30 novembro 2014

ROOM SERVICE

Ah, minha querida
Se o esquecimento fora
Um livro
Em cujas tardes mofentas
As impressões digitais
Se detivessem
Folheando
O dourado, o rubro, o cinza
Das páginas olvidadas
Ah, então outros versos
Cantariam
Na lombada daquela aurora
Que não vimos nem ouvimos
Adiados
Sonhando as bandejas
De pequenos-almoços
Esquecidos

© Fotografia de Pedro Serrano, Hydra (Grécia), 2013.

23 novembro 2014

DUETO


De si para si
murmuram seis notas
em silêncio






© Órgão da Sé de Faro; fotografia de Pedro Serrano, 2013.

21 novembro 2014

You'd better run for your life if you can, little girl

© Fotografia: Pedro Serrano, Pireus (Grécia), Outubro 2014.


Nota: Título do post extraído da canção "Run For Your Life", de Lennon-McCartney, 1965.

12 novembro 2014

BICOS DOS PÉS

Depois do enorme esforço da Saúde para lidar com o inesperado presente do surto de Legionella, onde se destacou a classe, inteligência, sentido de Estado e pertinência da comunicação de informação à população do Dr. Paulo Macedo, tinha de vir alguém borrar a pintura: afinal estamos em Portugal.
E as inconveniências chegaram pela voz do ministro do Ambiente que ontem, ao princípio da tarde, após a Saúde ter anunciado ir fazer um comunicado sobre a eventual origem da contaminação a meio da tarde, se apressou a aparecer na TV antes dos outros, para que o homenzinho e o seu ministério pudessem aparecer na legítima fotografia do Ministro da Saúde, esticadinhos e a espreitar por cima do ombro de quem ombreou com tudo isto na fase das chamas.
E o que veio dizer foi precoce e insuficientemente fundamentado: mais valia que estivesse calado, pois o único, e aliás previsível, efeito que produziu com o seu puxão de orelhas ao “crime ambiental” foi o de desencadear, de imediato, erupções de ameaças com tribunais e pedidos de indemnização por parte de uma população que ainda conta os mortos, receia pelos doentes e a quem não foi dada, pelo tempo que tem de se escoar para que tal aconteça, oportunidade para lamber feridas e serenar pesadelos.
Portugal: casos notificados de Legionella, 2004-2013.
Mais valia que estivesse calado, repito, e que dirigisse as reflexões para dentro da sua casa e para o contributo que poderá ter tido, por via legislativa ou outra, no afrouxar da vigilância sobre um problema que, mais cedo ou mais tarde (basta olhar com atenção os gráficos da notificação da doença e os relatórios sobre a presença da bactéria em entidades várias) iria explodir como explodiu.

Não é de um ambiente deste género que necessitamos!

07 novembro 2014

ISALOS



Ao embalo de ondas e marés
Cachos tintos por sol e mágoa
Sonham as nereides e os pés 
Que tornarão o vinho em água


Nota: Isalos, palavra grega que significa "linha de água".

© Fotografia de Pedro Serrano: Kamini, Hydra, Grécia, Outubro 2014.

05 novembro 2014

A PRAIA EM KAMINI (The Beach at Kamini)

Kamini 
Os barcos à vela
          a água prateada
os cristais de sal
          nas pestanas dela
O mundo inteiro
          inesperado e a brilhar
o momento antes de Deus
          te ter voltado para dentro



The sailboats
          the silver water
the crystals of salt
          on her eyelashes
All the world
          sudden and shining
the moment before G-d
          turned you inward

Leonard Cohen, Book of Longing, 2006.
Tradução: Pedro Serrano; Fotografia: © Pedro Serrano, Kamini, Hydra, Grécia, 2014. 

UMA OFERTA IRRECUSÁVEL...

Talher do restaurante Napolitano Il Casto, Hydra, Grécia. © Fotografia de Pedro Serrano, 2014.
    

02 novembro 2014

ÉBOLA III: BRUNCH AT TIFFANY'S

Depois de uma reunião relâmpago em New York sobre as implicações estéticas da Ébola, e de um rápido brunch no Tiffany, Catarina apanhou um jacto para a Serra Leoa, onde passou dez dias a retemperar-se num resort à beira-mar. Durante a estadia e segundo notícias recolhidas na imprensa cor-de-rosa Leonina, a famosa entrevistadora terá aproveitado para fazer algumas compras de artesanato local, fez uma rápida visita de cortesia a um musseque infestado de ébola; tendo-se ainda deliciado com a nova cuisine da Serra Leoa, da qual apreciou sobretudo as iguarias de fusão como o sashimi de chimpanzé com queijo flamengo.
De regresso a Portugal, a apresentadora ter-se-á sentido indisposta sobre a Mauritânia, tendo afirmado à nossa reportagem:
“No princípio até pensei que aqueles espirros e calafrios pudessem ser do ar condicionado do resort, que estava sempre no máximo. Mas depois, quando a hospedeira da Serra Leoa Airlines me informou que estava com 37 e 7 comecei a sentir-me levemente preocupada: aquilo podia ser gripe, malária, febre tifoide ou mesmo ébola!”
E continuou simpaticamente a responder à nossa troca de impressões confessando que, de imediato, telefonara do próprio avião para o 808242424, onde fora atendida por uma simpática enfermeira.
“Fiquei logo preocupada com o tom de voz dela”, confessou-nos Catarina, “e super-aterrada quando uma médica me validou como caso suspeito! Meus Deus, será que eu ia poder ser o primeiro caso português de ébola? Vejam só a responsabilidade...”
Felizmente o alarme fora falso e tudo acabou em bem! Catarina revelou ter ficado super-surpreendida com a eficiência dos serviços de saúde portugueses, de que já tinha ouvido falar no estrangeiro, mas com quem, nas escassas horas da sua epopeia, acabou por estabelecer uma relação de grande cumplicidade. A nossa socialite ficou especialmente deslumbrada com a limpeza cintilante das ambulâncias do INEM, o charme dos médicos e com a máscara da Calvin Klein – com desinfectante da Clinique – que lhe puseram mal chegou ao hospital.
“Estava tudo à minha espera, senti-me até emocionada e como se fosse um personagem do Outbreak ou assim... E o chic do azul daquelas luvas de borracha da Gaunt...”


Apesar de não ter feito análises de confirmação laboratorial – Catarina arrepia-se com agulhas e pediu para ser poupada à picada – a antiga namoradinha de Portugal foi dada como livre de perigo menos de duas hora após ter sido recebida no aeroporto da Portela, o que lhe permitiu ainda participar na conferência de imprensa organizada para a ocasião e onde quase todos os intervenientes masculinos usavam vistosas gravatas com cornucópias anti-ébola, especialmente concebidas para a circunstância por Hermès.   
"Não podia ter corrido melhor", resumiu, "até os observadores externos estavam siderados!"