31 março 2012

VENDA DE FRUTA



Na berma poeirenta da estrada
Ao perto da venda de fruta
As coxas cruzadas de uma puta





© Fotografia, Pedro Serrano, A8, 2010.

29 março 2012

AS ONDAS, AS ONDAS


Por algum motivo eu ia à frente, fui o primeiro a chegar ao cimo das escadas, ou do caminho íngreme, e à orla daquela imensidão. Dali para a frente e, parecia que para todo o sempre, a água estendia-se aos meus pés, mansa como a de um lago, transbordada de um azul que cintilava à luz como escamas de peixe faiscando na lota.
“Vejam...”, disse para trás, com um sorriso, ao meu pai e, depois dele, ao meu filho que chegavam por sua vez à fímbria do mar. Em seguida, não sabendo muito bem como reagir àquela infinitude, ajoelhei-me no último degrau da escada, inclinei-me e pousei a testa no primeiro centímetro de água.
Dali para a frente e, parecia que para todo o sempre, iniciava-se um passadiço que, como a estrada no cimo de um muro de barragem, se estendia até perder de vista. De um lado e outro desse passeio estreito o mar cintilante erguia-se até às bordas, ronronando, convidativo, como um gato azul.
“Vamos?”, perguntei. Avançámos os três por ali fora e logo o mar, de um lado e outro do caminho, avançou alegre sobre nós, fazendo-me perceber que, se assim o quisesse, podia amplificar-se, erguer-se e galgar os muretes laterais.
“Pai, sente-se antes aqui...”, recomendei ao meu pai apontando-lhe a relativa protecção de uma coluna que se desenhava no muro do nosso trajecto e onde, pensei, ele estaria mais protegido do bater das ondas que começavam a levantar-se à nossa esquerda e direita.
A água chegou, morna, amigável, cruzou-se sobre nós, mergulhando-nos até ao peito, encharcando-nos até à boca, e logo passou, foi à sua vida de refluxo. Sentados no murete, os dedos das mãos fincados nas bordas caiadas do tijolo, preparamo-nos para a segunda vaga que já se formava, amigável, constante e azul como a anterior, mas, na sua inteligência abstracta, na sua existência bruta, pressentia a possibilidade de – não talvez na próxima onda, mas numa das seguintes – sermos arrastados dali para fora e para um destino em que deixaríamos, de repente, de saber uns dos outros.
Depois acordei cheio de sede.

© Fotografia de Pedro Serrano, Goa 2011. 

24 março 2012

VOU-TE CONTAR: 48. TELLING TELES


Marco Aurélio (121-180 D.C.)
         Repara agora no que tens debaixo dos olhos
                                  Marco Aurélio, Pensamentos


Passou já demasiada água sob a ponte e nada, para além do tédio, se passava nessas visitas que me prendesse a atenção e, então, as minhas memórias do assunto são perecíveis como os fragmentos de tecido com que Fifi presenteava os filhos do velho amigo.
Nos longas semanas do mês de Setembro que sempre passávamos na terra do meu pai, nos arredores de Viseu, havia um ritual que era preciso cumprir em cada ano: ir visitar os Correia Teles a Fornos de Algodres, uma terra na ponta de uma estrada cheia de curvas. A mulher, relembrou-mo a minha irmã Clara, chamava-se Alzira e o marido Alfredo, nome que assentava bem melhor à sua compleição e temperamento do que o Fifi pelo qual era tratado. Moravam numa casa à beira da estrada e o que melhor recordo do lugar é a sensação de atravessar uma tarde onde imperava um marasmo só interrompido pelo zunido sonolento de moscas barradas por vidraças de janelas.
Fifi era um tipo esgalgado, aparecia-nos enfiado em fatos demasiado largos e com cortes que já não se usavam, o cabelo, a ficar ralo, esticado sobre a cabeça à custa de brilhantina, uns olhos, esverdeados como águas paradas, afundados na cara chupada de ulcerado gástrico. A mulher não destoava...
Ao fim do dia, desfolhando no banco de trás do carro catálogos de amostras de tecido (Fifi era dono de uma fábrica), regressávamos aliviados a Queirã. Acho que até o meu pai, que era quem nos arrastava para aquilo, se sentia aliviado, tornando-se mais loquaz à medida que o nosso boca-de-sapo serpenteava em direcção a Viseu e Fornos de Algodres se esfumava na poeira.
Mas, enfim, o que a minha mãe nos explicava como justificação daquele massacre era que Fifi era amigo do nosso pai desde a sua juventude, desde os tempos em que ele andava no liceu. E eu e a Clarinha silenciávamos nesse espanto do nosso pai – de Fifi Teles! – ter alguma vez andado no liceu....
Graças aos sete anos que penou no seminário, o meu pai só ingressou no último ciclo do liceu já tarde, numa idade em que os alunos já se estão a passar para a universidade. A sensação de libertação que acompanha essa mudança para a vida civil é notória nas descrições que o meu pai regista no diário dos seus vinte anos, agenda que encontrei, depois da sua morte, camuflada no meio de todas as outras agendas que conservou, numa das gavetas da sua secretária.
Nessa agenda há algo que chama de imediato a atenção: muitas das entradas são redigidas em inglês, um inglês de neófito, algumas delas são até mistas: o texto mistura inglês e português numa mesma entrada! À medida que a percorremos a gente descobre o motivo: o meu pai usava o inglês como código, para proteger de olhos alheios (que de línguas estranhas só conheciam as mortas) aspectos mais íntimos da sua existência:
“I spoke three times to Amilosi.”
“I wrote to Amilosi.”
“I saw Amilosi today.”
E, precipitava-se o mês de Fevereiro para a primavera, de repente esse misterioso nome brota da agenda como trepadeira, sem percebermos de onde vem mas descobrindo muito rapidamente tratar-se de uma personagem feminina, e também que aquele “spoke” talvez refira telefonemas, pois quando estava ao vivo com ela o meu pai preferia o “saw” ou o mais específico e satisfatório “went to the cinema with Amilosi and sat down near her”.
1937.
No desconhecimento objectivo de quem será aquela misteriosa donzela, há, no entanto, algo na leitura que nos faz suspeitar de uma proximidade com um tal Teles, nome que o meu pai cita constantemente e com quem refere ter estado, ter saído, ter conversado...
“Fomos, eu o Teles e o Rogério Teles para lá da estação beber uma célebre garrafa de champanhe acompanhada de pastéis de Vouzela...”
Só em 6 de Maio o mistério nos é desvendado:
“Fui à festa da Senhora da Saúde onde prendi uma Mademoiselle, Maria da Luz Teles I love you.”
e ficámos a perceber que a misteriosa Amilosi é, para além de irmã do companheiro e amigo Alfredo Teles, uma rapariga solidária e generosa:
“ I spoke to Amilosi who was no cravanço para os tuberculosos.”
A 12 de Maio, uma quarta-feira, o meu pai “asked her a photograph”, mas dessa fotografia, ou da simples informação sobre se o pedido foi correspondido, perdeu-se o rasto, assim como de Amilosi, uma vez que as raras entradas da agenda de 1937 após o Verão deixam de a referir de todo, como se com a chegada do Outono o vento tivesse começado a soprar noutra direcção. 

© Fotografia: Fotógrafo desconhecido, 1937.

17 março 2012

VOU-TE CONTAR: 47. TROCADO EM MIÚDOS


De todos os miúdos que, sentados ao redor do bispo, pasmam para a objectiva da máquina fotográfica com uma expressão entre o bovino ou o alucinado há um, único, que parece olhar para fora da fotografia como se afirmasse pela pose e pela expressão: o meu enquadramento não é este!
Reparem nele, no extremo esquerdo da fotografia, de pé, quando era de idade para estar no grupo dos sentados, encostado aos grandes e cabendo à justa na imagem como se chegara atrasado para a foto com a sua nova família. Aposto que a chapa foi tirada num Domingo, após a missa, e que o senhor bispo honrou muito os presentes ao posar com eles sob as esquálidas janelas do Seminário de Viseu.
Durante a longa vida do meu pai nunca pus os olhos nesta fotografia ou soube, sequer, da sua existência. Topei com ela, objecto único dentro de uma pasta de elásticos, ao arrumar os despojos do seu escritório, mais de dois anos eram passados sobre a morte dele, e já todos os papéis prioritários tinham sido catalogados; todas as fotografias dos álbuns de família rememoradas e postas a resguardo da humidade de uma casa que se estava a fechar para o mundo.
Ninguém sonhava que o meu pai tinha esta foto nem compreendia qual a razão por ser guardada longe dos olhares. Nunca vira uma imagem sua do tempo do seminário, o pouco que sabia da sua estadia de seis ou sete anos por lá contara-mo ele sem grande detalhe, de modo que foi um baque passar uns olhos surpresos por aquele rebanho sombrio e reconhecer de imediato a jovem ovelha tresmalhada em cuja face parecem dançar traços do meu sobrinho Gil, do meu filho.
Mais ou menos no Verão em que encontrei a fotografia descobri  duas agendas de que já por aqui falei (O mistério das agendas pretas) e cuja leitura me ajudou a compreender a direcção em que olharia o meu pai nesse Domingo a preto e branco de 1929 ou 1930 (teria ele os seus treze anos?), e em que só o olhar parece conseguir escapar ao que era o seu presente nessa manhã submersa.
O meu pai ficou sem mãe ainda criança e o meu avô viu-se a braços com dez filhos pequenos, dos quais sete inúteis seres do sexo feminino, não despacháveis de imediato. Nesses dias, as opções de futuro de uma mulher passavam sempre, se não fosse um coiro intransponível ou tivesse dote, pelo casamento e as de um macho por escolher entre cara ou coroa, que é como quem dizia escolher a cara de um militar ou a tonsura de um padre.
Encurralado, o meu avô paterno tratou logo de semear as raparigas mais novas pela casa das tias mais próximas e dois dos três rapazes foram endereçados ao seminário, um deles o meu pai. Cama, mesa, roupa lavada; educação garantida e futuro razoável; quanto à infância ainda por cumprir, o miúdo que a dobrasse e a metesse no saco...   
“Dia radioso! Aniversário natalício do Sr. Eduardo Serrano. Quantas belas recordações já não nos traz um relancear de olhos através destes 18 anos passados sobre a terra”, escrevia ele, na agenda de 1935, no dia dos seus 19 anos. Aniversário passado no seminário, sozinho, festejando-se a si próprio e desejando que o Verão chegasse depressa para se desforrar na caça, numa pescaria.
É, aliás, o mais vincado sentimento que deixa a leitura das páginas desse diário sucinto, registado em agenda comercial: a solidão de um rapaz que se foi fazendo sempre sozinho, pois o pai, nas visitas que faz a Viseu e aos seminário, é sobretudo para “encomendar 25 missas pela almas do Purgatório”. Com alegria, o meu pai regista as ocasiões em que passou por lá uma das irmãs mais velhas e lhe deixou um açafate de cerejas ou pêssegos e nunca, ao longo desse ano, uma única queixa ou sinal de desalento é passado a tinta.
Seriam características que manteria ao longo da vida, as de não se queixar dela; as de observar e celebrar com deslumbramento a natureza lá fora:
“7 de Março – O sol macio! O céu acrisolado como ainda não vi este ano. Houve missa cantada.”
Mas, nas entrelinhas dos registos, aos olhos de quem teve uma infância e juventude menos agreste, impressiona a solidão gelada dos dias daquela agenda, de quem só percebi o motivo para ter sido conservada quase no final da leitura: foi nesse ano de 1935 que o meu pai ganhou coragem e, sem uma mãe que amaciasse o terreno do embate, comunicou ao meu avô que não queria seguir o destino que este lhe tinha traçado, que não queria ser padre e que eram suas intenções completar o ensino liceal cá fora e aprender inglês!
Na agenda do ano de 1937 (a única outra que o meu pai conservou das suas décadas  juvenis), é também cristalina a razão pela qual a guardou o resto da vida, aninhada na gaveta do meio da sua secretária na casa do Porto. Ao chegar cá fora, já longe do bispo e das sotainas negras, o meu pai apaixonou-se e vai registando o seu enlevo em inglês.
Por quem? Ora, por quem! Leiam, Marco Aurélio, porra, está tudo nos clássicos!  

© Fotografias: (1) Foto Beleza, Viseu/Porto, 1929/1930[?]; (2) Pedro Serrano, Porto, 2010.

15 março 2012

FRANGO À PASSARINHO


Hoje, ao cair da tarde, estava eu tranquilamente a responder aos mails encalhados no computador, quando ouvi um restolho seguido de um grito, único e que me pareceu proveniente do aparelho sonoro de uma ave; não um pio, como seria de esperar em condições normais, mas um grito de uma aflição raiando o estertor.
Como sei o que a casa gasta olhei automaticamente para a janela em frente à mesa em que trabalho e onde, por trás de uma vidraça virada a sul, a Mia costuma estirar-se a gozar o calor da tarde e o morno remanescente do poente. O parapeito da janela quedava-se vazio.
Levantei-me de um pulo, abri a porta da rua e, por entre as minhas pernas, correu a Mia com uma pincelada amarela de penugem entre os dentes, na qual consegui reconhecer, de raspão, o nariz breve e ridiculamente aquilino de um periquito.
Como a situação era de aguda urgência, pensei rápido e num comportamento contrário ao que advogam as reportagens sobre o mundo animal do National Geographic Magazine, violando a regra do observador não dever interferir nas vicissitudes da selecção natural e da cadeia alimentar, fui buscar uma vassoura atrás da porta.
Entretanto, a Mia escondera-se debaixo da mesa da sala de jantar, pois a minha agitação deve ter-lhe cheirado mal. De vassoura em riste comecei de a tentar enxotar dali para fora, sendo o meu fito perturbá-la de modo a que abrisse os maxilares e o encalhado periquito pudesse levantar voo ou, pelo menos, se arrastasse para longe dos caninos da gata.
Sob a mesa, numa pose muito profissional, a Mia fazia slalom entre as pernas da mesa e das cadeiras, tentando evitar que o pau da vassoura lhe fosse assestado no lombo, desiderato que só atingi quando ela, disparada como uma seta, deixou o abrigo e fugiu em direcção à porta aberta. Mas, apesar das pauladas que lhe consegui acertar até à liberdade, ela manteve a boca bem cerrada e na qual o periquito se assemelhava cada vez mais a uma ave empalhada!
No quintal, por entre os laivos amortalhados e sanguinolentos do poente, ainda consegui amortizar-lhe uma derradeira batucada no lombo antes que saltasse por sobre o muro para casa da minha vizinha D. Luísa, com grande probabilidade a dona da defunta ave. Vencido, regressei a casa, arrumei a vassoura atrás da porta, pensei em ir tratar do jantar.
Agora é noite escura e a Mia borralha aqui ao lado, enrolada sobre o seu cobertor preferido, na poltrona mais próxima da lareira. Há instantes, inclinei-me sobre ela, cocei-lhe a cabeça. Abriu apenas um olho, ronronou um pouco, fremiu uma orelha e continuou no seu abençoado olvido, alheada de qualquer vestígio de vassoura ou periquito.
Como não come o que esventra e decapita, caçando apenas para me demonstrar que está em forma, suponho que o que resta do periquito deve estar a arrefecer nalgum canto sombrio do jardim, servindo de ceia a qualquer outro subnível da cadeia alimentar. 

© Fotografias de Pedro Serrano, (1) 2010; (2) 2011.

13 março 2012

MIRA, QUE PRECIOSO!


Gosto imenso desta foto, não sei é bem explicar as razões. Foi tirada na igreja de S. Francisco Xavier, em Goa, e tive a sorte de, estando sentado num banco do lado oposto, estar a focar alguma coisa que se encontrava por cima da moça. Quando a máquina deslizou para baixo, apanhei-a a virar a cabeça e aquele olhar valia ouro....
Na igreja de que falo, edifício com a imponência de uma catedral, está sepultado o próprio santo. Sepultado não é termo preciso, pois o que resta do homem não está sob nenhuma laje tumular, o corpo jaz envidraçado ao nível dos nossos olhos como uma bandeja de tíbias na montra de uma pastelaria.
Em 2003, quando estive na Índia com o Zé João, andámos a espreitar a relíqua, até comprámos uns postais alusivos. Mas este ano não me apeteceu ir rever o santo, pois, aos meus olhos a que falta transcendência mística, a imagem é um tanto sinistra. É que o homem deu o berro em 1552 e, apesar de bafejado pela santidade, podia bem estar na secção Antigo Egipto do Museu Britânico de tal modo se encontra carcomidinho.
Mas isto sou eu, que a fila para o ver, para tocar no caixilho (na Índia as pessoas passam a mão pelos ícones sagrados, gostam de um contacto físico com as imagens, de deixar deslizar uma mão carinhosa ao longo da figura – é bonito ver isso), a fila, dizia, é sempre imensa; começava nesse dia fora de portas e atravessava toda a imensa nave da igreja...
E a parte central desse cordão humano agitava-se um pouco mais do que as extremidades, dado ser constituída pela revoada de alunos de um qualquer liceu, trajados a preceito como em todas as escolas orientais; as raparigas de camisa branca engomada e saia azul-escuro com peitilho.
Em pleno exercício do dever escolar de visitar o santo, de ir tocar o vidro do sarcófago, a rapariga da foto olhou de repente para trás, em direcção à porta da igreja, com um olhar em que luzia vida e juventude, curiosidade pelo ruído forte  que se coava do mundo material.
Dali a uns minutos, supus, iria ser prendada com uma emoção forte quando a sua expectativa de santidade se confrontasse com a realidade da marca que o tempo deixa em qualquer um de nós. Bem, qualquer um de nós é como quem diz: olhem que para 460 anos o homem até está muito bem conservado! Não tenho dúvida, aliás, de que a Duquesa de Alba corroboraria a minha opinião.  
© Fotografias de: (1) Pedro Serrano, Goa, 2012; (2) Ana Rodrigues, Fort Cochin, 2012.

10 março 2012

OS ANEIS DE SATURNO

Algures durante a próxima semana, não estou seguro quanto ao dia, este blog atingirá os dois anos de existência. Compete-me agora suspirar, revirar os olhos, dizer:
“Meus Deus, como o tempo voa...”
Durante este dois anos, SEM COMPROMISSO.com teve cerca de 36.000 visitas e pôs no éter  crónicas curtas, contos, poemas, fotografias, músicas, pequenos filmes e outros textos avulso. Para os ouvintes potencialmente interessados aqui fica um resumo comentado dos textos que obtiveram mais sucesso, medido por um número de visitas superior a 170. Eis o top ( pode ler ou reler os textos clicando com o rato sobre o título):
1. Once Upon a Time: Na cozinha da tradução dos Lyrics 1962-2001 – 608 visitas. Texto que é uma espécie de visita aos bastidores da tradução para português da obra lírica de Bob Dylan, feita pela minha amiga Angelina Barbosa e por mim entre 2005 e 2008.
2. Hipótese Nula350 visitas. Este segundo lugar no top dá-me grande satisfação, pois trata-se de um poema, género habitualmente não muito querido dos leitores. Ainda por cima, este poema é um exercício que mistura linguagem científica e linguagem poética!
3. Mão Morta– 275 visitas. Conto médico baseado numa história real passada numa Angola em guerra civil.
4. Vou-te Contar: 22. Flagrantes da vida real– 267 visitas. Vou-te Contar é um folhetim em episódios em torno das casas onde morei e das pessoas que lá viveram, uma saga familiar. Este folhetim revelou-se um grande sucesso e vários episódios atingiram o rol dos textos mais lidos do blog. O episódio n.º 15 (Não há duas sem três),por exemplo, somou, até hoje (11 de março de 2012), 208 visitas.
5. Remédio Santo– 262 visitas. Conto passado num agreste inverno trás-montano e cuja trama gira em torno da verificação de um óbito feita numa manhã gelada e com lobos na paisagem.
6. E Esse Sono Que Não Desce– 246 visitas. Relato de um telefonema tardio sobre uma criança que não adormece e a ansiedade da sua estremosa mamã.
7. Calaram-se as Musas– 185 visitas. Obituário dedicado a Suze Rotolo, aquela que foi uma das namoradas mais queridas e a musa mais influentes na obra de Bob Dylan.
8. Finalmente, A Sua Coisa é Toda Tão Certa(com 172 visitas), uma aventura passada num cabeleireiro em Cabo Verde e contendo pormenores escabrosos sobre depilação íntima.
Para além dos textos citados, que podem ser lidos percorrendo a página principal de Sem Compromisso de cima para baixo, o blog contém ainda algumas páginas individualizadas, sobre assuntos específicos. Uma delas permite o acesso à versão integral do livro Coração Independente, livro editado em papel, mas que na sua versão electrónica foi acedido durante estes dois anos mais de 2.600 vezes. No Verão Fico Sempre Mais Nova, romance que publiquei na Amazon em Agosto de 2010 tem o seu primeiro capítulo divulgado na íntegra no blog e esse pedacinho foi visitado 655 vezes.
Antes de terminar, umas palavras rápidas sobre o perfil geográfico dos meus ouvintes. Quem são essas pessoas que vêm aqui espreitar? A sua grande maioria está em Portugal, em segundo lugar no Brasil e em terceiro lugar surgem leitores que residem nos Estados Unidos da América. Depois tenho leitores em vários países de África e da Europa e verificar que tenho gente que me visita da Polónia e da Indonésia deixa-me tão boquiaberto como se vislumbrasse um ouvinte girando nos anéis de Saturno, sintonizado no meu blog com o seu portátil nos joelhos.


Nota: Um agradecimento ao Ricardo Bonfocchi que foi quem me empurrou para esta aventura de criar um blog e, não contente com isso, me tem ajudado nos aspectos técnicos mais complexos que sustentam um empreendimento desta natureza. 

Imagens, de cima para baixo: (1) e (3) Fotografias de Pedro Serrano, Lisboa 2009; (2) L. Testut, livro de Anatomia Descritiva.

06 março 2012

UM MONÓLOGO DO CARALHO


Martin Schulz (presidente).
Com aquela quedazinha que os alemães têm para dizer aos outros como proceder, um senhor chamado Martin Schulz, um tipo que se entretém a fazer recortes de imprensa, passatempo que acumula com o de presidente do Parlamento Europeu, acusou recentemente Portugal de estar condenado ao “declínio”.
Segundo Schulz, esse declínio derivaria em grande medida da nossa atração por Angola e com o facto de o primeiro-ministro português ter visitado aquele país em busca de investidores para negócios luso-angolanos. Ora para Schulz isto é um crime de lesa-Continente, pois, para ele, não existe solução para Portugal fora do contexto europeu.
Penso que é fácil para todos nós perceber que o homem, para além de se estar a meter onde não foi chamado, nada percebe de Portugal e das suas muito velhas relações com África e, pior ainda, não sonha que a Europa está estafada e que Portugal faz muito bem em olhar para outros pontos do globo, particularmente para aqueles com quem convive há vários séculos como a África e a Ásia.
Quando este senhor alemão regurgitou estas pérolas de aconselhamento estratégico todo o Portugal lhe caiu em cima e quem não o fez explicitamente ficou, pelo menos, com vontade de lhe assentar umas boas laponas, especialmente os 150.000 portugueses que trabalham actualmente em Angola.
Houve, no entanto, uma excepção, alguém que bateu palmas ao que o homem disse, que saiu a terreiro para o defender e voltar a enfiar no micro-ondas da indignação o requentado prato do parecer impossível estarmos a manter relações com um regime tão corrupto e anti-liberdades-e-garantias como o é o do senhor José Eduardo dos Santos. A senhora que se pôs em bicos de pés para gritar ao mundo tudo isto é uma portuguesa e, em última análise, empregada do senhor Martin Schulz, pois é deputada no Parlamento Europeu onde, entre outras funções de destaque, desempenha as de “Membro da Delegação para as Relações com o Iraque”.
Uma nuance que quer o democrático presidente do Parlamento Europeu quer a exaltada dama (que recorda um pouco uma caricatura do Herman José) não parecem ter compreendido é a seguinte: Angola e o povo de Angola estão, na generalidade, gratos ao seu presidente José Eduardo dos Santos. Que chatice! Por muito imperfeito, por muito atrasado que esteja o país e que a corrupção seja um sério problema é sempre sensato comparar o que os angolanos têm hoje com o que tinham há apenas dez anos atrás. E o seu maior bem durante 30 anos foi uma guerra civil, com tudo o que isso acarreta: isolamento, morte, instabilidade permanente, destruição de cerca de 70 % das estruturas de saúde e de educação, fome, doença... Resumindo: a incerteza se no dia seguinte iam acordar vivos ou, quando muito, a solitária perspectiva de ignorar que nova desgraça se ia juntar às anteriores! Alguém imagina o que isto é?
“Eu agora só quero é tentar viver os anos que ainda tenho pela frente ...”, disse-me um dia uma angolana, num desabafo que traduz bastante fielmente o que se sente naquele país. Hoje o país está em paz, pode voltar-se a dar conta que o sol nasce, despedir-se com uma boa certeza de um “até amanhã”.
Ana Gomes (deputada parlamento europeu).
Há ainda dez anos Angola estava em guerra. Dez anos depois está a reconstruir-se, a crescer para além do que os portugueses lá deixaram, a modificar-se todos os dias, a dar trabalho aos angolanos e aos estrangeiros que procuram o país.
Por todos este bens, os angolanos estão gratos ao seu Zédu, uma vez que acabou com a guerra, pôs o país no mapa de África e até do mundo, pois, como se surpreende quem lida com eles, os angolanos são hábeis e duros negociadores quando se trata de negócios estrangeiros. Se tiver sorte, se lhe derem em paz os 30 anos que perdeu em guerra, talvez Angola venha a ser o país que sonha ser aquele povo orgulhoso. Daqui a três décadas José Eduardo dos Santos provavelmente já não será vivo, mas terá garantido um rodapé na História de África e não pelos piores motivos.
Entretanto, li-o hoje no jornal, a nossa efervescente deputada tem em mãos insignes desafios que, inequivocamente, marcarão o futuro da Europa: vai ser actriz e exibir para todo o parlamento europeu o seu papel na peça Monólogos da Vagina. Que não se engasgue em palco são os nossos votos sinceros.  

05 março 2012