24 março 2020

COVID19: MÁSCARAS REAJUSTADAS

Curvas progressão Covid19/país (Fonte: Financial Times).
É para mim um mistério, quase uma questão de fé (ou se acredita ou não, independentemente da realidade), o facto de uma máscara poder proteger um profissional de saúde do Covid19, mas o mesmo não acontecer se a pessoa que se protege, usando o mesmo meio, for um vulgar cidadão. E, pergunto-me, será que quando o dito profissional de saúde termina a sua função, mas continua a usar uma máscara nas suas idas ao supermercado, esta deixa de lhe proporcionar protecção?
Argumento 1 [usado pelas autoridades]: O problema é que as pessoas comuns não sabem usar máscaras (ou respiradores) e, então, pode a emenda ser pior do que o soneto e dar ao povo uma sensação de falsa protecção e, derivado dessa sensação, a pessoa baixar a guarda e facilitar, levar as mãos à cara e coçar a máscara, puxá-la para os olhos como o Bolsonaro, etc. 
E quanto ao profissional de saúde, já nasce ele ensinado a usar máscara ou luvas? Será uma predisposição genética, essa sabedoria sobre uso de equipamento individual de protecção? Ah, aprendeu a fazê-lo. E não poderiam (as entidades competentes do Ministério da Saúde, claro) ter a gentileza de nos ensinar, de passar essa informação a quem está aflito e vai usar (já usa!) máscara de qualquer maneira? Talvez que as pessoas 'lá em casa' consigam aprender a fazê-lo.
Argumento 2 [usado pelas autoridades]: Mas as máscaras não são para uso indefinido, devem ser mudadas com frequência para continuar eficazes; de outro modo ganham vapor da respiração, empapam-se, e podem deixar passar o vírus. Sim, sabemos isso, que acontece sobretudo às máscaras ditas cirúrgicas (FPP1), moles, simples tecido com elásticos, sem bico de pato ou respirador, que são as máscaras que médicos e enfermeiros geralmente usam no dia-a-dia. Para que funcionem na perfeição, essas máscaras devem ser mudadas, mais ou menos, de 2 em 2 horas. Será que isso está a acontecer nos nossos serviços de saúde? Parece que não. E porquê? Não há máscaras suficientes para tal. Se isso fosse feito, cada profissional de saúde teria de usar 4 a 6 máscaras cirúrgicas por dia, dependendo da duração da jornada de trabalho. Se multiplicarmos isto por 150.000 profissionais de saúde lá se ia a reserva estratégica, de que tanto nos falam na TV, em três ou quatro dias. O óptimo é inimigo do bom.
Argumento 3 [usado pelas autoridades]: Suspeita-se que por trás deste discurso oficial "as máscaras não protegem" está uma ingénua tentativa de evitar que faltem máscaras aos profissionais de saúde, que são quem mais delas precisa e que, todos nós, necessitamos de manter bem protegidos para que não adoeçam e deixem de prestar cuidados — não posso concordar mais com isto da defesa dos profissionais da linha da frente. Mas esta argumentação parece ignorar um facto: o circuito de distribuição e venda de equipamento de protecção é (ou deveria ser) distinto entre o uso profissional e o uso leigo. São as farmácias e as lojas de produtos agrícolas ou de construção civil que vendem as máscaras/respiradores e as luvas que o povo tem comprado. Ou será que o Ministério da Saúde se anda a abastecer nesses locais de venda? Se anda, o sinal é péssimo e evidencia uma notória falta de planeamento, prévio e atempado, das necessidades em recursos que uma pandemia gera e que um verdadeiro plano de contingência deve acautelar. Deste modo, o argumento de que se o povo as compra não há para os outros é falacioso e inconsistente.
Argumento 4 [usado pelas autoridades]: Mas os fabricantes deste material são os mesmos, de modo que se forem distribuídos num lado (farmácias, lojas agrícolas) vão faltar no outro (centros de saúde, hospitais). Mas, atrevemo-nos a perguntar, não compete ao Governo acautelar isto, ou seja: requisitar toda a produção nacional (duas fábricas, suponho) para uso do Estado? E isso foi já operacionalizado e conseguido de modo inequívoco e radical? 
E depois, digo eu, há outras iniciativas que se poderiam, talvez, tomar: se o povo está cheio de equipamento de protecção individual (luvas, máscaras/respiradores, até óculos), se andou no açambarcamento enquanto o havia, não seria de pedir — usando os canais de comunicação do costume onde nos dizem que as máscaras são inúteis  ao povo 'lá em casa' que doasse esse equipamento a quem mais precisa, isto é às instituições de saúde? Claro que o povo, que não é parvo e não confia totalmente em quem o dirige, não iria entregar tudo, iria ficar com algum para si, e fazia bem. Mas estou certo que alguma coisa havia de ser doada e, multiplicada pelo país inteiro, seria algo que se veria, seria útil. Ou talvez acontecesse que as pessoas que continuam a encomendar máscaras nos locais do costume dissessem algo como: 
"Oh Sr. Foskamónio, já chegou o sulfato de cobre que eu tinha encomendado para o míldio? Olhe, peça-me aí também 2 caixas de máscaras, das FFP3, ao fornecedor, que assim ofereço uma à minha médica de família que, coitada, está para ali sem mâscara, encravada entre a secretária e o espelho de ver Rx, a apanhar com perdigotos de toda a gente!"
Suponho que haverá muitas pequenas (crowdfunding para comprar material, doações particulares) e grandes (ensinar a usar máscaras e luvas) iniciativas que podem ser tomadas, pois a população participará com a generosidade que já vimos suceder na desgraça que foram os incêndios de há três anos. Agora continuar, desdenhosa e condescendentemente, a afirmar que as máscaras não servem para nada, que é quase um crime a gente usá-las, não é o sinal de transparência ou de verdade que nos dizem ser apanágio na comunicação das autoridades responsáveis.
O gráfico que abre este texto foi tomado de empréstimo ao Financial Times e mostra-nos as curvas epidémicas* do Covid19 segundo vários países do mundo e ao longo do tempo. É interessante notar que os países que apresentam curvas menos pujantes ou mais controladas são precisamente aqueles que usaram máscaras/respiradores durante esta pandemia (Coreia do Sul, Japão, Singapura, Hong Kong/China). É óbvio que as máscaras não explicam todo o sucesso, mas estão lá a contribuir.
Covid19 por país, assinalando aqueles em que se pratica uso generalizado de máscara.
Argumento 5 [usado pelas nossas autoridades]: Ah, mas o uso de máscara é 'cultural' nesses países, como se fosse tão natural e frequente aquela gente de olhos aguçados usar máscara como comer arroz Xau-Xau ou Sushi. O que não é verdade. O que é verdade é que aqueles povos têm menos inibições, e maior disciplina, em usar máscara em certas situações, e agora, durante a pandemia, não se vê um único habitante daquela zona do planeta que não use uma. Porque será?    
Argumento 6 [usado pelas autoridades]: O uso de máscara só seria eficaz se toda a população a usasse. Percebe-se a lógica, mas, como foi dito, o óptimo é inimigo do bom. Deste modo, quem se puder proteger com máscara nas saídas em direcção a locais onde possa haver concentração de pessoas que o faça. É que na fase em que nos encontramos da epidemia (transmissão comunitária livre) qualquer um de nós pode estar infectado sem o saber e desse modo passar o vírus a quem está ao seu lado no supermercado, na frutaria, na farmácia ou no elevador.

* Será que alguém podia informar a Dr.ª Marta Temido que não se diz curva epidemiológica, mas sim curva epidémica? É que, quando ela fala disso, está a falar da tradução gráfica da progressão de uma epidemia ao longo do tempo (por isso curva epidémica ou curva da epidemia), ao passo que epidemiologia é o ramo do conhecimento que estuda estas (doenças transmissíveis) e muitas outras doenças.

Nota: Agradeço a David Peres, médico na Unidade de Saúde Pública da Póvoa de Varzim e membro da comissão de Controlo da Infecção na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, os conselhos (abaixo reproduzidos) de bom uso de máscaras e respiradores que elaborou e divugou.

22 março 2020

COVID19: ENTRETANTO EM MARTE...

1. Marta Temido, ministra da Saúde, anunciou ontem (21 de março) que o pico da epidemia de Covid 19, ou seja: o ponto a partir do qual o número de casos não crescerá mais, será no próximo dia 14 de Abril. Só se esqueceu de dizer a hora! Este tipo de informação, que não pode ser garantida no estado actual de conhecimento, é, para além do mais, contraproducente, pois as pessoas 'lá em casa' podem ser tentadas a afrouxar as medidas que tão corajosa e esforçadamente têm tomado e mantido.
2. O Ministério da Saúde enviou recentemente aos Agrupamentos de Centros de Saúde de todo o país um questionário em torno da preparação para o Covid19, em que uma das perguntas que o respondente tem de marcar com um vêzinho é: há espaço na sua unidade para armazenar o material de protecção individual? Sabendo todos nós da inexistência (ou quantidade ridícula) de material de protecção na maior parte dos serviços de saúde dos cuidados de saúde primários, esta pergunta atinge a categoria do humor macabro.
3. Ontem mesmo, na TV, ouviu-se falar de uma eventual desacelaração da epidemia, uma esperança baseada numa diminuta redução de casos novos em dois dias de observação. É claro que hoje (22 de março) a realidade já demonstrou que não há desacelaração, o que é lógico tendo em linha de conta o que se passa nos nossos vizinhos europeus, a quem o milagre não protege como a nós. Este tipo de ejaculação precoce devia ser evitado, pois, como dito em 1., a) cria falsas esperanças (que depois têm de ser desmentidas e gera desânimo na ressaca); b) pode conduzir ao afrouxar de medidas essenciais à nossa sobrevivência.
4. Igualmente pouco apropriado será ceder à tentação de publicitar previsões de números grossos, do tipo: vamos atingir os 250.000 ou os 500.000 casos no dia tantos de tal do mês Y. Para além de não serem números garantidos, a sua monstruosidade numérica (assim serão vistos 'lá em casa') não tem tradução  prática e causará apenas imenso desalento.   

18 março 2020

O COVID À MESA: dicas sobre alimentação segura em tempos pandémicos

Importa sublinhar, para começar, que o Covid19 não é uma doença em que a transmissão através dos alimentos seja a mais usual ou frequente, ela não é nenuma gastrenterite ou toxinfecção alimentar. O coronavírus é um vírus respiratório e, deste modo, o grande perigo de contágio faz-se através do contacto com alguém infectado, através da tosse, espirros ou gotículas expelidas por essas pessoas, gotículas que ficam nas superfícies durante algumas horas e até dois dias (embora, à medida que cada hora passa, o número de vírus contaminantes diminua de forma rápida). Isto não quer dizer que os alimentos e a sua confecção não possam ter algum papel na transmissão da doença: se um manipulador de alimentos doente tossir sobre os alimentos, o vírus vai-se manter viável neles como se se tratasse de uma superfície inerte e, por isso, é preciso tomar algum cuidado com esta área tão importante da vida: cozinhar e comer.
Mas comecemos pelo princípio:
1. Ironicamente está a acontecer-nos aquilo que praticamos quando, à porta dos supermercados, nos pedem que sejamos solidários com os sem-abrigo ou o Banco Alimentar Contra a Fome. Estamos sobretudo a comprar, para enfrentar o isolamento gerado pela ameaça do Covid19, arroz, massa, feijão, conservas e outros enlatados, isto é: alimentos que se aguentam por muito tempo. Frescos (legumes e vegetais, carne e peixe fresco) compramos muito menos, pois temos medo que possam estar contaminados. Já lá vamos.
Uma das características da comida processada ou em conserva (fumados, salchichas, cubos concentrados de carne, sopas chinesas instantâneas, conservas de peixe e carne, batatas fritas, milho frito) é que o seu teor em sal é altíssimo e o teor em gorduras saturadas também o pode ser. Deste modo, devemos contrabalançar um consumo exagerado, em relação ao que habitualmente consumimos, com uma grande redução no sal com que temperamos a comida. O sal mata, nunca se esqueça: demora, mas até mata mais do que o Covid19. Quanto ao excesso de gordura animal presente em alguns alimentos (salchichas, patés, batatas fritas, mesmo bolachas) devemos contrabalançá-lo usando e abusando dos legumes e vegetais.
2. Um dos modos seguros de consumir legumes e outros vegetais é a sopa, um alimento essencial, que além de aplacar a fome, hidratar o corpo (tem uma grande quantidade de água) nos pode ajudar a repor as vitaminas e sais minerais que precisamos. Falo de sopas de legumes, claro, e das feitas em casa, não das compradas já preparadas, pois nessas caímos no problema referido do excesso de sal e nos ingredientes liofilizados que reduzem a eficácia de algumas vitaminas. A segurança que advém de comer legumes e outros vegetais na sopa provém de ser um alimento cozinhado: o coronavírus (e outros vírus) é destruído se submetido a uma temperatura superior a 60º graus durante mais do que quinze minutos, pelo que um alimento fervido (100º) destruirá qualquer vírus, eventualmente presente, ainda mais rapidamente (escassos minutos).
3. Uma dúvida muito frequente é a seguinte: será que o micro-ondas, como método de cozinhar, e o congelamentoem arca frigorífica destroem o vírus? O micro-ondas sim, destrói o vírus em todas as modalidades de confecção que durem 45 segundos (ou mais). Já o congelamento (à temperatura das arcas domésticas) não destrói o vírus, mas não se esqueça que se congelar pão acabado de comprar durante três ou quatro dias, a probabilidade de ele conter vírus activo ao descongelá-lo e torrá-lo é nula, uma vez que o vírus é como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa: não consegue viver longe das pessoas, precisa de estar dentro de uma célula humana para sobreviver muito tempo. De igual maneira, os métodos de confecção como cozer, fritar, assar, grelhar, estufar, destroem o coronavírus facilmente pelos motivos já indicados: temperaturas iguais ou superiores a 100º centígrados. Assim sendo, não devemos ter receio em consumir carne ou peixe cozinhados, mas, como recomendação geral, lavem-se previamente em água corrente antes da confecção.
4. Ficam-nos então os alimentos que consumimos frescos e crus: as alfaces, os tomates, couves não cozinhadas, as frutas. O que dizer sobre eles? Em primeiro lugar que são excelentes como fonte de fibra, vitaminas e sais. Um conselho possível durante esta fase de isolamento, e se é previsível que os vamos consumir em menor quantidade, é complementar a dieta com um suplemento vitamínico, um qualquer daqueles que têm um espectro alargado de ingredientes (um por dia) e, para os obter, não precisamos sequer de nos deslocar à farmácia.
4.1. Saladas (cruas)
A primeira sugestão, tal como é feito para as nossas mãos (mas sem o sabão/sabonete) é que lave abundantemente em água corrente todos os vegetais que vai usar crus. Quando se recomenda às pessoas que lavem as mãos muitas vezes ao dia não é só por causa do efeito do sabão/sabonete sobre o vírus, é também porque o arrastamento provocado pela água que corre faz com que o vírus vá parar ao cano, apesar de ser invisível e quase não ter peso. Este método de diminuir a carga de bactérias ou vírus é usado há muitos anos com eficácia em medidas de saúde pública.
Mas, admitamos, mesmo com estes cuidados podem permanecer alguns vírus nos ingredientes de uma salada crua? Podem, mas como já foi dito, esta via de contaminação é longínqua. Mas, mesmo assim, você é um pouco hipocondríaco, não se sente seguro e, como se não bastasse o Corona, é velhinho ou tem uma doença crónica ou está imunodeprimido, ou tudo junto. Então, encha de água um recipiente, deite-lhe 1 colher de sopa de lixívia pura/litro de água e deixe os legumes/vegetais imersos nela durante 15 minutos - tudo quanto é vírus e bactérias será destruído. No final, passe os vegetais ou fruta por água corrente para eliminar o sabor a lixívia.
Nota: a lixívia (ou o cloro, que é o seu princípio activo) é extremamente eficaz, mais do que o álcool, para destruir bactérias e vírus. É, aliás, o produto usado para tratar a água que nos chega a casa e que podemos usar em total segurança. Quanto ao vinagre, é sobretudo útil para temperar a salada, não confie nele para desinfectar, pois não é eficaz.
4.2. Fruta (fresca)
Poderá usar o mesmo método da lixívia com a fruta (sobretudo a que se come com casca, como as uvas ou morangos), mas é suficiente lavá-la abundantemente com água fria, secá-la com papel de cozinha e depois descascá-la. É mais seguro comer fruta descascada nos tempos que correm. Resta-nos a fruta em conserva, enlatada ou enfrascada: é uma alternativa, mas não esqueça que tem demasiado açúcar acrescentado e que os processos de conservação destroem algumas das qualidades alimentares.
5. Comida de outros países (nota sugerida por Raquel Braga)
Das cozinhas de outros países, as mais populares e usadas em Portugal são a chinesa e a japonesa. Quanto à cozinha chinesa esta é perfeitamente segura, pois baseia-se em cozidos e fritos. No que se refere à cozinha japonesa, são de evitar o sashimi (peixe cru) e o sushi, uma vez que são confeccionados à base de ingredientes crus. Este cuidado é sobretudo de observar em idas a restaurantes e comida de takeawy/entrega em casa. Já a tempura (comida frita) e as saborosas sopas ram são completamente seguras.
6. E, finalmente, pode ir comer em paz. Não se esqueça de lavar as mãos com água e sabão/sabonete antes de o fazer e o mesmo deverá fazer antes de começar a cozinhar. Enquanto mastiga, não se ponha a amaldiçoar o Corona. Ele simplesmente luta pela vida, como qualquer outra espécie, e já se viu que é suficientemente inteligente (os vírus são dotados de uma tremenda inteligência colectiva, toda orientada para a sobrevivência) para não nos querer eliminar a todos nós - humanos. Ficaria sem mesa e almofada, sem ter onde comer e se reproduzir, e seria o fim dele! 
Por conseguinte, caro/a compatriota/o, ponha-se fino/a e vá à vida, como ele/a. 

PS: Se quiser fazer algum comentário, sugestão ou pergunta, faça-o aqui neste blog a seguir ao texto.



17 março 2020

CUIDE DOS SEUS: os acamados em casa e os cuidadores externos (Covid19)

Há em Portugal muitos milhares de pessoas acamadas (ou dependentes) em casa, que recorrem diariamente ao apoio de cuidadores que vêm do exterior prestar cuidados de enfermagem, fisioterapia e, a maior parte das vezes, simples cuidados gerais de higiene, alimentação e manutenção. Muitos destes cuidadores externos não são sequer profissionais de saúde, ou seja: a sua preparação em termos de conhecimentos de como evitar o contágio de doenças ou cuidados de higiene (exemplo: como mudar uma fralda e desfazer-se dela) é pouca ou inexistente. Uma não pequena proporção deles são estrangeiros, e imigrados recentes, e ou dominam mal o modo portuga de falar a língua portuguesa ou vêm de países onde a denominada literacia em saúde é rudimentar; estão ainda a adaptar-se ao país de acolhimento, e tudo isso dificulta ou atrasa a interiorização dos conhecimentos que vão adquirindo sobre higiene ou etiqueta preventiva - têm de ser orientados pelos empregadores (as empresas de cuidadores) e pelas famílias onde trabalham, que devem ser vigilantes e usar de pedagogia e paciência para com eles: não se pode exigir a quem não sabe - façamos também esse trabalho, explicando com calma quais são os aspectos particulares da nossa casa e do nosso familiar acamado/dependente. 
Acresce que alguns destes cuidadores mudam com grande rotatividade, seja ou porque o trabalho é pesado, ou porque é mal pago e uma consequência prática é que as pessoas que entram em nossas casas diariamente (mais do que uma vez ao dia, às vezes cuidadores diferentes ao longo do mesmo dia) estão constantemente a mudar e, pior do que isso, visitam várias casas no mesmo dia. 
Tanto quanto se vai sabendo, esses cuidadores externos têm estado a trabalhar - na grave e presente situação provocada pelo coronavírus - sem protecção alguma, isto é sem máscaras ou luvas. As empresas que os empregam, elas próprias aflitas a tapar os buracos dos que não se apresentam ao trabalho à hora combinada ou simplesmente se foram embora sem aviso, quando confrontadas com a ausência de protecção dos seus trabalhadores escudam-se no argumento de não terem orientação específica sobre o assunto por parte dos responsáveis nacionais do Ministério da Saúde, da Segurança Social ou de quem devia desempenhar este papel. 
Tendo em consideração a segurança geral das famílias e, sobretudo, a das pessoas muito fragilizadas de quem cuidam, é essencial que todos os cuidadores domiciliários usem protecção individual: máscara (é suficiente a simples máscara cirúrgica, tipo FFP1) e luvas descartáveis, para além de anteciparem e terminarem a sua tarefa em cada casa com a lavagem cuidadosa e demorada das mãos. Na fase em que nos encontramos de transmissão comunitária do vírus, qualquer pessoa deve ser encarada como podendo estar infectada (mesmo que não tenha sintomas ou sequer o saiba) e todas as precauções são poucas. # Fique em casa, mas cuide também de si e dos seus e ajude os cuidadores externos a cuidar.
Assim, e numa perspectiva eminentemente prática, olhando para o que fizeram os países que já conseguiram suster o primeiro embate do Covid19, e à luz do velho princípio 'o seguro morreu de velho':
1. Pressione as empresas de prestação de cuidados a acamados/dependentes no sentido de fornecerem e instruírem os seus cuidadores a usar equipamento de protecção (máscara e luvas). 
2. Se puder, e enquanto as empresas não se decidem, compre você mesmo esse material (eu sei que é difícil encontrá-lo), pois estará a antecipar a protecção dos seus, e subtraia a despesa à factura da empresa! Considere esse material como seu, isto é: não o deixe sair de sua casa.
3. Obrigue a que o cuidador lave as mãos mal entre a porta de casa (lavagem tipo profissional de saúde: durante 30 segundos; água quente; palma e costas até ao pulso, entre os dedos, esfregar as unhas contra a palma da mão, e usando neste procedimento água e sabonete/sabão, produto que é mais adequado e mais barato do que álcool ou géis alcoólicos). 
Nota: Deixe o álcool e o gel para situações em que não possa lavar as mãos no momento, por exemplo: quando veio de algum lado público (supermercado, farmácia) e entra para o automóvel e só vai chegar a casa meia-hora depois. 
4. Depois das mãos lavadas, o cuidador deve calçar as luvas, que devem ser retiradas no final dos cuidados e deitadas ao lixo.
Nota: se não houver luvas descartáveis, use das outras, de borracha por exemplo e desinfecte-as no final (solução de água com lixívia) depois de o cuidador se ir embora. Ponha-as a secar usando o método descrito no ponto seguinte.
5. A máscara deve, em seguida, ser posta a tapar boca e nariz, tentando a colocação sem tocar no tecido, mas apenas usando os elásticos e o rebordo da própria máscara no ajustamento. Deve ser mantida durante todo o tratamento. 
Nota: Se a máscara for de tipo descartável e tiver as suficientes, deve ser deitada fora no final de cada sessão de cuidados. Se tiver muito poucas e não tenha outro remédio senão voltar a usá-las (o óptimo é inimigo do bom) faça o seguinte: pendure a máscara usada, longe da circulação de pessoas ou o alcance de crianças, do lado de dentro de uma vidraça exposta ao sol. O sol irá secá-la e a luz solar tem um efeito ultravioleta desinfectante. Nenhum vírus gosta disto, os vírus (incluindo o corona) sobrevivem mal fora do corpo humano e perante o calor, a secura e os raios ultravioletas. Não é um remédio milagroso, nem garantido a toda a prova, lembre-se disso: mas é 'melhor que nada' e a vida real obriga-nos muitas vezes a este tipo de escolha. Se conseguir, mantenha esta máscara assim por uns dois dias antes de pensar em usá-la de novo.
6. Será preferível que seja você a fazer a gestão das máscaras, isto é: o cuidador usa a máscara que espera por ele em sua casa, ao invés de usar uma que ele/ela já trás e você desconhece por onde andou e em que estado de contaminação pode estar (a não ser que o veja tirar a máscara de uma embalagem inviolável, aberta à sua frente). A excepção será quando se pode confiar na empresa de cuidadores: médicos, enfermeiros ou fisioterapeutas dos serviços de saúde oficiais ou privados terão, à partida, os conhecimentos, o treino e os cuidados necessários, sem necessidade de orientação por parte das famílias. Neste caso, aprenda com eles, observando bem para que possa repetir estes gestos em caso de necessidade futura.   
7. O cuidador deve lavar bem as mãos (seguindo o método descrito) no final da visita a sua casa. Deste modo não irá contaminar as suas superfícies (puxador de porta, por exemplo) na saída e diminuirá a probabilidade de contaminar a visita na casa seguinte.
8. Quando a porta se fechar sobre ele, vá ao quarto de banho e lave as mãos conforme o explicado. Depois, e se tem a obsessão das limpezas, pode-se entreter a passar um papel de cozinha molhado em álcool ou lixívia por todas as superfícies onde acha que ele tocou.
9. Tente despejar este lixo gerado todos os dias (à noite de preferência e pensando que ele deve permanecer o menor tempo possível no contentor público).

Nota final: As considerações feitas acima, mais do que sustentadas na evidência científica do último paper/artigo publicado, baseiam-se nas práticas aconselhadas em termos de medidas de precaução em Saúde Pública, conhecidas e testadas há muitos anos, e no bom-senso doméstico.

© Fotografia: pinheiro novo num círculo de proteção. Fotografia de pedro serrano, Praia da Areia Branca, março 2020. 



07 março 2020

COVID 19: O FUTURO A DEUS PERTENCE...

DGS afasta restrições em visitas a lares de idosos devido ao coronavírus


A diretora-geral da Saúde garantiu que as autoridades estão preparadas para emitir orientações diferentes numa eventual escalada do risco
(TSF)



'Garantias' e factos:
Contrastem-se as recentes declarações dos mais altos responsáveis do Ministério da Saúde de Portugal (feitas ontem, 6 de Março) com os números divulgados pelo prestigiado Centers for Disease Control sobre: 1) diferença de mortalidade causada pela gripe clássica (à esquerda no gráfico) quando comparada com a causada pelo coronavírus19; 2) idades mais atingidas pelo Covid19 e a respectiva mortalidade. 
O que concluir dos factos demonstrados?: 
Que a mortalidade causada pelo Covid19 é sempre muito maior do que a causada pela gripe e que essa mortalidade é tanto maior quanto mais velhos são os idosos atingidos (nos idosos com 80 anos ou mais é de 0,83 % para a gripe e de 15 % para o Covid19, isto é quase 20 vezes superior para a infecção por coronavírus).
Daqui decorre que tentar comparar o Covid19 com a vulgar gripe, como se tem visto fazer por essas televisões, é um tremendo disparate.
Mais valia estar calado:  
Partindo da realidade conhecida e desconhecendo, até à data, qualquer plano de contingência do Ministério da Saúde português dirigido especificamente ao grande grupo português dos idosos (superior a 2 milhões), não só aos dos lares, mas também aos que frequentam centros de dia, ou aos que ficam em casa e são aí visitados diariamente por cuidadores vários, parece-nos uma leviandade futurológica produzir afirmações públicas como as transcritas no início deste texto. 
Amanhã é demasiado tempo:
A aparente circunstância de as autoridades de saúde portuguesas estarem preparadas para emitir orientações diferentes em caso de "escalada do risco" não tranquilizam: do ponto de vista do planeamento e da execução das medidas práticas, e da máquina que implica montar e olear, para além de hoje será sempre demasiado tarde e, como se sabe, em qualquer área de actividade, desde a Bolsa à Saúde ou à Economia Doméstica, os riscos devem ser antecipados e precavidos, sobretudo numa situação nova em que a realidade  tem demonstrado modificar-se de forma galopante de um dia para o outro.

PS: Agora mesmo, na SIC-notícias, uma senhora (Maria João Quintela) representando as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), e entre outras pérolas de cultura coronística (em que identifiquei os termos proporcional risco, estigma), afirmou que as suas instituições usam como orientação, enquanto esperam que o Ministério da Saúde produza outras mais específicas, as recomendações feitas para as empresas, que também dão a ler aos velhinhos como informação sobre o assunto. Estamos esclarecidos!