Ela
abandonara-o da pior da maneira, na pior altura. Sem motivo aparente e no auge
da paixão, ciclone que,
parecia-lhe, percorria todas as escalas da paixão correspondida. No seu
aturdimento procurou razões, razões clássicas: uma traição, algo nele que lhe
desagradasse e se estivesse a impor como intransponível... Não encontrou nada e
dela – enquanto conseguiu que lhe atendesse as chamadas, nas raras e dolorosas
vezes em que acedeu a encontrar-se com ele – nada se revelou, a não ser embaraço,
uma vontade nítida de o evitar, de não se comprometer com um novo encontro.
“Era melhor desistirmos disto...”
E no olhar, tornado fugidio, nada
mais apercebeu do que aflição.
Depois ela desapareceu de vez e, encolhido
de dor, afundado no sofá da sala, esperando que o comprimido azul da embalagem-amostra
fizesse efeito e o mergulhasse num sofrimento cristalizado, como um fruto
imóvel sob a carapaça de açúcar, deixou de revolver as razões e olhava o
telefone de lado, quase com horror, como se pudesse tocar e fosse ela, como se lhe
fosse vedado marcar aquele número que sabia de cor e que ainda era o número
dela.
Uns meses mais tarde deixou de a
procurar em cada rua da cidade por onde manobrava o carro, deixou de a
adivinhar em cada morena a quem pressentia o perfil do outro lado de uma
avenida; já nem todas as gargalhadas lhe lembravam a dela, conseguiu ouvir o seu
gracioso nome ser pronunciado sem sentir um estremecimento, sem virar a cabeça por
achar que aquele nome não podia chamar por mais ninguém... Uma tarde deu mesmo
consigo a passar no viaduto sem apanhar a nesga no tempo em que, olhando à
direita, se conseguia, por uma fracção de segundo, entrever
a marquise do andar dela, a qual se distinguia das outras em volta por ter os
estores corridos em permanência. Esses estores leves, de casquinha de alumínio,
que vibravam como um espanta-espíritos quando um avião cobria o prédio a
caminho da Portela.
Um dia fora aos Açores, congresso médico
patrocinado pela companhia e, na volta, o avião, descendo sobre uma cidade que
parecia encantada, dourada no meio da noite, sobrevoou a zona onde ela morava,
viu a cobertura do prédio, achou que conseguira até identificar luz na marquise.
Por trás daquele estore iluminado era o quarto dela, a cama de madeira escura,
o candeeiro de luz amarelada, o armário que tapava o vão que, outrora, fora uma
porta de correr que dava para a sala: de um lado estante, do outro pousio de
fotografias e toucador. Nessa noite não resistira ligar, queria dizer-lhe:
“Passei agora mesmo sobre o teu
quarto, a voar...”
Ela não atendeu, ele sentia-a do
lado de lá a olhar, maçada, para o visor, a deixar que tocasse; enrolando uma
madeixa do cabelo negro entre dois dedos entediados, nervosos. E ele a
detestar-se por imaginar alegria, por não permitir que a distância do tempo se
instalasse entre eles; por estar a violar o silencioso apelo “não me procures
mais” como se a estivesse a estuprar a ela! Mas a convalescença parecia-lhe
negada, não apresentava senão piedosas melhoras passageiras.
Depois foi anunciada a restruturação
na empresa, alguns colegas foram dispensados, a multinacional mudou a sede de
Lisboa para Madrid e, como consequência, a sua área de influência fora alargada
e um distrito foi acrescentado à sua zona de trabalho, o que se traduzia em
mais um hospital, cinco centros de saúde e doze extensões, onde havia médicos a
visitar, farmácias para controlar as vendas de, para ser exacto, oito
medicamentos, dois deles recentes no mercado e outros dois em risco de se
tornarem genéricos...
A mudança, o aumento de responsabilidade,
acabou por se revelar uma coisa boa, entreteve-o e tinha agora menos tempo para
chafurdar em consciência no desgosto que, apesar disso, continuava a latejar
dentro de si, feito um mal de estimação.
Um fim de tarde, quando regressava a
Lisboa, o telefone tocou e, por precisar de anotar um telefone que Rita, a
telefonista da sede, lhe queria passar, encostou na berma da estrada sob um grande
pinheiro manso. No fim do telefonema, acendeu um cigarro e abriu a janela do
carro. Estava uma tarde calma e, lá fora, o ar cheirava bem! Atirou o cigarro
fora e foi quando o vidro eléctrico da janela subia que reparou na placa, uma
daquelas placas quadrangulares, antiquadas, com a indicação da localidade
pintada a negro no branco caiado: SOBRALINHO, 4 km.
Deu por si a guiar por uma estrada
secundária, traçada entre muros de quintas, entre casas de lavoura, alguns
deles a desfazer-se e por onde trepavam trepadeiras e espreitava a folhagem de
árvores de fruto. De onde a onde abriam-se na paisagem campos verdes em que ovelhas
pastavam e, aqui e ali, um cavalo abanava a cauda indolente às raras moscas de
outono.
Parou num café a perguntar onde era
o lar.
“Veio pela estrada de Alenquer?
Então acabou de passar por ele!,” respondeu o homem, “é a uns trezentos metros
daqui, à esquerda de quem chega ao Sobralinho...”
Fez inversão de marcha, passou
devagar por um grande portão de ferro, escancarado, ao lado do qual havia uma
guarita com um soldado. Ao fundo de uma álea havia um terreiro e um casarão e,
como se fossem os proprietários, pela álea passeavam-se alguns pavões. O
soldado, curioso com o automóvel que ronronava do lado de fora do portão,
espreitou da guarita. Arrancou.
***
A decisão veio num semáforo
vermelho, uma manhã em que saía da cidade para uma visita ao seu território a
norte de Lisboa. Enquanto aguardava o verde, olhou à direita e viu as
empregadas de uma florista disporem os escaparates de flores de um lado e outro
da porta da loja. Parou e comprou duas rosas, embora a florista insistisse para
que levasse, pelo menos, meia-dúzia. Estava a tratar a encomenda como um
presente romântico, imaginou a cara dela se lhe confessasse que as rosas eram
para alguém que nunca vira e que tinha idade para ser sua avó.
Chegou a Sobralinho passava
um pedaço das quatro da tarde. A chuva parara. À entrada, o soldado pediu-lhe
um documento de identificação, podia levantá-lo quando saísse. Por dentro, o
lar, uma enorme casa apalaçada, estava cuidado como se fosse um museu,
impecável e silencioso. Na recepção anunciou vir visitar a Sr.ª Graça Neves,
que era amigo da família, acrescentou
com as rosas na mão e um calafrio no estômago. Pediram-lhe para esperar na
“sala de receber as visitas”, uma espécie de átrio com cadeiras almofadadas em
dourado e fotografias antigas de homens em traje militar na parede. Iam ligar
para cima, pedir para ela descer. Esperou, olhando em volta com o sorriso
inseguro que revela o desconhecido. Foram aparecendo e passando por ali várias senhoras
idosas, mas nenhuma lhe parecia a avó de Graça. Nunca a vira, mas, pela
descrição da neta (mais psicológica que física), tinha um feeling acerca do que
ela poderia parecer.
Longos
minutos depois viu aproximar-se pelo corredor uma velhinha pequenina, com uma
manta pelas costas, conduzida por uma empregada da casa. Sim, aquela batia
certo.
Ela
olhava, à procura de alguém familiar, e a empregada, sorrindo, dizia, mirando-o:
“Está
ali a sua visita...”
Adiantou-se,
estendendo a mão:
“A
senhora não me conhece, mas eu sou um amigo da Graça.”
Ela abriu
um sorriso:
“Então
se é amigo dela dê cá um beijinho.”
Sentaram-se
na “sala de visitas”, ele muito perto dela, pois lembrava-se que ouvia mal e,
por outro lado, tinha dificuldade em falar alto às pessoas, no seu mundo,
gritar não permitia estabelecer uma relação. Foi-lhe tentando explicar quem
era: amigo da Graça, colega da Graça na universidade. Mas ela não pareceu muito
preocupada ou ansiosa por justificações, estava, simplesmente, satisfeita com a
visita. Justificou-a com uma mentira piedosa:
“Soube
que a senhora estava aqui hospedada e, como vim para estes lados, resolvi
fazer-lhe uma visita...”
Depois
deu-lhe os dois botões de rosa, pediu desculpa por não conhecer os gostos dela.
Mas ela ficou agradada, pousou a flor no colo e assim a manteve o tempo todo.
Falou
mais que ele, que a ouvia olhando-lhe o belo cabelo branco, as rugas da testa,
os olhos vivos, as mãos. Sim, era a avó da Graça. A conversa saltou suavemente
de assunto para assunto: a Gracinha, a Margarida (“conhece a Margarida?”), os
meninos da Margarida. Sim, os meninos ele conhecia. Outra
vez a Graça, o filho já morto, a nora; o nascimento em Tavira, a infância, a
juventude, o casamento; os tempos em Évora, em Sobralinho, em Lisboa. Os netos,
o pai:
“O
meu pai era muito meigo para mim (“a minha mãe morreu tinha eu três anos”),
ainda hoje me lembro dele com muito afecto. Tentei educar o meu filho – o pai
delas, não sei se o conheceu quando era vivo – da mesma maneira.”
Depois
entoou a canção de embalar que, em Tavira, o pai lhe cantava para a ajudar a
adormecer e uma outra sobre um botão de rosa que cai ao chão e se desfolha,
também aprendida na meninice, com uma tia.
“Quando
chegar ao quarto vou tratar das suas rosas. Vou-lhes cortar o pé e metê-las em
água, para que durem.”
Ele
ia ouvindo, dando um toque aqui e ali, pois raramente era obrigado a falar.
Explicou-lhe
a ida para o lar, objectivamente, sem o mínimo sinal de amargura ou tristeza.
Ali estava bem. Lamentou um pouco a idade, sobretudo pela inutilidade que traz.
“Mas
não é preciso estar a fazer coisas para se ser útil, respondeu ele. “A presença
da senhora é muito importante na vida dos seus: basta ouvir a Graça falar de
si, para se ter a certeza disso.”
“Ah,
a Gracinha”, disse ela, encantada, “deram-lhe o mesmo nome que o meu e fizeram
bem..., é mais parecida comigo no feitio do que a Margarida...”
Entretanto
passara uma hora, o tempo que lhe tinham recomendado como duração da visita; foi
à recepção perguntar o que deveria fazer, ofereceu-se para a acompanhar ao
quarto, se fosse preciso. Disseram-lhe que chamariam uma empregada.
Regressou
à sala de visitas, sentou-se. Da sua serenidade, ela olhou-o com os olhos vivos,
disse:
“Assim
se conta uma vida, não é?”
E,
após uma pausa:
“É
engraçado como as coisas sucedem... O senhor, que andou aqui e ali (falara-lhe
de Braga, dos Açores, de Trás-os-Montes), acaba por cruzar a vida da Gracinha e
estar agora aqui.”
“É
verdade”, respondera, “assim se vão fazendo as vidas: começam separadas e
depois encontram-se, é engraçado...”
“É
verdade”, disse ela, dando a conversa por terminada, “alegrias e tristezas,
encontros e desencontros...”
A
empregada chegou. Ele levantou-se, ofereceu um braço para a ajudar.
“Gostei
muito que me tivesse vindo visitar e, se voltar a passar por aqui, venha ver-me
de novo. Se estiver com a Gracinha por favor mande-lhe um grande beijo meu. Sei
que ela gostaria de vir aqui mais vezes, mas Lisboa ainda é longe e com aquela
vida dela...”
Sorriu-lhe,
disse, numa voz que fez com que soasse banal:
“Penso
que não a vou ver tão cedo, sabe? Mas às vezes falo com ela ao telefone e não
deixarei de lhe transmitir o seu beijo.”
E
ficou a vê-la ir-se, de braço dado com a empregada, a quem, pelo corredor fora,
informava:
“É
muito amigo da minha neta Graça...”
Saiu.
Cá fora o tempo estava tépido e húmido. Sim, a pessoa correspondia ao retrato
que a neta lhe pintara, aos poucos, com intensa ternura por aquela avó que,
mais do que a mãe, era a figura central da sua vida interior.
“Sabe,
sempre fui muito afectiva, desde pequenina; foi bom ter nascido com esta
qualidade...”
Meteu-se
no carro, foi buscar a identificação à portaria. Pelo caminho veio recordando
aquela visita tão estranhamente estranha. Não usara prudência nenhuma na
conversa: conhecia as pessoas, sabia nomes, demonstrou saber alguns pormenores...
Não podia ser de outro modo. A única coisa que não lhe disse foi que, de certo
modo, estava ali também a mitigar as horríveis saudades que tinha da neta, neta
de quem gostava demais. Mas arriscar tanto tinha compensado: em que outro sítio
do mundo poderia ter pronunciado tantas vezes o nome dela com alguém que a
conhecesse?
Vinte
e três de Novembro, 8
da manhã, tocou o telefone. Onde estava? Ah.., sim, era o despertar que pedira
ontem. Ligou o rádio, enquanto fazia a barba. Estava frio. Notícias: em Lisboa
a chuva atravessara telhados e infiltrara tectos.
Apesar
de ser apenas o segundo encontro, fora, na véspera, mais vezes beijado
pela avó do que pela neta, a última vez que a vira! Assim, de repente, conseguia
identificar oito beijos: dois à chegada, dois quando lhe dera o tubo com
pastilhas de chocolate, dois à primeira tentativa de despedida e, finalmente,
mais dois no despedir definitivo. Mas talvez tivesse havido alguns outros, não
contando com as meiguices que ela lhe fizera na face e nas mãos... Um encanto.
Desta
vez mandaram-no subir e encontrou-a sentada à porta do quarto, ao fundo do Corredor Linhas de Torres. À chegada,
achou-a pior que na primeira visita: um pouco agitada, tensa (notava-se nos
olhos – exactamente como na neta), queixando-se dos brônquios, do tempo húmido,
da inutilidade de ser velho.
“Isto
não é viver, é vegetar...”
“A
senhora não pode falar assim, olhe que para a Graça...”
O
costume, mas que variações podia ele introduzir? Os bisnetos ainda não contavam
para estas demonstrações, à nora só a vira uma vez (não a podia invocar) e a Margarida
não conhecia, coisa que ela parecia sentir, pois entreteve-se a caracterizá-la:
“A Margarida
é muito explosiva, ao contrário da Graça. A Gracinha é mais parecida comigo no
feitio.”
A
tosse preocupava-a, gostaria até de fazer um raio-X, tinha medo por causa dos
pequenos, durante as visitas. Deu consigo numa de médico, invocou todas as
bulas que fora obrigado a ler, indagou mesmo outros sintomas e sinais. Tudo ao
serviço de um já planeado:
“Não,
não precisa de se preocupar. É apenas uma tossezita de inverno; anda tudo
assim...”
No
fundo havia razões físicas para que ela se sentisse mal, pois evidenciava uma
aflitiva falta de ar: fez-lhe companhia enquanto lanchava e só o acto de comer
fê-la ficar a arfar.
“Não
tenho apetite nenhum, comer é uma obrigação.”
Por
outro lado, embora não se queixasse explicitamente, apetecia-lhe regressar a
Lisboa, a casa.
“Não
foi a melhor época para vir para aqui. Tinha sido melhor na Primavera... Mas
elas não podiam tomar conta de mim o tempo todo durante a pneumonia...”
“Mas
olhe que em Lisboa, venho de lá agora, o tempo também está péssimo. E o ar aqui
é muito mais puro.”
Foi
melhorando ao longo da conversa e, às tantas, já não se distinguia da D. Graça
Neves da primeira visita. Pessoas iam parando, para a cumprimentar, para saber
quem ele era.
“Amigo
da família”, dizia-lhes. “Veio de Lisboa aqui só para me visitar.”
No
fim do lanche, mostrara-lhe o quarto, as coisas dela.
“A
minha colega de quarto tem a cómoda cheia de fotografias, vê? Eu só trouxe uma,
o resto tenho tudo aqui”, dizia apontando a testa.
Ele concordava
que ainda era o melhor sítio para guardar “o resto”.
“Está
a ver? Esta era a carta que lhes ia mandar, a dizer para não virem no Domingo:
não gosto de festejar os meus anos. Mas se eles fazem gosto em vir, que
venham...”
“Que
engraçado, comentou ele, o seu aniversário é mesmo na véspera do da Gracinha...”
“Olhe
que nem sei quantos faço: noventa e um, noventa e dois...”
Despediu-se
com um “até qualquer dia”, afastando-se na direcção do elevador.
“Até
sempre”, preferiu ela da porta do quarto.
“Até
sempre”, anuiu já próximo da porta do elevador, virando-se para a saudar, as
mãos de ambos levantadas num aceno final.
Com
o passar dos séculos, Graça foi definhando nele, os verdes momentos cobrindo-se
de cinza. A vida retomou o seu curso monótono e dela apenas ficou a incapacidade
de gostar de outra que não fosse por breve teimosia, como quem toma um remédio.
Nesse afastamento desleixou também as visitas ao Sobralinho, quando se deu
conta tinham passado oito meses sobre a última. Uma tarde de início de Outono
voltou lá, o mesmo pacote de pastilhas de chocolate no assento do carro ao seu
lado.
“Gosto
muito de flores”, confessara-lhe com olhos interesseiros durante a primeira
visita, “mas não gosto menos de chocolate...”
A
senhora da recepção sorriu em reconhecimento quando o viu, mas desceu o véu da
compaixão quando, poucos minutos depois, veio acompanhar à porta a desilusão
dele.
A
avó Graça morrera três meses antes, ali no lar. As netas vieram a correr,
sobressaltadas por um telefonema a meio da noite, mas chegaram depois do último
suspiro.
“Ficaram
desolados, sobretudo a menina Graça, que era muito chegada a ela. Mas olhe que a
pobre foi-se em paz, sem sofrimento...,” acrescentou, como se isso pudesse
aliviar o acanhamento dele, os seus remorsos.
Cá
fora, os pavões exibiam os azuis e os verdes da plumagem na tarde.
***
Passaram,
talvez, cinco anos. Um dia, ao sair apressado de uma agência bancária, quase a
atropelara em pleno passeio. Nunca mais a vira e continuava bonita, apesar dos
fios prateados que se mesclavam no cabelo, agora mais curto.
A avó Graça
acabou por deter quase o exclusivo da conversa e, com os olhos tão fugidios
como no passado, ela agradeceu o carinho que ele lhe dedicara.
“Fiquei
muito surpreendida quando me contaram que ias lá visitá-la e, ao mesmo tempo,
muito contente... Pobre avó, ali tão sozinha...”
De mãos enfiadas
nos bolsos do sobretudo ele detestava-se por não saber o que dizer, por sentir
que a simples presença dela ainda o perturbava daquele modo. Então nada
conseguira de afastamento, a nada servira a disciplina desses anos todos?
Ela já se
despedia, com muita urgência de chegar não sei onde. Depois, para amenizar,
para fingir que haveria um qualquer prolongamento daquele encontro, trocaram
telemóveis. O número dela ainda era o mesmo, o dele mudara, mas que importava
que ela, num emaranhado de tentativas e enganos, o tivesse registado? Nunca
seria para utilizar e passar-se-iam mais dez anos até que o acaso os fizesse
chocar de novo.... Foi por aqui que se enganou redondamente e, no preciso
momento em que mastigava estas suposições, menos de vinte minutos após se terem
separado no encontro na avenida, o telefone vibrou com o aviso de mensagem a
chegar:
“Desculpa
se um dia te magoei.”
Não
respondeu. Já tudo dobrara o cabo das explicações e das palavras.
© Fotografias de Pedro Serrano. (1), Jaipur, 2013; Praia Areia Branca, 2010; (3) Leipzig, 2011.