Gosto imenso desta foto, não sei é bem
explicar as razões. Foi tirada na igreja de S. Francisco Xavier, em Goa, e tive
a sorte de, estando sentado num banco do lado oposto, estar a focar alguma
coisa que se encontrava por cima da moça. Quando a máquina deslizou para baixo,
apanhei-a a virar a cabeça e aquele olhar valia ouro....
Na igreja de que falo, edifício com a
imponência de uma catedral, está sepultado o próprio santo. Sepultado não é
termo preciso, pois o que resta do homem não está sob nenhuma laje tumular, o
corpo jaz envidraçado ao nível dos nossos olhos como uma bandeja de tíbias na
montra de uma pastelaria.
Em 2003, quando estive na Índia com o
Zé João, andámos a espreitar a relíqua, até comprámos uns postais alusivos. Mas
este ano não me apeteceu ir rever o santo, pois, aos meus olhos a que falta
transcendência mística, a imagem é um tanto sinistra. É que o homem deu o berro
em 1552 e, apesar de bafejado pela santidade, podia bem estar na secção Antigo
Egipto do Museu Britânico de tal modo se encontra carcomidinho.
Mas isto sou eu, que a fila para o
ver, para tocar no caixilho (na Índia as pessoas passam a mão pelos ícones
sagrados, gostam de um contacto físico com as imagens, de deixar deslizar uma
mão carinhosa ao longo da figura – é bonito ver isso), a fila, dizia, é sempre imensa;
começava nesse dia fora de portas e atravessava toda a imensa nave da igreja...
E a parte central desse cordão humano
agitava-se um pouco mais do que as extremidades, dado ser constituída pela
revoada de alunos de um qualquer liceu, trajados a preceito como em todas as
escolas orientais; as raparigas de camisa branca engomada e saia azul-escuro
com peitilho.
Em pleno exercício do dever escolar de
visitar o santo, de ir tocar o vidro do sarcófago, a rapariga da foto olhou de
repente para trás, em direcção à porta da igreja, com um olhar em que luzia
vida e juventude, curiosidade pelo ruído forte que se coava do mundo material.
Dali a uns minutos, supus, iria ser
prendada com uma emoção forte quando a sua expectativa de santidade se
confrontasse com a realidade da marca que o tempo deixa em qualquer um de nós.
Bem, qualquer um de nós é como quem diz: olhem que para 460 anos o homem até
está muito bem conservado! Não tenho dúvida, aliás, de que a Duquesa de Alba
corroboraria a minha opinião.
© Fotografias de: (1) Pedro Serrano, Goa, 2012; (2) Ana Rodrigues, Fort Cochin, 2012.
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