Não cabe na luzidia cabeça de um prego esta ideia do Governo obrigar os restaurantes a executar testes Covid aos clientes, ou seja: o transformar em agentes de saúde pobres desgraçados que já não têm mãos a medir com a ementa, a pandemia, os prejuízos e as múltiplas regras que lhe estão associadas. A transbordar de compaixão, vi uma senhora, ao lado de uma mesinha onde se acumulavam caixas de testes rápidos e papéis (consentimentos) para os candidatos a comensais assinarem no final da escarafunchadela, senhora que, simultaneamente, estendia menus a clientes que se encaminhavam para a esplanada, esses livres da submissão a tais medidas invasivas.
"Que porcaria", pensei também ao imaginar-me numa esplanada onde, além de ter de assistir a uma fila de gente a enfiar zaragatoas no nariz, as veria em seguida a ser despejadas dentro de um qualquer balde de pedal, mesmo ao lado do expositor dos lagostins e dos bifes da vazia!
Para já não falar no risco implícito de contacto ou proximidade com eventuais pessoas infectadas com Covid (que deixariam os seus produtos biológicos no restaurante), tudo isto viola gritantemente as regras básicas de higiene que, há muitos anos, são exigidas aos restaurantes pela Saúde e pela ASAE.
Queixam-se os donos dos restaurantes que, desde que estas ideias peregrinas foram impostas, as esplanadas estão cheias e as salas interiores vazias. Pudera! Quem se sujeitará, apenas para comer fora, a ter um amador a enfiar-lhe um pau no nariz, na frente de uma esplanada de gente que, enquanto espera pelos calamares à Sevilhana ou pelas bochechas de porco com molho Provençal, se vai entretendo com aquele pratinho visual! E então se o testado for algum vizinho que a gente detesta, como aquela presumida do 4.º Frente que, cotonete enfiada na penca, tremelica a Luís Vuitão, pendurada no braço, como se fosse levantar voo?! Que sobremesa!
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A velhinha e saudosa matriz Heróis do mar, nobre povo, etc. |
É claro que estão às moscas: passa a constituir um risco acrescido (imposto de fora) ir a um restaurante, para além do incómodo, da devassa dos nossos dados pessoais, e da eventual humilhação social - exactamente o oposto do que se deseja quando se sai de casa para ir comer fora...Convém acrescentar que a responsabilidade pela aleivosia não deve, desta vez, ser imputada à Saúde (Ministério da Saúde), a qual teve o bom senso técnico de se opor a ela ou de ensaiar contrapor argumentos. O problema, para quem ainda não se tinha dado conta, é que a pandemia e a sua gestão caíram nas mãos da Economia e desse grande cérebro que é Siza Vieira. É essa gente que, agora que os chefes consideram a pandemia dominada, está aos comandos, e é ver jovens engravatados (pelas legendas descobrimos serem secretários de estado) já muito assumidos e autoritários na sua tarefa televisiva de transmitir instruções, genuinamente convencidos do seu manto de poder, pelo menos enquanto não tropeçam no tapete ou o chefe não achar melhor prescindir deles, despedindo-os e fazendo-os regressar às tocas de origem, onde continuarão a sonhar com paraísos fiscais e moradias com jacuzzi virado para a auto-estrada...
Para este desvario resolveu agora contribuir a Ordem dos Médicos que, até ao momento, tem tido, aliás, uma conduta sensata e apropriada na crise Covid19. Pois Miguel Guimarães, o bastonário, apresentou ontem ao país uma nova matriz para avaliar o estado da pandemia, segundo ele melhor do que aquela que tem sido usada. O novo artefacto, assim à primeira vista, parece patrocinado pela Depuralina, e visualmente consiste numa espécie de cinto com fivela, para ser lido na escala de 0 a 100, em que 0 representa o finguelinhas, o risco baixinho, e 100 o extremamente obeso, o riscalhão. Na pompa e circunstância da cerimónia, ficámos a saber que na nova artilharia pesou grandemente o contributo de ilustres matemáticos e que o contexto da doença passará a ser encarado - por uma organização da Saúde! - como se fosse a órbita de um cometa.
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O cinto com fivela da Ordem dos Médicos. |
Mas, finalmente, que nos diz de brilhante, novo, avançado, útil em termos de intervenção ou previsão, esta nova cascata de fórmulas, face à velhinha matriz do Ministério da Saúde, que lembra, na sua simplicidade, a bandeira portuguesa, e permitia, num olhar, que qualquer um percebesse onde estávamos? A Ordem dos Médicos, e os seus matemáticos, diz-nos que, neste mês da graça de Julho de 2021, Portugal está a atingir um estado crítico em termos de pandemia. Porra, confesso que fiquei banzado com a notícia inesperada: eu, e mais dez milhões de portugueses, estávamos longe de sonhar com tal panorama e previsão! A sério?!