15 setembro 2014

LUGAR COMUM

No Domingo, 31 de Agosto, passou aqui por minha casa, a visitar-me, a minha sogra. As quatro da tarde aproximar-se-iam da sua metade quando ela chegou, pelo que lhe perguntei se queria um chá, se queria lanchar.
- Só um chá...
Preparei um chá de cidreira, apimentado com gengibre e limão, e fui dispondo na mesa, a que ela já se sentara para ficar próxima das minhas manobras domésticas e podermos ir conversando, queijo, tostas, compotas de ginja e ameixa, doce de abóbora, uns bolinhos pequeninos com erva-doce e pinhões.
- Por mim não quero nada, Pedro, só o chá.
Servi-lhe o chá, sentei-me em frente, comecei a barrar uma tosta com doce de abóbora.
- Prove ao menos um desses bolinhos - disse - são excelentes...
- Vou provar um... – respondeu.
- Tem a certeza que não quer uma tosta? – perguntei enquanto ia cortando uma fatia de queijo dos Açores.
- Não, obrigada, estou bem assim.
Talhei uma ponta na minha fatia de queijo e estendi-o na direcção dela, transportado na lâmina da faca:
- Prove só um nico deste queijo, é excelente.
Ela provou, disse:
- Tens razão, é excelente. Ora corta-me aí uma fatia; mas pequenina!
Cortei uma fatia, estendi-lha.
- Dizes que este doce de abóbora é bom? - perguntou.
Confirmei que todos os doces e compotas em cima da mesa valiam a pena da experiência.
- Então, acho que vou barrar um bocadinho em cima deste queijo...
- Não quer antes uma tosta, para pôr tudo isso em cima?
- Não, estou muito bem assim...
Confortados, passámos à sala para ver as fotografias do casamento da Carolina, minha sobrinha e neta mais velha dela, ocorrido, à justa, há dois meses. Não eram as fotografias oficiais da cerimónia ou da festa, mas sim as que eu tirara com a minha própria máquina.
Passasse-se a coisa há uns anos atrás e estaríamos a desfolhar um álbum ou a manusear fotos soltas como se fossem cartas de um baralho, mas hoje fui buscar o computador, pousei-o no colo, enviesado na direcção dela, e abri o arquivo.
Mesmo assim, entre mim e o Zé João, tiráramos mais de cem fotografias e o vê-las permitiu-nos apreciar toda aquela gente que fôramos ambos conhecendo e gostando ao longo de trinta e cinco anos, comentando-as não apenas pelo prisma mais imediato de se estavam bem ou mal na fotografia, mas também pelo do seu estado actual na existência e do trajecto que tinham percorrido até aqui. As nossas opiniões não divergiam em grande amplitude, apenas por vezes ela ficava surpreendida com algum comentário meu e eu surpreendido ao constatar a inteligência avaliativa da sua contemplação, a riqueza acrescentada do seu cofre de recordações.
E foi por aí que, encadeadas e sucessivas, surgiram as fotografias da minha cunhada M., a mãe da noiva, e eu disse:
- Já viu como a M. envelheceu bem? Está mais bonita agora do que era quando era nova! 
- É engraçado - respondeu a minha sogra - estava a pensar nisso mesmo; está com uma expressão mais doce, está mais bonita.
E após um silêncio, a última fotografia de M. ainda nos olhava do ecrã, referindo-se aos pais de M., avós maternos da noiva e um casal desaparecido da vida em recentes anos, a minha sogra deixou cair um lugar comum na tarde que caía:
- Já viste como eles haviam de gostar de ter estado lá...?
- Sim - respondi, imaginando exactamente as cores e a exactidão do que ela acabara de dizer.
  



 © Fotografias: (1) José João Serrano; (2) e (3) Pedro Serrano, Julho 2014.

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