No Domingo, 31 de Agosto, passou aqui
por minha casa, a visitar-me, a minha sogra. As quatro da tarde
aproximar-se-iam da sua metade quando ela chegou, pelo que lhe perguntei se
queria um chá, se queria lanchar.
- Só um chá...
Preparei um chá de cidreira, apimentado
com gengibre e limão, e fui dispondo na mesa, a que ela já se sentara para
ficar próxima das minhas manobras domésticas e podermos ir conversando, queijo,
tostas, compotas de ginja e ameixa, doce de abóbora, uns bolinhos pequeninos
com erva-doce e pinhões.
- Por mim não quero nada, Pedro, só o
chá.
Servi-lhe o chá, sentei-me em frente, comecei
a barrar uma tosta com doce de abóbora.
- Prove ao menos um desses bolinhos -
disse - são excelentes...
- Vou provar um... – respondeu.
- Tem a certeza que não quer uma
tosta? – perguntei enquanto ia cortando uma fatia de queijo dos Açores.
- Não, obrigada, estou bem assim.
Talhei uma ponta na minha fatia de
queijo e estendi-o na direcção dela, transportado na lâmina da faca:
- Prove só um nico deste queijo, é
excelente.
Ela provou, disse:
- Tens razão, é excelente. Ora
corta-me aí uma fatia; mas pequenina!
Cortei uma fatia, estendi-lha.
- Dizes que este doce de abóbora é
bom? - perguntou.
Confirmei que todos os doces e
compotas em cima da mesa valiam a pena da experiência.
- Então, acho que vou barrar um
bocadinho em cima deste queijo...
- Não quer antes uma tosta, para pôr
tudo isso em cima?
Confortados, passámos à sala para ver
as fotografias do casamento da Carolina, minha sobrinha e neta mais velha dela,
ocorrido, à justa, há dois meses. Não eram as fotografias oficiais da cerimónia
ou da festa, mas sim as que eu tirara com a minha própria máquina.
Passasse-se a coisa há uns anos atrás
e estaríamos a desfolhar um álbum ou a manusear fotos soltas como se fossem
cartas de um baralho, mas hoje fui buscar o computador, pousei-o no colo,
enviesado na direcção dela, e abri o arquivo.
Mesmo assim, entre mim e o Zé João, tiráramos
mais de cem fotografias e o vê-las permitiu-nos apreciar toda aquela gente que
fôramos ambos conhecendo e gostando ao longo de trinta e cinco anos,
comentando-as não apenas pelo prisma mais imediato de se estavam bem ou mal na
fotografia, mas também pelo do seu estado actual na existência e do trajecto
que tinham percorrido até aqui. As nossas opiniões não divergiam em grande
amplitude, apenas por vezes ela ficava surpreendida com algum comentário meu e
eu surpreendido ao constatar a inteligência avaliativa da sua contemplação, a
riqueza acrescentada do seu cofre de recordações.
E foi por aí que, encadeadas e
sucessivas, surgiram as fotografias da minha cunhada M., a mãe da noiva, e eu
disse:
- Já viu como a M. envelheceu bem?
Está mais bonita agora do que era quando era nova!
- É engraçado - respondeu a minha
sogra - estava a pensar nisso mesmo; está com uma expressão mais doce, está
mais bonita.
E após um silêncio, a última
fotografia de M. ainda nos olhava do ecrã, referindo-se aos pais de M., avós
maternos da noiva e um casal desaparecido da vida em recentes anos, a minha
sogra deixou cair um lugar comum na tarde que caía:
- Já viste como eles haviam de gostar
de ter estado lá...?
- Sim - respondi, imaginando
exactamente as cores e a exactidão do que ela acabara de dizer.
© Fotografias: (1) José João Serrano; (2) e (3) Pedro Serrano, Julho 2014.
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