22 maio 2019

CAMONES & CAMÕES - Chico Buarque

Olha que boa notícia, que justa notícia. Chico Buarque ganhou o Prémio Camões 2019, uma espécie de prémio Nobel da literatura da Lusofonia. 
Quando, em 2016, o comité do prémio sueco fez uma pirueta aos critérios do costume e resolveu premiar escritores de música popular não pude impedir-me de pensar em dois nomes que poderiam ter estado no lugar de Bob Dylan: um deles, Leonard Cohen, morreria dias depois, contente com a distinção ao colega; o outro foi Chico Buarque de Hollanda. Mas Buarque tem a desvantagem de se exprimir em português, um dialecto sem a universalidade do inglês em que o americano e o canadiano escreveram e cantaram o que tinham a dizer. Seria difícil, mesmo em tradução caprichada, fazer emergir as nuances entoadas pelo paulista-carioca e a sofisticação com que tratava a língua em que nasceu. No entanto, usando apenas a métrica da qualidade do produzido e o significado do que escreveu, os mundos que pintou e o modo como nos devolveu emoções que qualquer descendente de Adão&Eva já vestiu (ou pode ainda fazê-lo), então Chico está lá, no ponto. Acresce  que a roupagem sonora que Chico Buarque inventou - e não parou de aperfeiçoar ao longo de 50 anos - para embrulhar a poesia (no seu caso, até mais do que em Dylan, é disso que se trata) é igualmente sublime, mas isso, por agora, são outros 500, pois parece que este tal de Prémio Camões é apenas de literatura.  

05 maio 2019

DIZ À MÃE

Mãe, na quinta em Gavião (Famalicão), anos 40.
"Diz à mãe que, independentemente do comportamento dos cães e dos samovares, depois do verão haverá o inverno, depois da juventude, a velhice, depois da felicidade, a desgraça e vice-versa; o homem não pode ser saudável e contente durante toda a vida, terá sempre perdas pela frente, não pode evitar a morte, nem que seja Alexandre Magno, e temos de estar prontos para tudo e encarar tudo como uma necessidade eminente, por mais triste que seja. É necessário apenas cumprir o nosso dever na medida do possível, e mais nada."

Carta de Anton Tchékhov à irmã Macha, Ialta, 13 de Novembro de 1898. Tchékhov era médico e morreria de tuberculose menos de seis anos depois, tendo a  mãe sobrevivido ao filho.

Nota: o tipo de ruído produzido pelos samovares (aparelhos para ferver água para chá) era considerado por algumas pessoas como um presságio.