí criando maior probabilidade de abertura. Era um pequeno papel branco, de recado, e nele estava escrito em letra arredondada e feminina:
“Quem dera que esta noite estivesses aqui à minha beira.”
Mais nada. Não havia assinatura. Não havia mais papéis nem mais recados no livro ou em todos os outros da pilha, que me apressei a sacudir e vasculhar. Não havia pista que conduzisse a uma sugestão de resposta à pergunta que, de imediato, subalternizando todas as anteriores, se me cravou na mente: Teria aquele recado sido escrito em minha intenção ou, pelo contrário, aquelas palavras eram sobra fria de um episódio passado, alheio? A letra seria a dela? Ou a da Isménia ou, quem sabe, de outra gaja qualquer que um dia tivesse deixado um recado num livro? A bem ver, aquele recado podia ter sido escrito em Faro, em Braga ou na China e ter ido ali parar numa permuta de livros! Não tinha maneira de o saber e tudo quanto conhecia da letra dela eram as raras palavras sarrabiscadas numa lista de compras... Quanto ao livro onde encontrara o papel (Justine, de Lawrence Durrel), nele não figurava nome de dono na página de rosto: como saber então a quem pertencia e, mesmo que o soubesse, que acréscimo isso traria?
Será que teria sido ali posto (o livro e o recado, ou o recado dentro do livro – que já lá estaria) nesse dia, depois de chegarmos e tendo em conta o que sucedera desde a chegada a casa? Poderia ela tê-lo lá colocado enquanto eu, como um danado, desiludido por ter queimado todos os indícios da noite, esfregava os dentes no espelho do quarto de banho?
Pus-me a revasculhar todos os fotogramas do dia, desde o momento em que chegáramos a casa vindos das Pirâmides, e as oportunidades que teria tido de entrar no quarto e enfiar o papel entre as folhas do livro ou, até, de colocar um livro marcado sobre a pilha pré-existente. Que idiota!, eram mais do que muitas as abertas: estávamos em sua casa e, ao invés de um hospedado, ela movia-se quanto queria entre as duas partes da casa. Aliás, ao chegarmos de Faro, logo a seguir a ter regressado à cozinha de pousar os meus pertences no quarto de hóspedes, ela atravessara-me com uma muda de roupa nas mãos e, em trânsito para o corredor, deixara, ao passar, uma frase a serpentear no ar:
– Vou tomar um duche, estou toda pegajosa! Não queres vir tomar um?
Aquela proximidade entre o banho dela e um possível banho meu, a contiguidade temporal e o quarto de banho único; o desaparecimento silencioso sobre uns pés descalços e por uma tijoleira tépida de um corpo todo pegajoso entesou-me os nervos numa tal crispação que dei por mim a responder para o vazio:
– Para já não, obrigado... – pois não consegui desdobrar coragem para explorar as nuances do convite.
Será que teria sido na esteira desse atrevimento de jogos aquáticos? Será que o livro com o recado – ou o recado, sem o livro – ia dissimulado naquela pilha de roupa limpa? Mas eu estava suficientemente perturbado a encenar como natural aquela visão de roupa interior, aquela sugestão de água sobre um dorso que deixava escorregar uma t-shirt sem soutien, para poder reparar nos entrefolhos da trouxa que ela sobraçava.
Aquela noite de sexta-feira teve para mim o sabor de uma última noite, como se toda ela anunciasse a passagem para um outro patamar de relação – alguma coisa teria de acontecer entre nós, nem que fosse um nada mais vincado.
Ela regressara do banho ainda com nódoas de um episódio molhado, revelando-me, visita jazente num cadeirão da sala, a intimidade de um cabelo húmido que lhe evidenciava o torneado do corrupio sobre a testa, a finura do pescoço, e que no louro agora mais escuro a faziam parecer outra mulher. Espreitando do meu respeito parado de hóspede como gostaria de poder vencer a paralisia, de me levantar e intrometer naquele pescoço elegante, demorar os dedos nas marcas de água que tinham pingado do cabelo para o recorte redondo da t-shirt largueirona; abraçá-la e rumorejar o que me inspirava no seu pisar leve, no seu silêncio, na sua reserva de fada do norte:
– Princesa...              
– Preferes batatas ou arroz a acompanhar...? – quis saber, enrolando uma toalha em volta da cabeça e aparecendo, sob aquele turbante, como uma terceira ninfa de pestanas de linho e olhos cintilantes.
Desisti. Li uma última vez o recado e, vencido pelo recato do hóspede cortês, apaguei a luz do candeeirinho e deitei-me, dando-me, de novo, conta de como a noite estava quente e o quarto abafado, a pele suava-me no vinco onde o livro repousava. A casa estava em total silêncio, mas, de fora, chegava o bramido ensurdecedor das cigarras. E se o bilhete era para mim? E se ela, surpreendida, pasmada pela minha indecisão, que tropeçava na dela, resolvera dar um empurrão ao assunto? Pois não seria perceptível na linguagem do meu corpo, dos meus olhares, dos meios-termos, que estava alterado e que a causa só podia ser próxima...? Quando agora ouvia o disco do Chico Buarque todas aqueles versos pareciam ter sido escritos por encomenda para cantar um prelúdio de romance a passar-se em Portugal: “A casa está bonita, a dona está de mais, a última visita quanto tempo faz...” E ela não me parecia indiferente a tudo isso... Que diabo, aquilo não podia ser só eu, a intimidade fora crescendo com as minhas visitas, havia ocasiões em que sentia que nos tínhamos afeiçoado como as duas metades de uma concha. E, se assim era, que perda irreparável para ambos estaria eu a provocar não dando seguimento ao recado escrito; que oportunidade – talvez única – estava a desperdiçar; que descortesia, mesmo, estaria a perpetrar perante uma iniciativa tão corajosa...
Ela comprara tamboril, raia, safio, propusera uma caldeirada à algarvia... Estava a refogar cebola e pimento no fundo de um tacho, um cheiro apetitoso subia na cozinha. Na bancada, eu cortara pão caseiro às fatias, abrira uma garrafa de vinho branco, servira-lhe um copo e beberricava o meu olhando os despojos do crepúsculo pela porta aberta, as laranjeiras, perfilando-se em negro no desmaiado  do ocaso, libertando o seu perfume doce.
– Já viste o poente? Olha só esta calmaria...
Ela levantara os olhos do tacho por um momento. Depois tapou-o, pousou a colher de madeira sobre o testo, regulou o gás no mínimo, acendeu um cigarro e veio fumar para o meu lado, encostada à ombreira da porta. Disse:
– Uma vez, ao crepúsculo, na estrada de Montemor para Coimbra, tive quase uma visão: vi cair poeira das estrelas sobre um velho que estava sentado no muro de uma casa na berma da estrada. Tive a certeza de que ele não ia andar muito mais tempo por cá...
Voltei a acender o candeeirinho, olhei o relógio: faltavam vinte minutos para as quatro da manhã. Sentei-me na borda da cama, reli o recado:
“Quem dera que esta noite estivesses aqui à minha beira.”
Enfiei as calças e abri a porta do quarto como se tencionasse deixar a casa sem que ninguém desse conta.
A porta ao fundo do corredor estava meio aberta e, embora não houvesse luzes acesas, uma luz ténue alumiava o caminho, cortesia de uma casa transitória, sem cortinas nas vidraças, e de uma noite enluarada no meio do campo.
No quarto dela a porta estava encostada, empurrei-a vagarosamente. Ao fundo, a janela devia estar aberta, pois o cortinado de gaze ondeava, leve como espuma, e apercebia-se o traço negro das grades à claridade exterior. Ela dormia de costas para a porta, deitada de lado, o contorno do corpo desenhado pelo lençol que a protegia.
Acocorei-me junto à cama, chamei baixinho:
– Inês...
Ela não respondeu, dormia, talvez.
– Inês – voltei a chamar, desta volta tocando-lhe ao de leve no ombro.
Ela acenou um pouco, dando a entender que me ouvia. Estendi o papel sobre ela, de modo a que lhe ficasse frente aos olhos.
– Encontrei isto num livro do meu quarto; fiquei a pensar se podia ser para mim..., por isso vim...
Sem se mover, sem se voltar, sem se exaltar, ela disse:
– Não, não era para ti...
Voltei a tocar-lhe o ombro.
– Desculpa ter-te acordado, mas precisava ter a certeza...
Fiz a volta em menos de metade do tempo do trajecto inicial, uma dimensão de imbecilidade a crescer em mim, a garantir-me que a segunda parte da minha insónia seria, agora que a expectativa fora decepada, bem amarga. Despi as calças, apaguei o candeeiro e decidi que mal a luz da aurora surgisse escreveria um bilhete a despedir-me e pôr-me-ia a andar, lamentando o caminho entre as laranjeiras não ser em declive, pois, se o fosse, partiria em ponto-morto e evitaria a intromissão do motor no sono dela, na minha vergonha.
Deitado, incapaz de acender uma luz e entreter o tempo que me restava lendo, percorri uma vez mais as contas do rosário, os indícios daquela noite, de outras visitas ao Algarve. A penúltima vez, por exemplo. Dessa vez Isménia estava em casa e, era inseparável do seu temperamento expansivo, monopolizara tudo, não deixando instalar-se uma réstia daquele silêncio sereno que pautava as visitas quando só Inês estava em casa. Desconfio que isso nos fez falta aos dois, pois, no cigarro que fumámos antes de ir dormir, sentados na soleira da porta, ela perguntara com o tom inexpressivo de quem faz conversa:
– Amanhã vais logo para cima...?
– Não, só a meio da tarde. Ainda tenho a minha volta por Albufeira e Lagos. E tu, tens aulas cedo...?
– Amanhã não tenho aulas... Vou ficar por aqui a corrigir testes.
A ideia surgiu-me como o penso-rápido para redimir aquela visita tão fruste.
– Não queres vir comigo? Quer dizer: não é um programa fantástico, mas fazias-me companhia... Depois trazia-te aqui, subia por Alcoutim e Mértola até Beja...
– Que seca, coitado... – e não percebi (nunca tinha a certeza com ela) se a seca era o programa que lhe propunha ou os quilómetros de curvas bravias que me esperavam no itinerário que decorria do vir deixá-la a casa. Depois esmagou a ponta do cigarro numa pedra, levantou-se e despediu-se:
– Está bem. A que horas te dá jeito sair?
Em Inglaterra, a estratégia da Sinclair para vender Spectrum em massa passara por estabelecer pontos de comercialização em postos de vendas de jornais: vender computadores em quiosques, como é que ainda ninguém pensara nisso? Em Portugal, a nossa abordagem fora mais tímida: como para pôr o computador a correr os jogos se tornava necessário um leitor de cassetes e uma TV, era nas lojas de artigos para casa que eu atacava, apresentando o produto como uma espécie de electrodoméstico do futuro...
Inês deu a volta comigo às lojas onde já tinha estabelecido contactos em Albufeira, Portimão e Lagos. Não entrava, ficava cá fora a dar uma volta nas cercanias; em Albufeira apanhei-a a espreitar pela montra, talvez intrigada em avaliar ao vivo a minha faceta de filósofo que deu em homem-de-negócios.
Almoçámos com vista de água na Praia da Rocha, estava ventoso na esplanada e ela usou a echarpe como lenço de cabeça, uma ponta a esvoaçar como se quisesse fugir para o céu. Mas como é que eu, tendo-a já contemplado tantas horas, nunca tinha reparado que era tão bonita?! Talvez ela fosse do estilo das que se impregnam devagar – hoje os olhos, amanhã o cabelo, depois as mãos e os gestos que vêm com elas – e, de repente, surge o todo que não mais larga o desejo de estar por perto e dão à ausência uma ressonância côncava. Esse dia fora definitivo para esculpir um tal tipo de sentimento em mim, é possível que seja por isso que, passados todos estes anos, a associe a um arbusto de trombeteiras que vimos em Lagos num canteiro subido, encaixado entre a parede e o contraforte de pedra roída de uma igreja antiga.
– Topa-me só o amarelo daquelas flores – comentei – parece uma manif de altifalantes de gramofone!
– Aquilo é uma Datura mollis, tolo! Fica sabendo que aquelas lindas flores são super-tóxicas, têm propriedades alucinogénicas!
– Não me diga, senhora professora! E se levássemos algumas para o chá...?
Há males que vêm por bem e se o mal – regressado de apanhar uma tampa no quarto dela – foi o de não ter tido coragem de acender a luz para entreter a insónia com leituras, o bem beneficiou de a falta de luz no quarto de hóspedes, situado na ponta mais escura da casa, não permitir mais do que o vislumbrar do relevo da janela. Assim, quando a porta do quarto de hóspedes se entreabriu e ela deslizou sem uma palavra para dentro da minha cama, nenhum de nós teve de ver as respectivas expressões, a minha, sem dúvida, de maravilhamento pelo desejo que já não se espera realizado – uma cara imprópria para ser vista àquela hora.
Quando acordei, jazia sozinho na cama e a luz estorcia-se por todas as frestas das persianas, o sol devia ir alto. Não dei conta que se tivesse levantado e o ela não estar ali tinha o sabor de um mau pressentimento. A porta do quarto estava fechada, a camisa de noite sumira-se e da casa não vinha o mínimo ruído; não fosse o cheiro na ponta dos meus dedos e podia julgar que adormecera em devaneio ou que passara a noite com um fantasma. Mas não: ela metera-se na minha cama, decidida, embora possivelmente contaminada por um remorso, pelo que as minhas mãos encontraram um corpo tenso sob a suavidade da pele; uma sensação estrangeira no toque macio daquele cabelo que tanto tinha imaginado mimar. Sim, apesar de tudo não houvera intimidade no encontro, mais um desespero, mas eu estava suficientemente apaixonado para o menorizar e adormeci abraçado a ela como, na escuridão, se prende o passaporte no dormitório de um país perigoso. Espreitei o relógio, eram dez da manhã, hora de irmos embora, de a deixar em Lisboa.
– Não queres que te leve a Coimbra? – perguntara-lhe na véspera, no fim do serão, antes de aceitar que a noite terminara ali e chegara o momento de ir cada um para o seu quarto, mas ainda preso à esperança que alguma coisa pudesse suceder naquele diálogo final.
– Não, obrigada, Lisboa é suficiente – Hesitou e acrescentou: – Vão-me buscar a Coimbra B, já combinei...
– Tu é que sabes, a mim não me custa nada – respondera, fazendo daquela resposta o ponto final definitivo daquela visita ao Algarve. Fosse o que fosse – julgava eu – que estivesse escrito para acontecer entre nós não o ia ser já, não ia ser hoje.
Encontrei-a na sala a inspecionar o frigorífico, a dar os últimos toques na casa, uma mala já estacionada à porta da cozinha. Vestia uma t-shirt preta, uma saia curta e parecia acabada de nascer. Recebeu-me com um sorriso familiar, contente:
– Olá, dormiste bem?
– Senti a tua falta ao acordar...
Disse que era melhor irmos andando.
Vista de aqui, foi uma viagem feliz. Subimos o Alentejo por Alcoutim e Mértola,  almoçámos numa tasca perdida num desvio da estrada, numa mesa cá fora com vista para um biombo de montes e, na lonjura, a planície; o dono a improvisar um repasto de pão, azeitonas, salada de tomate e febras a recender a limão. De vez em quando ela pousava a mão na minha, sorria. Outras vezes o olhar toldava-se-lhe, o presente estremecido por algum pensamento turvo.
– Que foi? – perguntei num desses momentos – fala comigo, podes falar comigo...
– Estou preocupada... Não sei como vai correr este fim de semana... Já deves ter percebido que tenho um namorado... Ele não anda muito satisfeito com as visitas que me tens feito...
– E sabe que estou aqui, esta vez? – inquiri, tentando aperceber o quanto, na realidade, estivéramos a sós na noite anterior.
Acenou afirmativamente. Acrescentou:
– Ficou muito zangado. Contei-lhe ao telefone que vinhas, ontem, antes de ir ter contigo às Pirâmides. Sabe que a Isménia não está cá, tem-se apercebido de cada uma das tuas visitas e deve ter havido alguma coisa no modo como falei de ti que o fez sentir mal, desconfiar... Sinto que, desta vez, me vai fazer uma grande cena...
Tirei a mão do volante e fiz-lhe uma festa no joelho, deixei-a pousada sobre a coxa dela, nua e desamparada.
– Sabes uma coisa? Se calhar o melhor é não contares nada; seja o que for que digas não vai adiantar: ficará sempre furioso contigo, comigo, é inevitável...
– Não sei se consigo...
Estendi a mão, ela entrelaçou os dedos nos meus até à próxima terceira que tive de engatar.
Em Santa Apolónia já entardecia, não tivemos tempo para voltarmos a estar face a face. Ao estacionar o carro voltei a perguntar:
– Não queres mesmo que te leve a Coimbra A, quiçá a Montemor-O?
– Tolo...
Acompanhei-a à gare. Abracei-a como um namorado que se vai despedir da amada que parte, mas logo vai voltar. Temendo os incidentes que a separação podia arrastar, voltei a sugerir:
– Não contes nada de nós, Inês, sobretudo não entres em detalhes; é o melhor...”
– Vamos ver...; depois digo-te o que se passou...
– Telefonas-me, logo que possas? Vou ficar à espera, dia e noite...
Sorriu debilmente e, como tinha uma mão no tirante que auxiliava a subida do estribo para a carruagem e outra a segurar a mala, não pôde limpar no imediato a lágrima que lhe escorregava pela face.
Regressei ao Peugeot com a alma enrodilhada nos pés.
Telefonou terça-feira, já noite. Foi breve e lacónica, calculei que talvez não pudesse falar à vontade.
– Achas que podes vir cá esta semana? Quero dizer-te uma coisa e preferia que não fosse ao telefone...
– Posso ir aí quando quiseres – prontifiquei-me, o coração esperançoso pela surpresa de a poder rever tão cedo –, mas, diz, como correu o fim de semana?
– Depois falamos...
Já era demasiado em cima da hora para que conseguisse ir no dia seguinte, inventar um pretexto e desaparecer da Sinclair. Telefonei a Inês comunicando que poderia aparecer em casa dela na quinta ao fim da tarde ou, se não desse jeito (e nesta fórmula estava a incluir a plausível presença de Isménia durante a semana), na sexta, logo a partir da manhã. Dormiria em Faro e procurá-la-ia logo que ela pudesse, na cidade ou em casa.
– Vem ter aqui a casa na sexta de manhã...
E, deste modo, arranquei para sul sem perceber se a escolha de sexta-feira teria a ver com o facto de não me querer tão cedo no quarto de hóspedes ou se a precaução se devia apenas à possível interferência da Isménia num reencontro tão especial. Estrada abaixo, sob um céu azul que se ia adoçando em dourados para o lado do poente, fui-me convencendo que a razão mais certa era o evitar que Isménia se atravessasse entre nós e embebendo na ideia de que, sendo de novo fim de semana, não havia motivo para que não pudéssemos dar continuidade ao romance interrompido. Nessa esperança, na sexta de manhã, ao deixar a Pensão Nautilus, passei na mercearia pegada ao Café Aliança onde comprei uma garrafa de vinho, um pacote de figos com amêndoas e mandei que me aninhassem na palha de papel de uma caixa de cartolina uma dezena de galinhas, joaninhas, tartarugas e outras figurinhas de maçapão.
Ela deve ter ouvido o carro descer o caminho de terra e esperava-me à porta da cozinha. Não disse nada quando esvaziei o saco com as compras em cima da bancada, perguntou-me se tomava um café, estava justamente a fazer um para ela. Depois acendeu um cigarro e levou-me para a sala de estar, onde dei por mim a remexer o açúcar na chávena como se fosse uma visita de cerimónia. Menos de uma hora depois serpenteava sem rumo pela estrada para Vila Real de Santo António, perdido por não atender às placas de sinalização; sem saber o que fazer, para onde ir, guiando como um autómato. Por hábito, premira a tecla do Aiwa e o Chico Buarque cantava:
Movendo as bocas
Com palavras ocas
Ou fora de si
Minha boca
Sem que eu compreendesse
Falou c’est fini
C’est fini...

O namorado estava à espera em Coimbra B e ela percebera logo pelo beijo esquinado, pela brusquidão com que batera a tampa do porta bagagens após atirar a mala dela lá para dentro, que bastava um rastilho para que a tempestade se despenhasse.
Depois de debicarem uma refeição tardia num café quase deserto, durante a qual ele evitara olhá-la de frente, tinham ido directamente para o apartamento dele e a tempestade fora desencadeada por um mensageiro que anunciou:
– Então, o que tens para me contar deste teu fim-de-semana?
Como se não fosse ainda Sábado e o fim-de-semana já tivesse terminado! Cansada por aquele dia que teimava em se arrastar, constrangida ao pressentir que o que se seguiria ia encher de salpicos de lama um canto do seu coração que acarinhava; tentando respeitar a lealdade que a relação com o namorado lhe merecia mas irritada com o seu tom de direito absoluto sobre ela, dera por si a contar tudo, para ver se despachava aquilo e podia ser deixada em paz, ir dormir. Mas este género de transacções nunca é simples ou breve e já amanhecia e o julgamento continuava, agora no quarto, para onde ela se arrastara depois de informar:
– Já te disse tudo. Agora vou-me deitar, não aguento mais.
Para trás ficara o momento em que, ao descobrir na carteira dela o livro que, na folha de rosto, se dedicava “Para a Inês com um beijo”, ele regara com gasolina de isqueiro a Insustentável Leveza do Ser, o qual, afogadas as chamas que ameaçavam atingir a fórmica dos armários da cozinha, ficara a fumegar abominavelmente dentro da pia de lavar a louça. Na onda de fúria seguinte, ele quisera saber todos os detalhes do que se passara em Faro nos últimos três meses, detalhes exigidos numa cronologia microscópica e demente. E, a partir de determinado nível de confissão, o saca-rolhas não servira outro intento do que o esfuracar  uma ferida que já não sangrava. Tudo aquilo era mórbido e, pior do que isso, entediante e Inês acabara por adormecer de exaustão. Mas, mesmo no seu sono ligeiro, era erraticamente arrancada dos braços do esquecimento para dar com uma face torturada que, debruçada sobre ela, censurava:
– Como é possível que possas dormir numa altura destas?!
E ela, que já mal pensava, respondia, contando o que já contara, escolhendo as palavras que, calculava, pudessem magoar menos, mas que só tinham como efeito incendiar, de novo, a suspeita:
– Não foi isso que disseste há bocado!
No Sábado, já depois das duas da tarde, dois pobres destroços acordaram, cada um na sua extremidade da cama. O ambiente no apartamento era lúgubre e ele, mal se levantara, encarara com exasperação a trouxa vestida deitada na sua cama para lhe lançar, como se fora uma acusação:
  Não te esqueças que ficamos de jantar hoje nos teus pais!
No caminho para Montemor, enquanto ela olhava a paisagem pela janela, tal se pretendesse, naquele alheamento, maquilhar o presente e chegar a casa como sempre chegara, ele fizera a sua proposta de reconciliação, a qual incluía a promessa de ela nunca mais ver esse gajo ou entrar em contacto com ele, a não ser para lhe ordenar, à distância, que desaparecesse da vida dela. Inês prometera e, sendo uma honesta discípula da verdade, cumpriu escrupulosamente tudo quanto acordara. Apenas achou, nesta mesma inclinação em ser correcta, que eu merecia mais do que um telefonema e, agora que compreendera o valor cambial de uma mentira piedosa, o segredo deste último encontro deveria ficar entre nós.
Tudo isto, bem examinados os factos, mais o reconstitui em sua sequência e gradações de negro e cinzento do que propriamente ela mo revelou. Nessa derradeira manhã na casa do laranjal ela foi concisa e parca em palavras – estava decidida no caminho a tomar e não queria atraiçoar o que prometera nem mostrar-me demasiado sobre esse seu caminho, uma vereda que, tendo de passar por mim, me empurrava para as silvas da berma. Condensou a narração da entrevista em Coimbra, que classificou como horrível, a um mínimo; citou a queima do livro como sinal do sentimento geral a meu respeito e, finalmente, tornou cristalina a sua opção final quando, fitando-me com olhos que partem e uma voz morrente, ordenou:
  Agora vai embora, por favor...
Levantei-me, ela permaneceu sentada na cadeira de verga da sala de estar, em frente às chávenas vazias. Não veio à porta dizer adeus enquanto eu dava a volta ao carro e me afastava em direcção ao portão. Eu, eu sim, espreitei pelo espelho retrovisor até deixar de ver o telhado da casa.
Esse fim-de-semana o meu T0 na rua Inácio de Sousa, em Benfica, recebeu-me tão desinspiradamente que, precavendo passá-lo afundado na cama, virei a tromba do Peugeot para norte e fui até ao Porto, constituindo-me numa visita pesada para os amigos. No dia seguinte, ao regressar a Lisboa, apeteceu-me virar à direita pelas estradas que levavam a Montemor-O-Velho, vejam só como é estúpido, se nem sequer ela lá estava! Pela amostra podem calcular o que me passou a custar ir a Faro e não a poder procurar. Nunca a vi, nem por acaso, embora subisse às vezes a avenida do liceu e esticasse o pescoço para o desvio da casa no meio do laranjal quando, torturando-me, decidia deixar o Algarve pelo caminho mais sinuoso.
Como não a encontrava, não me era autorizado vê-la, nem tinha notícias dela, e porque a um coração não é fácil renunciar a uma promessa que nunca fez, telefonava às vezes, sempre muito menos do que desejava. Ligava pelo fim da tarde, quando calculava que já estivesse em casa; às vezes ao Sábado, pelo fim da manhã, esperando que nem sempre passasse o fim de semana em Coimbra ou em Montemor. Ela deve ter captado as entranhas das minhas estratégias e nunca atendia. Minto, atendeu uma vez, porventura desprecavida, e numa voz onde havia súplica e mágoa pediu:
– Por favor não ligues mais para aqui...
Fiz-lhe a vontade, contive-me um mês, talvez quase dois; depois voltei a ligar e numa das tentativas atendeu a Isménia. Em vez de desligar, como fazia quando era ela, falei; falei para saber como iam as coisas, esperando que desse informações espontâneas sobre Inês. Não mas deu e, em desespero, carregando pela boca a voz de neutralidade, perguntei:
– E a tua colega, vai tudo bem com ela...?
– A Inês? Sim, está boa; só deve ficar por cá mais este ano lectivo, sabes? Ficou noiva, quer ir para cima, ver se fica colocada em Coimbra. Tenho de pensar no que vou fazer com esta casa, é grande de mais só para mim; dou comigo em doida a pensar em ter de ficar aqui sozinha...
Os Spectrum passaram de moda, toda a gente já parecia ter um, começaram a aparecer máquinas mais sofisticadas e potentes e a estrela da Sinclair mirrou. Arranjei emprego na IBM, as minhas viagens internacionalizaram-se, deixei de ir ao Algarve por profissão. Ao fim de dois anos dei por mim a pensar nela com menor frequência, parei de me preocupar tanto com a análise retrospectiva do que tinha representado o nosso breve encontro.
Um dia, numa ida ao Porto no Natal dei de caras com a Isménia no Norte Shopping, quase chocou comigo ao virar-se de uma máquina Multibanco. Pelo final do encontro considerei já ter dito o suficiente para poder considerar a pergunta diluída:
– E a Inês, tens tido notícias dela...?
– Perguntas por ela sempre que falas comigo! – disse, com um ar entre o divertido e o curioso. – Sempre achei que tinhas um fraquinho por ela, não...?
Mais de dez anos passados, achei poder rir, encolher os ombros e, com desprendimento, reconheci que me era muito simpática. Que era, afinal, feito dela?
– Vive na Suécia, imagina tu! Casou com um tipo que trabalha em petróleo ou minas, uma coisa assim...
– Sueco...?!
– Não!, português. Tem dois filhos, disse-me que é um bom país para criar crianças...
Desejei que fosse feliz, fosse lá o que isso fosse.
♪♪

(Predominantemente escrito ao som do Adagio assai do Concerto para piano e orquestra, em sol maior, de Maurice Ravel).
Canções: “Suburbano Coração” (Chico Buarque, 1984) e “Tantas Palavras” (Dominguinhos/Chico Buarque, 1983), ambas do álbum Chico Buarque, 1984. 
© Fotografias: Faro, de cima para baixo: Pedro Serrano, 1986 e 2014. A fotografia da Trombeteira em flor foi obtida no blog À Esquina da Tecla.