13 março 2012

MIRA, QUE PRECIOSO!


Gosto imenso desta foto, não sei é bem explicar as razões. Foi tirada na igreja de S. Francisco Xavier, em Goa, e tive a sorte de, estando sentado num banco do lado oposto, estar a focar alguma coisa que se encontrava por cima da moça. Quando a máquina deslizou para baixo, apanhei-a a virar a cabeça e aquele olhar valia ouro....
Na igreja de que falo, edifício com a imponência de uma catedral, está sepultado o próprio santo. Sepultado não é termo preciso, pois o que resta do homem não está sob nenhuma laje tumular, o corpo jaz envidraçado ao nível dos nossos olhos como uma bandeja de tíbias na montra de uma pastelaria.
Em 2003, quando estive na Índia com o Zé João, andámos a espreitar a relíqua, até comprámos uns postais alusivos. Mas este ano não me apeteceu ir rever o santo, pois, aos meus olhos a que falta transcendência mística, a imagem é um tanto sinistra. É que o homem deu o berro em 1552 e, apesar de bafejado pela santidade, podia bem estar na secção Antigo Egipto do Museu Britânico de tal modo se encontra carcomidinho.
Mas isto sou eu, que a fila para o ver, para tocar no caixilho (na Índia as pessoas passam a mão pelos ícones sagrados, gostam de um contacto físico com as imagens, de deixar deslizar uma mão carinhosa ao longo da figura – é bonito ver isso), a fila, dizia, é sempre imensa; começava nesse dia fora de portas e atravessava toda a imensa nave da igreja...
E a parte central desse cordão humano agitava-se um pouco mais do que as extremidades, dado ser constituída pela revoada de alunos de um qualquer liceu, trajados a preceito como em todas as escolas orientais; as raparigas de camisa branca engomada e saia azul-escuro com peitilho.
Em pleno exercício do dever escolar de visitar o santo, de ir tocar o vidro do sarcófago, a rapariga da foto olhou de repente para trás, em direcção à porta da igreja, com um olhar em que luzia vida e juventude, curiosidade pelo ruído forte  que se coava do mundo material.
Dali a uns minutos, supus, iria ser prendada com uma emoção forte quando a sua expectativa de santidade se confrontasse com a realidade da marca que o tempo deixa em qualquer um de nós. Bem, qualquer um de nós é como quem diz: olhem que para 460 anos o homem até está muito bem conservado! Não tenho dúvida, aliás, de que a Duquesa de Alba corroboraria a minha opinião.  
© Fotografias de: (1) Pedro Serrano, Goa, 2012; (2) Ana Rodrigues, Fort Cochin, 2012.

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