O Sr. na foto chama-se Carlos Durão, é especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Ordem dos Médicos e possui, também, diferenciação profissional especializada na área da Medicina Legal e do seu ramo Dano Corporal. Tem ainda responsabilidades na Direcção de uma associação profissional que se dedica ao estudo de assuntos de medicina forense. Ou seja: não é nenhum tarefeiro, nenhum compoteiro, nenhum indiferenciado ou desconhecido na matéria.
Ora muito bem, e por qual razão o puxo até este cantinho? Este médico foi o responsável pela autópsia de Ihor Homeniuk, o ucraniano assassinado pelo Estado português no aeroporto de Lisboa. Como talvez se lembrem, o cadáver chegou-lhe uns dias após o homicídio, com a indicação genérica do INEM de que teria morrido de causa natural, sem mais, sem indicação alguma das condições miseráveis de abuso em que se encontrava o pobre corpo. E este Dr. Durão fez algo que, embora segundo as regras da arte médica e da ética, lhe foi fatal: procedeu à autópsia, percebeu o que se tinha passado, pegou no telefone e ligou à Polícia Judiciária, a relatar o assunto e a pedir que tomassem conta do caso. Como lhe competia e, já agora, como alguém que não vive à sombra do medo. Mas o seu erro foi não ter perguntado ao chefe se o deveria fazer e, se perguntou, não esperou o suficiente pela resposta antes de arregaçar as mangas...
O que ele não sabia, quando assim procedeu (em Março), é que a enrascadela da Portela tinha água no bico e já estava em processo de adoçamento, de douramento... Isso custou-lhe (a partir de Novembro) o contrato com o Instituto de Medicina Legal. Acontece que esse Instituto, ao contrário do que se possa pensar, não pertence à Saúde, responde ao Ministério da Justiça, departamento comandado pela inefável ministra Van Dunen, identificada por ser uma totally yes woman do Governo onde milita.
E a gente, confinada e sem nada que fazer, pode pôr-se a imaginar a hipotética e alegada sequência: o Cabrita, sempre mauzão, às rosnadelas por não terem tirado o microfone a tempo ao Durão; o Governo a tirar o pó ao batedor de tapetes; e a Justiça a irradiar a sua luz cega até à periferia da influência, talvez sussurrando a sugestão de que se retribua, pois toda a nudez de informação será castigada. E o Durão foi despedido, claro, é que nem ginjas. Será que ele imaginava poder vir a ser mais durão do que o Cabrita?!
É claro, também, que o habitualmente mudo Instituto de Medicina Legal de Lisboa já se apressou a vir dizer que o despedimento nada tem a ver com isto, que o homem foi corrido porque se atreveu a publicar um artigo científico com uma fotografia não autorizada de um cadáver (outro cadáver, que não este). Imagine-se só o crime, veja-se a gravidade da matéria, num país onde é célebre a robusta intensidade científica do Instituto de Medicina Legal, e onde a probabilidade de ser despedido da função pública é menor do que a de vir a sofrer um ataque terrorista!
Isto não vos cheira, tresanda, um bocado a Tancos? Este ninguém sabia de nada; esta necessidade toda de cortar as pontas soltas? A mim (apesar da máscara) cheira, acho que ainda há aqui todo um aterro sanitário de mistério, toneladas de voltinhas a explicar e de gente graúda a ter de exibir alibis.
E como em Portugal tudo sucede ao ralenti, a inércia fez com que os senhores que mandam (em vez de estar calados no seu buraquinho), só agora tratassem de despedir o atrevido. Foi chato, o atraso no trânsito em julgado... Não é que a borrasca estourou precisamente quando os holofotes estão todos acesos?