25 agosto 2012
18 agosto 2012
09 agosto 2012
UMA HISTÓRIA ILUSTRADA
Ilha de Santiago: vista que se tem da Senhora da Luz e, ao fundo, a ilha do Maio. |
Quando os portugueses lá chegaram, por
volta de 1460, não havia hotéis, resorts
ou modalidades de alojamento tipo all
inclusive. De facto, não havia lá ninguém!
Não sei porquê, a gente fica sempre um
pouco agarrada à ideia de que os descobridores (agora é correcto chamar-lhes achadores, sob o pretexto ovo-de-Colombo
de que não se descobre uma terra que já existia), ficamos a pensar, dizia, que
os descobridores chegam sempre aos novos mundos pela capital e tendemos a
imaginá-las como são agora, com os cristos de braços em cruz incluídos, como a
prenda no bolo-rei... Mas não, os portugueses chegaram à ilha de Santo Iago pela
enseada que se vê na foto e percebe-se porque resolveram chamar ao sítio de
Cabo Verde.
Fomos espreitar aquilo uma manhã de
Sábado tórrida e, depois de deixar a cidade e o asfalto para trás, andámos às
voltas por uma estrada vagamente empedrada, ladeada de paisagem árida e
austrálias comidas pela poeira. Numa bifurcação, o Oswaldo perguntou a um
rapazito de bicicleta para que lado era a capela. Ele esticou o braço numa
direcção e tentou seguir-nos durante uma centena de metros.
Depois a paisagem animou-se,
pintalgou-se do verde das palmeiras, dos recortes de terra semeada, da roupa a
secar, e beijou-nos as narinas, ainda mesmo antes do odor da maresia, o bálsamo
húmido da proximidade de água.
E, enfim, do cimo de uma escarpa onde
se equilibravam aldeias em linha recta, vimos aquilo que em 1460 eles devem ter
visto quando se apinhavam na amurada: uma abrigada baía, onde a água se prateia
em suave ondulação e, prolongando-a, terra dentro, um vale luxuriante, a
prometer água potável, lenha, e a bicharada que apetece por a rodar num espeto e
que sempre habita estes sítios abençoados. No cimo da escarpa, arriscando-se o mais possível a espreitar o mar, mandaram construir uma capela, que dedicaram à Senhora da Luz – que designação tão apropriada. A capela, que continua local de peregrinação e culto, pelos vistos estava a desfazer-se nos seus esquecidos séculos à beira-mar e não estiveram com meias-medidas: cimentaram o todo, como quem recama um bolo de creme. Que crime arquitectónico, contra o património! Pois, mas a capela continua lá, pelo menos não se esboroou falésia abaixo. Fecharam um dos pórticos com grades e, espreitando entre as barras, onde, pouco raladas com a nossa presença, pousam aves a descansar, espreitam-se bancos de culto muito alinhados na sombra apetecida do meio-dia.
Como quem procura o recolhimento de uma mijadela privada, cada um de nós os três se afastou numa direcção solitária e, embora tenhámos visto e coscuvilhado o mesmo, fizemo-lo em separado, em silêncio, que é o que aquele local, pelo muito que já viu, aconselha. Quando nos sentimos saciados, regressámos à cidade onde, no ponto mais alto, mais debruçado, o velho descobridor estrangeiro, com o seu olhar de bronze, perscruta o mar sob a bandeira nacional.
© Fotografias de Pedro Serrano, Santiago (Cabo Verde), 2011 e 2012.
Classificação:
CABO-VERDE,
RUMINAÇÕES
07 agosto 2012
QUANDO O FORTE SE FAZ FRACO
Se, porventura, tiver de viajar até à
Praia, a capital de Cabo Verde, não deixe de ir jantar ao restaurante Plaza, na Achada de Santo António, uma
das colinas da cidade.
Embora localizado em ponto central, o Plaza fica recatadamente oculto por uns outdoors do largo terreiro que o separa
da embaixada de Portugal e do seu congénere mais afortunado, em termos de
movimento, o restaurante Poeta.
Mas não deixe de ir experimentar as
iguarias que o Plaza põe à disposição
dos clientes e das quais apenas relembro aqui uma reduzida escolha: a cachupa
rica; o bife de barriga de atum, cujas lascas se separam ao contacto do garfo;
o polvo grelhado com molho verde e, não esqueça de perguntar e insistir por
eles, os pastéis de milho recheados com atum. Em relação a estes últimos, o
Paulo, que foi quem me iniciou no prazer de ir ao Plaza, recomendava, pelo exemplo, que os pintalgasse com a pasta
esverdeada de piripiri fresco, a qual lhes acrescentava um paladar especial,
por certo picante, mas não somente pela comezinha circunstância de por as
papilas gustativas aos saltos – nascia uma implausível frescura vegetal por trás do
tremeluzente incêndio.
“Este homem vale o seu peso em ouro...”,
sussurrava o meu companheiro quando, depois enfiar a garrafa de maduro-branco
do Fogo no seu balde de gelo, ele se afastava pela porta de vaivém que conduzia
à cozinha.
Referia-se ao Sr. Bernardino, o omnipresente
empregado, tão cuidadoso e requintado na observância do seu mister que,
naturalmente, o julgámos o gerente do estabelecimento. O Sr. Bernardino
esperava-nos à porta, conduzia-nos à mesa, trazia uma cestinha de pão fresco e
torradas de manteiga com alho para nos entreter enquanto mergulhávamos, em
devoto silêncio, na leitura do menu; desenroscava uma garrafa de água gelada e,
se ainda não conseguira para hoje a almejada barriga de atum, prometia que o
conseguiria antes da nossa partida...
Ora uma noite, à hora de pagar e nos
despedirmos, o Sr. Bernardino informou-nos que, no dia seguinte, não estaria lá
para nos receber e obsequiar, mas que não nos preocupássemos com a ausência, uma
vez que já combinara tudo com uma das meninas
– termo dele – que costumavam partilhar o serviço às mesas, mas pouco assíduas
à nossa, pois, assim parecia, o Sr. Bernardino preferia ocupar-se de nós com silente
e atenta gravidade.
“É aquela menina que costuma andar por
aqui...?”, perguntei, referindo-me àquela das empregadas cuja presença era mais
constante na sala.
O Sr. Bernardino hesitou um pouco
antes de responder e encabeçou a resposta com uma negativa, como parece ser comum
nalguns Praienses, já que o meu amigo José da Rosa (recorde-o, neste blog, em As Noites Brancas do Senhor da Rosa) tem a mesma prática:
“Não, quer dizer, há duas meninas que
costumam servir aqui: uma é a Graciete, que é a mais forte, e, a outra, é a
mais fraca...”, e o senhor Bernardino hesitou no nome da outra. Um pouco
encabulado, acrescentou que, de momento, não recordava o nome da segunda
empregada, deixando-nos a nós, clientes ávidos da cultura autóctone, a
percepção de que aquele “forte”, a que se associava o esquecimento do nome da
“fraca”, arrastava consigo uma íntima preferência por uma das suas
colaboradoras.
Depois de prestada esta informação, o
Sr. Bernardino sumiu-se na porta de vaivém, de onde regressou para nos informar
que a menina mais fraca se chamava Margarida, mas que seria a Graciete (“a
menina mais forte”) que tomaria conta de nós no dia seguinte.
Saímos do Plaza para o amplexo de uma noite tépida e atravessámos o escuro
terreiro sob a benevolência da lua-cheia, o que assinalava com suplementar
nitidez a localização dos tradicionais dejectos
caninos e deixava que a minha mente se entretivesse com a pertinente questão de
qual seria a razão humana para que o Sr. Bernardino preferisse a Graciete à
Margarida, pois, a mim – rude europeu – e assim de forma completamente
apriorística, a menina fraca aparecia-me como senhora de mais inclementes
atributos e não era, de todo, a qualidade do serviço hoteleiro que parecia
factor distintivo entre ambas.
Sr. Bernardino e Graciete |
© Fotografias de Pedro Serrano, Praia, Cabo Verde, Agosto 2012.
Classificação:
CABO-VERDE,
ESBOÇOS e RETRATOS
05 agosto 2012
UM DOMINGO BEM PASSADO
Ao Domingo, há missa às onze na igreja de Nossa Senhora da
Graça. Da esplanada do Morabeza, no
Plateau, consegue-se ver a porta da igreja, pelo que me sentei por ali a tomar
o pequeno-almoço, à espera que a missa acabasse e pudesse ir ter com a Maria da
Luz, com quem combinara encontrar-me para me despedir, pois deixo hoje Santiago.
Este ritual de esperar alguém que foi à missa a partir da
esplanada do Morabeza já o praticara
com a Ana Cristina, que é católica e vegetariana. Sentava-me por ali à espera
dela, até que pelas três portas, uma principal e duas laterais, da igreja
começava a jorrar uma colorida hemorragia de fiéis. Que diferença, em
quantidade e qualidade das missas portuguesas, que, à hora do fecho, apenas
purgam meia-dúzia de beatas, roucas de ganir acompanhamentos e indispostas com a
azia provocada por terem engolido a hóstia a seco, sem um golinho de água... Aqui,
os fiéis são muitos, de predominância jovem, e vestidos a preceito para a
cerimónia. Lá de dentro chegam ecos de cantos felizes e uma satisfação serena espraia-se
nas faces de quem, no final, se espalha pelo jardim Alexandre Albuquerque onde
o coreto, pintado em azuis e rosa, lembra um bolo de noiva.
Hoje, ao meu lado, nas mesas da esplanada, um casal consulta
demoradamente o menu, ela folheando um dicionário de bolso alemão-português sob
o olhar atento do hirsuto marido que, vermelhusco, parece correr o risco de
explodir a qualquer momento sob o calor inclemente do Agosto cabo-verdiano.
Finalmente, decidiram-se e chamam o empregado. Tudo parecia
estar a correr muito bem com o processo de encomenda até que o rapaz informou
que o prato escolhido pelo senhor se tinha acabado. Agitação e impasse, o homem
folheia de novo a lista, afogueado, enquanto olha em volta, como um náufrago,
procurando inspiração nas mesas adjacentes. Súbito, o olhar ilumina-se e
inclina-se para comunicar à mulher, que é quem serve de tradutor simultâneo,
que ambiciona um prato igual ao que está a comer uma moça local, de vestido
kaikai, uma combinação com um ar bem calórico e coroada por um ovo estrelado.
Num português prenhe de gestos e cuja sonoridade faz lembrar
espanhol desossado, a senhora informa o paciente rapaz que o seu marido quer
algo semelhante. O empregado regista o pedido com acenos de compreensão, o
alemão remexe-se na cadeira como um javardo com pulgas, a esposa desfaz-se em
sorrisos ambientais e abandona, com alívio, o dicionário sobre a mesa.
Mas eis que o empregado, que já avançava para o balcão,
retorna e pergunta em bom português:
“O ovo estrelado é bem ou mal-passado?”
Na mesa ao lado, quase tive piedade ante o novelo de incompreensão
e paralisia que acometeu os alemães e inclinei-me um pouco para a frente num
prólogo de ajuda, pois a senhora pegara outra vez no livrinho de capa amarela,
porventura à procura do significado de “mal-passado”. Mas, depois, lembrei-me a
tempo que não seria pior ideia deixar à sorte o desfecho daquele confronto
gastronómico norte-sul e ficar a ver em que resultaria a habitual supremacia
germânica.
Infelizmente, num olhar de relance por sobre a praça, apercebi
uma onda de gente que começava a atapetar de cor as escadas da igreja da
Senhora da Graça e levantei-me, apressado, da minha mesa.
© Fotografias de Pedro Serrano, Santiago, Cabo Verde, 2011.
Classificação:
CABO-VERDE,
ESBOÇOS e RETRATOS
04 agosto 2012
CONVERSANDO EM PORTUGUÊS
Conversando no Bar Zé da Rosa. Da esquerda para a direita: Maria da Luz Lima (Cabo Verde), Mário Tamy (Guiné-Bissau), António Moreira (Cabo Verde), Almeida Chitungo (Angola), Paulo Graça (Cabo Verde), Nicolau Almeida (Guiné Bissau), Miriam Delgado (Cabo Verde), Pedro Serrano (Portugal), Paulo Ferrinho (Portugal), Salomão Crima (Guiné-Bissau). © Fotografia: Zé da Rosa (Cabo Verde), cidade da Praia (ilha de Santiago), Cabo Verde, 3 de Agosto 2012.
Classificação:
CABO-VERDE,
FOTOGRAFIAS
01 agosto 2012
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