Quando andava na universidade (grosso
modo a primeira metade dos anos 70) já havia praxes e queima das fitas. No
entanto, com excepção dos carnavalescos desfiles públicos, as manifestações
eram discretas, ninguém era pressionado a aderir e este tipo de iniciativas era
considerada reacionária pela esquerda bem-pensante que então já dominava as
associações académicas da esmagadora maioria das faculdades da universidade do
Porto.
Pessoalmente, recordo com nitidez uma
tarde fria nos Clérigos em que, no meio da multidão de povo que assistia com
gáudio à palhaçada dos estudantes, dei por mim a pensar quais seriam as
motivações daquela gente mascarada que fingia e gritava rua acima, empunhando
bengalas de madeira bamba e cartolas de cartolina toscamente pintadas com as
cores de cada escola. Que cimento agregaria aquela gente, para além de serem
estudantes, dali a umas horas estarem completamente bêbados e aqueles serem,
possivelmente, os momentos mais excitantes das suas vidas de adultos? Nada!
Tinha então dezanove anos e aquela
visão causava-me alguma vergonha, algum desgosto pelo retrato deprimente que os
futuros eleitos da sociedade, os jovens universitários, mostravam deles
próprios. Em abono da verdade devo acrescentar que esta minha visão crítica não
coincidia em tudo com a cristalina rejeição que caracterizava o posicionamento
dos meus colegas revolucionários, pois, noite feita, lá estava eu caído nos
chás-dançantes ou no baile de gala que encerrava a semana da Queima. Esse ano,
penso que falo de 1970, o baile teria lugar no Palácio de Cristal e seria
abrilhantado pelo Quarteto 1111, então o grupo musical mais in do país e que, para além de música
própria, produzia as versões mais satisfatórias e dançantes dos êxitos
internacionais de então. E, aqui está algo que perdurou, foi nesse baile que,
sem ajuda ou auxílio à integração na universidade, eu conheci a minha amiga João
Pinto Basto que, bonita e chic, resplandecia no seio de um grupo de raparigas e
senhoras, pronta para uma dança, mesmo que com um atrevido e total
desconhecido.
Dito isto, é com incredulidade e espanto
que vejo as praxes do século XXI serem travestidas de iniciativa benemérita, apresentadas com um modo de auxiliar as pobres
crianças em fim de adolescência a integrar o mundo adulto, a cintilante casa de
saber e progresso que é a universidade! Mas quem precisa de tal ajuda,
sobretudo quando a desinteressada fraternidade se resume a rituais de
humilhação e mau gosto, em que os recém-chegados ao convívio são nomeados por
“bestas” e obrigados a actos de sujeição que oscilam do rastejarem no chão a
serem besuntados com merda ou a gritarem bem alto a sua inferioridade perante
os que chegaram primeiro? Deve ser daqui que se interiorizou na silenciosa
sociedade portuguesa o esclerosado ditado que afirma que a antiguidade é um
posto!
Nas praxes actuais, pelo que nos vai
sendo revelado, o céu é o limite e a capacidade de imaginação dos dirigentes é
posta à prova na espiral de sadismo básico a que os iniciados são submetidas, reveladores
do nível mental e do grau de civilização dos dirigentes académicos deste curral
humano.
Com o gosto de alguns em exercer o
poder, por abjecto que seja, e o gosto de outros em participar em momentos
únicos de excitação, não é para admirar que algumas destas brincadeiras
inocentes acabem no mar das lágrimas ou nas águas geladas da praia do Meco.