Porto, Oporto
Quem te apostrofasse
Em prosa ou em rima
Siza Vieira e Viana de Lima.
Porto, Oporto
Quem te exclamasse
No júbilo ou na mágoa
Campolindo, Bonfim e Arca d’Água.
Porto, Oporto
Quem te afiançasse
Os muros e as redes
Furadouro, Boavista, Entreparedes.
Porto, Oporto
Com apenas duas avenidas para mostrar
Oh, mas ambas levam, a descer, até ao mar
Olha a pérgula, olha a rede, olh’ó castelo
Olha as praias [que lindo], as ondas a chafurdar
E revoadas d’areia para a gente se espojar
Olhos semicerrados, papo a torrar
Sol na tanga e no sutiã
Língua-da-sogra, bola de Berlim, curassã.
Porto, Oporto
Dos toldos vermelhos das churrascarias
Descerrados como pálpebras capotadas
Ou como intenções mal amparadas
Batata frita oleada, febras, entremeada
Chiam os frangos a rodar, a virar, a rodar.
Porto, Oporto
[Cisma alguém num eléctrico para S. Mamede]
Das casas embrulhadas em azulejo
Da tanta janela para tão pouca parede
Da luz que foge, se aperta e refulge nalgum brejo
Calçada em Santa Catarina, despida na Cordoaria
Espreguiçada, ouro e mica, na baixela da foz do rio.
Porto, Oporto
Por onde pairas agora?
Quando o silêncio goteja
E o nevoeiro – algodão doce enregelado
Se demora nalguma escadaria de igreja
Atravessado, encolhido, enfastiado
Como um pombo num beirado
Porto, Oporto
Mânfios de sapato afiambrado por engraxador
Cuspinhando no chão enquanto trepam as Virtudes
Apressados, as gabardines a pairar os ombros
Como a fumaça das castanhas em Novembro.
Porto, Oporto
Dos arrumadores a mancar, a limpar, a esbracejar
Pensos rápidos e lenços de assoar
Das putas da Alegria, dos chulos na Bolsa
Dos condutores de braço em riste
Extravasando a janela, indignados,
Vociferando: “que foi, nunca viste?”
E outros que bem gostariam de se pronunciar
Mas fugiu-lhes a lábia por entredentes
Lá em Paranhos, em Agramonte
Na Lapa, a Pradorepousar
Os mais alternativos a fumegar...
Olha a lápide, olha a vela, olha a jarrinha
Endireita-me esse molho de cravinas
Adeus, mãezinha, Deus seja contigo
Pró ano trago uma renda nova pró jazigo.
E cá por fora, ainda fora, ainda à tona
Tanta perna, tanta bochecha, tanta cona
A passejar, a rebarbatar, ao arejo
A recordar que um dia cá por cima
É um bom dia, um bom dia – Salvo seja!
Porto, Oporra
E se te fosses foder?
Mais o teu regionalismo tacanho
Sempre na sopesação do teu tamanho
Resmoneando remoques contra a capital
Que encofra para ela todos os favores
Um concentrado de régulos e regedores
Olha quem fala, olha quem cala.
Porto, Oporto
Não cheira a rosas na Areosa, mas
Olha a Rotunda, como está agora
Um diamante deitado
Cravejado no asfalto
À entrada da avenida...
Tal e qual como lá fora.
Marafona rebrandada e lúbrica
A nossa casa da Música
É que nem o centro cultural, mas ainda mais
Mundial, toda em vidro, anodizados e cimento
Que presença, engenheiro, que argumento!
Sim, pode recuar – mais, mais – tá no ponto
Não se rale do tiquê, estou aqui até às oito.
Porto, Oporto
Alho porro, manje-rico
Bacalhau empunhetado
Abrilhantado, enfarruscado
Equinócio, soles-tício
Vespertino, matutino
Desnorteado, orientado
Bem-nascido, malcriado
Invictório, mictório, romaria
Hoje é sempre a véspera do dia
Em que ali regressarei.