28 fevereiro 2010

DIRECÇÃO ASSISTIDA





Ontem, no itálico prefácio da noite, 
Quando fraquejava a luz ao mar e
De seu forro puído o azul-acinzentado,
Boiando afogueado, enfim se revelava, 
Pousaste leve na minha tua mão esguia...
Ontem, no itálico prefácio da noite, dizia,
Uma coruja branca voou por sobre a estrada
Calada, macia e, talvez estremunhada
P’los laivos púrpura e ciscos de gaivota
Irradiantes num descartavelmente belo 
Arranha-céus de nuvens-em-castelo.
Ontem, no itálico prefácio da noite,
Pousaste com ternura e teus dedos iam
Sobre uma de minhas mãos que conduziam.
“Por onde vamos?”, perguntei
“Tanto me dá, não sei se sei...”
Liguei os faróis, comuniquei “ok”
E, sem decisão de por onde iria,
Fui guiando pela noite que caía.






Fotografias de © Pedro Serrano. De cima para baixo: Kamakura (Japão), 2006; Caldas da Rainha, 2010; Porto, 2008.

26 fevereiro 2010

PÉRGOLA DE IMITAÇÃO



Nas águas-furtadas da memória,
Entre jurássico renque de postais
E naftalínicas ilusões de glória,
Refulge, omnipresente talismã,
A madeixa loura de uma manhã:
Foi no Castelo do Queijo
E na ânsia roçagante por um beijo
Eu bebia, em sucedâneo, um mazagran.


Na quadrícula do passeio à beira mar,
Deslizavam em ondas as cachopas e
Além, na última pegada da areia,
Canelas polvilhadas p’la maré-cheia,
Pescavam à linha alguns rapazes.
No que é derivado a mim,
Sentado sob a pérgola mais o Quim,
Ia absorvendo, distraído, aquele afã
Descartando a cinza fria do cigarro
E beijando a gole lento o mazagran. 


Pasmava na roleta dos barquilhos
Quando cotovelo assaz discreto
Reclamou minh’ atenção ao picadeiro
Vi-te então, de chofre, em corpo inteiro:
Vinhas mordiscando um sorvete,
Ó brochura deleitosa,
Amarelo e cor-de-rosa
De limão e framboesa
E a transparência opulenta
De tua saia travada
Abrigava o movimento
De um pisar à japonesa.


Passaste tão tangente junto a mim
Um rasto de lavanda (ou de jasmim)
Que afundei a pique e sem remédio
Na placenta prévia desse assédio. 
Renascido, olvidando o quão sou feio,
Arrulhei, comovido: “adeus, lambona...”
Foi o melhor que achei por galanteio. 


Frechaste, certeira e sem tardança,
Uma resposta jactante e sedutora,
Manjerico com a graça do orvalho, 
Alvíssaras a uma noite redentora:
“E se fosses pró caralho?”
(Caralho eu fôra...)


 Fotografia: Porto, Foz do Douro, Fevereiro 2010. Imagem gentilmente cedida por didaflordeliz (florbytesemmeemoria.blogs.sapo.pt).

20 fevereiro 2010

Subsídios Para Uma Estética da Punheta

A punheta é um ramo
do conhecimento
Vacina eficaz contra o esquentamento
Razão do nosso contentamento
Sempre à mão em qualquer momento.
Discreta 
Erecta
Circunspecta
A punheta é um ramo 
do conhecimento.
Subtil
Varonil
Águas mil
Razão do nosso contentamento.
Animal
Canibal
Menstrual
Vacina eficaz contra o esquentamento.
Onanismo
Estrabismo
Egoísmo
Sempre à mão em qualquer momento.
Haja sol
Caia chuva
Faça vento
A punheta é um ramo
do conhecimento. 
© Fotografia de Pedro Serrano, Tokyo, 2006. 

14 fevereiro 2010

ACRÍLICO APÓCRIFO (fragmento)


Ciano de Acrileto
O filósofo pré-surfista
Possuía um servo dúbio
Que se chamava Baptista













Random art. ©Pedro Serrano sobre mancha de tinta Quink® deixada em papel após limpeza de aparo de caneta permanente (2007).

06 fevereiro 2010

TIPO HAIKU

1. 
Melro na relva...
eclipse total
excepto no bico.
2. 
Concha sem caracol
luzidia à luz do sol
sua a lesma de cobiça.

3.
Cobra d’água
erecta na areia, engole um     peixe
coaxa a rã aliviada.

© Fotografia de cima, Pedro Serrano (Kamakura, Japão 2006).
© Fotografia de baixo, 
Ricardo Ventura & Relógio d´Água editores  (Ginza, Tokyo, 2006).  

Haiku, haikai ou hokku - Forma poética clássica japonesa que tenta captar um momento de experiência e transmiti-lo da forma mais concisa possível. Em japonês o haiku é tipicamente redigido numa única linha, enquanto que em línguas ocidentais é tradicionalmente separado em três linhas. Matsuo Bashô (1644-1694) é um dos autores mais conhecidos pelo tratamento rigoroso que deu a esta forma poética. Transcreve-se um poema muito conhecido de Bashô:

O velho charco...
som da água
onde a rã mergulha.

04 fevereiro 2010

TANGUEANDO

Sentado sobre os joelhos
Invoco, curandeiro,
As ossadas rituais
Dos despojos que deixaste
Quando te foste.


Um cartão de crédito,
Electronicamente exausto
De validade.
Um CD melancólico, 
Sedentas cortinas
Adeusando a janela de uma casa na
Praia temporariamente fechada.


E, clássico, a óbvia fotografia ovóide,
Polaroid dos idos de urgência,
De onde me olhas tal
Emoldurada estivesses
Num passe-partout.
Inacessível
Por trás de um vidro,
Inamovível
Atrás de um vidro
Inabordável e
Sorrindo, sempre sorrindo,
Na promessa marota que
Continuarás assim, sorrindo,
Pelos templos fora.


Há ainda, inventada por mim,
A página arrancada a bloco de
Um papel intensamente branco 
Dobrado em 2 e, depois, 
Macerado em 4 por 8
Desdobrado, tornado a dobrar, e
Onde devia constar, permanente,
Razão escrita do teu estado ausente.






© Fotografias de Pedro Serrano (de cima para baixo): Viana do Castelo, 2007; Praia da Areia Branca 2007; Tokyo, 2005.

03 fevereiro 2010

GO GO DADA


Ventoinha quente
De brisa e sol poente,
Oscila a lanterna de papel.
Bebé, ainda não fala,
Olha e pedala.



© Fotografia de PGV, Lisboa 2006.