21 dezembro 2020

TODA A NUDEZ SERÁ CASTIGADA

O Sr. na foto chama-se Carlos Durão, é especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Ordem dos Médicos e possui, também, diferenciação profissional especializada na área da Medicina Legal e do seu ramo Dano Corporal. Tem ainda responsabilidades na Direcção de uma associação profissional que se dedica ao estudo de assuntos de medicina forense. Ou seja: não é nenhum tarefeiro, nenhum compoteiro, nenhum indiferenciado ou desconhecido na matéria.

Ora muito bem, e por qual razão o puxo até este cantinho? Este médico foi o responsável pela autópsia de Ihor Homeniuk, o ucraniano assassinado pelo Estado português no aeroporto de Lisboa. Como talvez se lembrem, o cadáver chegou-lhe uns dias após o homicídio, com a indicação genérica do INEM de que teria morrido de causa natural, sem mais, sem indicação alguma das condições miseráveis de abuso em que se encontrava o pobre corpo. E este Dr. Durão fez algo que, embora segundo as regras da arte médica e da ética, lhe foi fatal: procedeu à autópsia, percebeu o que se tinha passado, pegou no telefone e ligou à Polícia Judiciária, a relatar o assunto e a pedir que tomassem conta do caso. Como lhe competia e, já agora, como alguém que não vive à sombra do medo. Mas o seu erro foi não ter perguntado ao chefe se o deveria fazer e, se perguntou, não esperou o suficiente pela resposta antes de arregaçar as mangas...

O que ele não sabia, quando assim procedeu (em Março), é que a enrascadela da Portela tinha água no bico e já estava em processo de adoçamento, de douramento... Isso custou-lhe (a partir de Novembro) o contrato com o Instituto de Medicina Legal. Acontece que esse Instituto, ao contrário do que se possa pensar, não pertence à Saúde, responde ao Ministério da Justiça, departamento comandado pela inefável ministra Van Dunen, identificada por ser uma totally yes woman do Governo onde milita.  

E a gente, confinada e sem nada que fazer, pode pôr-se a imaginar a hipotética e alegada sequência: o Cabrita, sempre mauzão, às rosnadelas por não terem tirado o microfone a tempo ao Durão; o Governo a tirar o pó ao batedor de tapetes; e a Justiça a irradiar a sua luz cega até à periferia da influência, talvez sussurrando a sugestão de que se retribua, pois toda a nudez de informação será castigada. E o Durão foi despedido, claro, é que nem ginjas. Será que ele imaginava poder vir a ser mais durão do que o Cabrita?! 

É claro, também, que o habitualmente mudo Instituto de Medicina Legal de Lisboa já se apressou a vir dizer que o despedimento nada tem a ver com isto, que o homem foi corrido porque se atreveu a publicar um artigo científico com uma fotografia não autorizada de um cadáver (outro cadáver, que não este). Imagine-se só o crime, veja-se a gravidade da matéria, num país onde é célebre a robusta intensidade científica do Instituto de Medicina Legal, e onde a probabilidade de ser despedido da função pública é menor do que a de vir a sofrer um ataque terrorista! 

Isto não vos cheira, tresanda, um bocado a Tancos? Este ninguém sabia de nada; esta necessidade toda de cortar as pontas soltas? A mim (apesar da máscara) cheira, acho que ainda há aqui todo um aterro sanitário de mistério, toneladas de voltinhas a explicar e de gente graúda a ter de exibir alibis. 

E como em Portugal tudo sucede ao ralenti, a inércia fez com que os senhores que mandam (em vez de estar calados no seu buraquinho), só agora tratassem de despedir o atrevido. Foi chato, o atraso no trânsito em julgado... Não é que a borrasca estourou precisamente quando os holofotes estão todos acesos?

12 dezembro 2020

DA FRAGILIDADE HUMANA

Desfez-se em lágrimas, a ministra, enquanto discursava à frente da mão-cheia de pessoas que assinalava os 121 anos do Instituto Nacional de Saúde, mais conhecido por Instituto Ricardo Jorge. Está longe de ser um acaso, o porquê de isso ter sucedido ou o local onde isso sucedeu.

A pressão da pandemia Covid19 tem sido brutal sobre a Saúde, de uma intensidade nunca antes experimentada, de palavreado leva-o o vento, e a essa violência não escapa ninguém, nem sequer um ministro. Marta Temido (a quem compete manter o leme no meio da tempestade) tem sofrido da má orientação de quem lhe é institucionalmente devedor; tem sido vítima da própria inexperiência e, claro está, dos ataques da comunicação social e das redes sociais. Tem sido usada sem piedade (até por colegas de governo), zurzida sem piedade; a muita das vezes justamente, e o seu ar de quem tudo sabe e tem resposta para tudo, não ajudou, assim como não ajuda ver um responsável sistematicamente agarrado ao telemóvel quando, a seu lado, se enunciam problemas ou se invocam mortos e vulnerabilidades.

Nove meses mais tarde, a maioria dos actores directos no processo Covid (médicos, enfermeiros, auxiliares, dirigentes da saúde) estão exaustos e emocionalmente frágeis, é o preço das experiências-limite, seja uma guerra ou uma doença grave que bateu à porta do nosso corpo. Acontece que a coisa lhe bateu também à porta, a miss pispineta, que em demasiadas ocasiões aparentou comportar-se como se pouco tivesse a ver com isto ou como se os outros não compreendessem nada do que sucedia.

Não foi, igualmente, indiferente o local onde a quebra emocional aconteceu, ao final de um discurso e quase sem aviso, sem aquele nó na garganta que estrangula a voz e antecede as lágrimas. Não, de repente debulhou-se em lágrimas, viam-se escorrer-lhe cara abaixo, não foi aquela cenazita encenada para o programa da manhã da TV, quando a câmara que nos enquadra tem a luz ligado acesa. Aquilo subiu como a maré, ao dar-se conta das pessoas a quem se dirigia. A ministra encontrava-se numa instituição que, ao longo deste longo caminho pandémico, a tem fornecido (a tempo e horas e a qualquer hora, como referiu logo que conseguiu recuperar do choro) de informação técnica, credível e fundamentada; de apoio laboratorial em quantidade avassaladora, às dezenas de milhares de análises por semana, 24 horas por dia, e sem recorrer nunca ao truque do 'teste fácil e milagroso', que depois tem de ser repetido... 

Marta Temido, 11 Dezembro 2020.
Mais habituada às colheradas de informação generalista, confusa ou contraditória, por parte de quem a deveria assessorar (o posicionamento da DGS, por exemplo: opinativo, capelista, inconsistente); forçada, por esse apoio deficiente, a ter de dar o dito por não dito, Marta Temido terá sentido, de súbito e para além das palavras, descer sobre ela essa constatação, não conseguindo resistir ao momento em que o referia. Essa assunção de fragilidade foi bonita de ver, assim como foi apropriada a salva de palmas da assistência, que lhe possibilitou o tempo de se recuperar e terminar o seu discurso. 

11 dezembro 2020

MINISTÉRIO DA ANORMALIDADE INTERNA

Resumo a triste história: um candidato a imigrante, ucraniano (Ihor Homenyuk), aterra no aeroporto de Lisboa. Por motivos que se desconhecem, os funcionários do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) embirram com o homem, que, ainda por cima, não fala outra língua que não o ucraniano. Vai daí, resolvem desancá-lo à porrada, numa sala isolada, e de tal modo o fazem que o matam ali, no mesmo espaço onde desembarcam os, tão gabados, milhões de turistas. No fim da pancada, um dos funcionários do SEF declara que, nesse dia, já tinha feito o exercício que necessitava, pelo que já não precisaria de "ir ao ginásio". Desde esta cena e até que Ihor morreu, passaram quase três dias, tempo em que o homem agonizou sem assistência médica ou alimentação. Quando foi encontrado pelo INEM, chamado por causa do óbito, foi encontrado com as calças pelos joelhos e num mar de urina. O INEM declarou o óbito como devido a "causas naturais" e teve de ser o Instituto de Medicina Legal, após autópsia, a referir as extensas contusões e sinais de violência que o cadáver apresentava. Foram encontradas várias hemorragias internas e o tórax esmagado, costelas partidas, o que terá contribuído para a morte, pois quando as costelas picam os pulmões estes vão deixando de funcionar, num processo agónico muitíssimo doloroso. Morreu como Cristo, o desgraçado: por homicídio, devagarinho e sem assistência humana que lhe servisse de consolo.

Se ouvíssemos uma notícia do género, não sabendo que tudo isto teve lugar em Lisboa, pensaríamos que tal chacina poderia ter tido lugar em que canto do planeta? Nos Estados Unidos de Trump? Não, nem isso: aí separaram pais e filhos na fronteira mexicana, mas não há relato de violência associada. Talvez na Arábia Saudita, no Afeganistão, eventualmente na Somália ou noutro obscuro país tribal de África. Mas, nunca na Europa, nem sequer temos notícia de algo remotamente semelhante em países mais musculados como a Hungria ou a Polónia ou, assumidos como mais atrasados do que nós, como a Roménia ou a Bulgária.

Quando dei conta de todos estes ingredientes, para além de horrorizado, tive vergonha em ser português, de poder ser apontado, com justeza, como "olha-me aqueles selvagens das bordas da península ibérica". Tal sentimento acentuou-se ao ouvir as palavras da viúva de Ihor sobre Portugal e os portugueses que mandam, como ela teve o cuidado de distinguir. Com toda a justiça e sem papas na língua. A senhora foi obrigada a tratar de tudo, a pagar tudo, para levar o corpo do marido para casa, sem ajuda, sem uma palavra, tratada como se o defunto marido fosse um criminoso. Nem uma palavra do país homicida, fosse das autoridades envolvidas (SEF), do ministério que patrocinou (MAI), do primeiro-ministro ou do sempre tão precoce e apressado em manifestações afectivas que é o presidente da república. Zero. 

Quem manteve o assunto aceso foi apenas a comunicação social, gente que, ontem e publicamente, o mentecapto que dá pelo nome de Eduardo Cabrita, desancou e a quem, como se lá estivesse desde a primeira hora, deu as boas-vindas ao "combate pelos direitos humanos", uma verborreia a lembrar os delírios Trumpianos dirigidos à comunicação social. Vergonhoso, incoerente, de quem não consegue olhar para além do cotão do poderoso umbigo. O discurso mentecáptico de auto-elogio incluiu pérolas como ter sido ele a garantir o terreno para que Marcelo Rebelo de Sousa se pudesse candidatar de novo a Belém (por não ter morrido mais ninguém nos incêndios florestais após Constança Urbano Sousa, a nódoa que o antecedeu no MAI) e, imagine-se, afirmações de que ele, Cabrita, desde o primeiro minuto após o homicídio, andou atarefado a pensar no assunto, enquanto outros estavam, para aí, "distraídos e confinados". Ou seja: o responsável máximo pela Protecção Civil parece considerar o confinamento sanitário, imposto pelo Covid19, uma fraqueza, uma coisa que só é respeitada ou seguida por quem é piegas, preguiçoso ou não tem mais o que fazer. Uma linha de pensamento igual à de Bolsonaro ou Trump. 

Cabrita e Constança,
no tempo em que se amavam
Já por aqui falei, mais do que uma vez, em Cabrita e o do que penso dele e da sua incompetência polifacetada (Linha Zero-Diálogo ConjugalApocalipse Uau! -as golas altas da Protecção CivilNesta Data Feliz!Saco Roto -rescaldo dos incêndios). O homem, que assume sistematicamente a pose do cão raivoso, sempre disponível para ir roer as canelas de quem ataca o governo e, sobretudo, a ele, não serve para mais do que isso, mas, para esse tipo de utilidade, preferiria um rottweiler na administração interna, que sempre saía mais barato e não falava. Mas não, é este o super-poderoso que nos calhou, que manda nas polícias todas, na protecção civil e exerce o seu poder com todos os tiques do poderoso. Alegadamente, o governante tem uma quinta no campo e, como é importante que chegue, tem direito a uns GNR sortidos, que montam guarda à propriedade quando ele está por lá. Mas, infelizmente, a presença dos guardas do lado de dentro do portão enervam o cão de Cabrita e, então, Cabrita envia os guardas para fora do perímetro: que vigiem do lado de fora, pois o cão enervando enerva-o a ele. O homem tem uma sensibilidade canina apurada...
Cristina Gatões, Ex-SEF.

Perante todo este rol de vergonha e incompetência, é claro que Cabrita tinha de demitir uma gata qualquer (Cristina Gatões, directora do SEF) e anunciar medidas profundas; como sempre acontece quando se sucedem notícias nos jornais. A maior delas, a mais publicitada, foi a de que as instalações do SEF no aeroporto de Lisboa passariam a dispor de um botão de pânico, uma campainha que os candidatos a imigrantes, os refugiados e outra gente de tonalidade suspeita, poderá accionar quando estiver em risco de ser moída à porrada! Óptimo, que maravilhosas expectativas estão desde já criadas sobre a recepção em Lisboa a quem chega de fora. Portugal: podem até matá-lo, mas você pode dizer ui! antes que isso aconteça. Mas será que alguém vai atender à campainha, pergunto-me? Depende, se não for muito tarde; se estiver alguém de serviço ou não for feriado ou ponte...

Quanto a António Costa, esse parece estar cada vez mais convencido de que tem poderes superiores, que nada o afecta, a ele e à sua famiglia política, e já se apressou a vir dizer que mantém toda a confiança no Cabrita. Que não lhe faltem os biscoitos crocantes da Whiskas!  

02 dezembro 2020

PODE SER QUE TALVEZ...

Uf, que alívio! A empresa responsável pelo produto mais quente (Viagra) e mais gelado do planeta (vacina a menos 70 graus) anunciou que assegurará o transporte da vacina antiCovid19 até aos locais onde esta deva ser administrada. Esse transporte será feito, de acordo com a distância, em avião ou por via terrestre, em camiões próprios, dotados de sensor de temperatura que garantirá, a qualquer momento, que o produto se encontra nas condições térmicas exigidas. 

Uf, que alívio! É que eu já tinha visto, no pequeno ecrã, eclodir um novo tipo de especialista, um sábio em logística da saúde (seja lá o que isso for), a satisfazer-se em voz alta e concluindo que sim, que puxados todos os cordelinhos e feitos todos os telefonemas, Portugal deveria ter "capacidade técnica instalada" para o transporte em frio das vacinas, apontava como parceiros para o projecto as companhias de gás líquido e dava como exemplo de produtos conseguidos no campo do zero absoluto o gelo seco das malas térmicas, onde se transportam tubos de sangue para análise clínica, e, não menos impressionante, os gases gelados usados nas discotecas para fazer fumegar as bebidas! E, afinal, o que é uma vacina senão um shot

Entretanto, no seu sereno comunicado, a directora portuguesa da Pfizer informava ainda que a empresa entregaria as vacinas, assim chegassem, onde lhe fosse dito, estando à espera de instruções nesse sentido do Ministério da Saúde.

Mas ora aí é que está o busílis! Isto não funciona assim, que é que pensam os americanos da Pfizer?! É que há, pelo menos, duas comissões a tratar disso e cada uma delas tem o seu ritmo, as suas idiossincrasias, para além de vários elementos: tudo somado, vai para a vintena de individualidades, isto sem contar o secretário de estado, a ministra e os tradutores de linguagem gestual, que também têm uma palavra a dizer. Tem que se lhe diga, é complexo, demora... São, precisamente, estas complexidades da problemática que explicam que, enquanto, entre outros, a Inglaterra ou a Espanha (belíssimo o plano espanhol, na definição de princípios enquadradores, grupos prioritários, procedimentos) já divulgaram os seus planos a nível interno e internacional, nós, por cá, continuamos a inventar a pólvora, a mastigar os cartuchos, e tudo, com excepção do local onde ficarão armazenadas as vacinas, é muito reservado, preliminar e confidencial. 

Até ao momento (2 de dezembro), a única pessoa a produzir informação pública sobre o plano de vacinação português, o que fez de forma clara, completa e indo ao encontro do que as pessoas desejam saber, foi... Marques Mendes, o advogado e político de Fafe, tendo elevado com a sua prestação televisiva a bonita terra nortenha aos píncaros dos centros de excelência, onde viceja na companhia de Rebordões (berço das máscaras mágicas) e Oliveira do Hospital (concelho que revolucionou a tecnologia dos aeroportos antiCovid19).

Bem, sentemo-nos todos (nós - os  hipotéticos beneficiários da futura vacina - e a Pfizer), pois é bem imaginável que, em pleno Verão, continuemos à espera da transformação dos princípios em prática e, à falta de melhor, entretidos a observar como o turismo se restabelece no mundo vacinado e Portugal se mantém como país de destino não recomendável, dado que a esmagadora maioria dos indígenas ainda milita na situação de vulnerável contagioso. Para consolo de todos, nesse dia virtual, o ministro dos negócios estrangeiros vestirá a capa de super-homem e apresentará, junto dos seus congéneres europeus, um veemente protesto pela falta de proporcionalidade da decisão.