26 setembro 2014

FAZ DA TUA CHOUPANA O TEU CASTELO

Ainda não são bem seis da manhã e já há claridade em Luanda, uma luz plúmbea, que foi barrada no seu jorro por um céu carregado de nuvens sujas que parecem anunciar chuva. É uma ilusão tropical: estará assim até ao fim da manhã e depois o céu vai-se abrir, como uma flor exótica, numa revelação de azul e sol crocante.
Aqui em frente à minha janela do nono andar há um musseque, um bairro de lata, portanto, que o Jorge S., noutra janela do hotel, julgava, a uma  distância de olhos mal habituados, desabitado, tal é o seu ar desolado e caótico de vazadouro de chapas e lixo.

Mas uma teleobjectiva faz milagres de subjectividade. Fazendo-a passear-se sobre os detalhes, irrompem no meio da massa confusa as antenas parabólicas, um aparelho de ar condicionado espreita aqui e acolá, há roupa a secar numa corda, uma luz ficou acesa toda a noite, como quem anuncia a porta de um lar para alguém que pode chegar tresmalhadamente fora de horas.
© Fotografia de Pedro Serrano, Luanda, Setembro 2014.

25 setembro 2014

SENTIDOS PROIBIDOS (Entretanto em Luanda)


                                                          
  © Fotografias de Pedro Serrano, Luanda, Setembro 2014.

23 setembro 2014

ENTRETANTO NO CAMINHO PARA ANGOLA

Entretanto no caminho para Angola algumas nuvens sobre o rosado do Sahara.
Nota: TAAG - Transportes aéreos de Angola. 
© Fotografia de Pedro Serrano, Setembro 2014.

20 setembro 2014

POST SCRIPTUM (A Parábola da Governação)

Não mais de vinte e quatro horas depois do meu texto anterior aqui no blogue, eis que eles desatam a pedir desculpas públicas: primeiro a Ministra da Justiça e depois o da Educação; o Crato despediu até, generoso, um director-geral por causa da aberrante fórmula. Com este grau de sucesso no arrependimento, acho que vou começar a fazer mais comentários de natureza politiqueira!
Mas o que eu gostei mesmo de ver, e isso demonstra bem a qualidade da mulher, que já ficara bem a nu na entrevista ao Jornal da Noite da SIC, foi a Paula Teixeira da Cruz a pedir perdões como quem lhe arrancam os dentes todos e o Passos estivesse por perto a supervisionar. Zangada, áspera, a cuspinhar desculpas como quem dá um raspanete e com o cordeiro da Citius logo ali ao lado, pronto a assumir responsabilidades pelos erros e a ser degolado em directo - só lhe faltava estar vestido de cor-de-laranja e com uma duna como cenário. O sucesso que a nossa loura da Justiça não iria ter se decidisse fazer as malas para um all inclusive nos desertos da Síria....

16 setembro 2014

A PARÁBOLA DA GOVERNAÇÃO

1. Com uma sobranceria a raiar a cretinice, Paula Teixeira da Cruz, a actual ministra da Justiça, afirmou na SIC, a uma Clara de Sousa minuto a minuto mais irritada com o que era obrigada a ouvir, que a reforma da Justiça que se iria pôr em marcha no dia seguinte seria a coisa mais fantástica dos últimos 200 anos, que nem o Marquês de Pombal... Confrontada com a hipótese de se anteciparem problemas com a plataforma informática (Citius), instrumento vital para o sucesso de toda esta revolução, a ministra reagiu com condescendente assertividade, garantindo que tudo estava a postos e testado e que essas reservas partiam da boca de gente mal intencionada e que pouco ou nada percebia do assunto (Ordem dos Advogados, Sindicatos, magistrados e oficiais de Justiça).
“Sabe, Clara de Sousa”, dizia a mulher afastando a oxigenada marrafa da testa com os dedos roliços, “tudo isto foi profundamente estudado”, como quem diz que ‘isto não é coisa para ser entendida ou alcançada por simples mortais como tu e os dos sindicatos’.
Depois foi o que se viu: há mais de quinze dias que o Citius não funciona, que a confusão se instalou nos tribunais e que não se consegue acesso a três milhões e meio de processos. Procedimentos que demoravam dois minutos a resolver levam agora mais de meia hora. Quanto à ministra, essa desapareceu do mapa, e manda agora alguns dos seus ajudantes enfrentar a comunicação social. O que terá acontecido? Será que tomou consciência da desgraça que gerou? Hum, tendo em conta o perfil da dama, o mais provável é que a voz do dono lhe tenha soprado: “Tá calada por um bocado, Paulita, que andas a dizer disparates a mais...”
Hoje mesmo, em entrevista exclusiva a um jornal, a ministra vem dizer que (apesar de ninguém saber onde para nada nos tribunais) não é verdade que o caos esteja instalado... Estão a ver o que eu digo? A mulher não aprende.
2. Entretanto na Educação o panorama de início do novo ano lectivo não é menos animador em termos de caos e de protestos contra a inépcia e o pasmo do Ministério respectivo. Entre outras salgalhadas, Nuno Crato, um matemático de formação, deixou que a vida dos professores fosse decidida por fórmulas em que números absolutos fazem média com proporções, uma asneira tão grossa que, mesmo na área médica, já se excluiram candidatos a especialistas por causa disso mesmo! É que é pior do que somar alhos com bugalhos; é um raciocínio que infecta tudo quanto se segue e torna tecnicamente insustentáveis as nossas decisões. Confrontado com todo este novelo, o ministro, com aquele inalterado ar de ruminante que lhe está na massa do sangue, acha que o ano escolar arrancou com toda a normalidade...
3. Simultaneamente, e mantendo os comentários na nobre área da Educação e Ciência, chega-nos a notícia que uma anterior ministra da área (esta de Governo PS), a inefavelmente pirosa Maria de Lurdes Rodrigues, foi condenada a 3,5 anos de prisão por favorecimento de amigos em matéria de interesse do Estado. A mulher ficou pior que uma barata com a pena que, embora suspensa, a obriga a pagar 30.000 euros de multa e isso é que dói mesmo, pois nem sequer é dedutível no IRS. E logo perdigotou para os jornais e telejornais que as palmadas que lhe aplicaram põem em causa os mais básicos princípios da democracia.
Ó Educação, Ó Justica, quando chegará o periclitante dia em que este país possa passar a ser governado por gente normal?


15 setembro 2014

LUGAR COMUM

No Domingo, 31 de Agosto, passou aqui por minha casa, a visitar-me, a minha sogra. As quatro da tarde aproximar-se-iam da sua metade quando ela chegou, pelo que lhe perguntei se queria um chá, se queria lanchar.
- Só um chá...
Preparei um chá de cidreira, apimentado com gengibre e limão, e fui dispondo na mesa, a que ela já se sentara para ficar próxima das minhas manobras domésticas e podermos ir conversando, queijo, tostas, compotas de ginja e ameixa, doce de abóbora, uns bolinhos pequeninos com erva-doce e pinhões.
- Por mim não quero nada, Pedro, só o chá.
Servi-lhe o chá, sentei-me em frente, comecei a barrar uma tosta com doce de abóbora.
- Prove ao menos um desses bolinhos - disse - são excelentes...
- Vou provar um... – respondeu.
- Tem a certeza que não quer uma tosta? – perguntei enquanto ia cortando uma fatia de queijo dos Açores.
- Não, obrigada, estou bem assim.
Talhei uma ponta na minha fatia de queijo e estendi-o na direcção dela, transportado na lâmina da faca:
- Prove só um nico deste queijo, é excelente.
Ela provou, disse:
- Tens razão, é excelente. Ora corta-me aí uma fatia; mas pequenina!
Cortei uma fatia, estendi-lha.
- Dizes que este doce de abóbora é bom? - perguntou.
Confirmei que todos os doces e compotas em cima da mesa valiam a pena da experiência.
- Então, acho que vou barrar um bocadinho em cima deste queijo...
- Não quer antes uma tosta, para pôr tudo isso em cima?
- Não, estou muito bem assim...
Confortados, passámos à sala para ver as fotografias do casamento da Carolina, minha sobrinha e neta mais velha dela, ocorrido, à justa, há dois meses. Não eram as fotografias oficiais da cerimónia ou da festa, mas sim as que eu tirara com a minha própria máquina.
Passasse-se a coisa há uns anos atrás e estaríamos a desfolhar um álbum ou a manusear fotos soltas como se fossem cartas de um baralho, mas hoje fui buscar o computador, pousei-o no colo, enviesado na direcção dela, e abri o arquivo.
Mesmo assim, entre mim e o Zé João, tiráramos mais de cem fotografias e o vê-las permitiu-nos apreciar toda aquela gente que fôramos ambos conhecendo e gostando ao longo de trinta e cinco anos, comentando-as não apenas pelo prisma mais imediato de se estavam bem ou mal na fotografia, mas também pelo do seu estado actual na existência e do trajecto que tinham percorrido até aqui. As nossas opiniões não divergiam em grande amplitude, apenas por vezes ela ficava surpreendida com algum comentário meu e eu surpreendido ao constatar a inteligência avaliativa da sua contemplação, a riqueza acrescentada do seu cofre de recordações.
E foi por aí que, encadeadas e sucessivas, surgiram as fotografias da minha cunhada M., a mãe da noiva, e eu disse:
- Já viu como a M. envelheceu bem? Está mais bonita agora do que era quando era nova! 
- É engraçado - respondeu a minha sogra - estava a pensar nisso mesmo; está com uma expressão mais doce, está mais bonita.
E após um silêncio, a última fotografia de M. ainda nos olhava do ecrã, referindo-se aos pais de M., avós maternos da noiva e um casal desaparecido da vida em recentes anos, a minha sogra deixou cair um lugar comum na tarde que caía:
- Já viste como eles haviam de gostar de ter estado lá...?
- Sim - respondi, imaginando exactamente as cores e a exactidão do que ela acabara de dizer.
  



 © Fotografias: (1) José João Serrano; (2) e (3) Pedro Serrano, Julho 2014.

11 setembro 2014