Por algum motivo eu ia à frente, fui o
primeiro a chegar ao cimo das escadas, ou do caminho íngreme, e à orla daquela
imensidão. Dali para a frente e, parecia que para todo o sempre, a água
estendia-se aos meus pés, mansa como a de um lago, transbordada de um azul que
cintilava à luz como escamas de peixe faiscando na lota.
“Vejam...”, disse para trás, com um
sorriso, ao meu pai e, depois dele, ao meu filho que chegavam por sua vez à
fímbria do mar. Em seguida, não sabendo muito bem como reagir àquela infinitude,
ajoelhei-me no último degrau da escada, inclinei-me e pousei a
testa no primeiro centímetro de água.
Dali para a frente e, parecia que para
todo o sempre, iniciava-se um passadiço que, como a estrada no cimo de um muro
de barragem, se estendia até perder de vista. De um lado e outro desse passeio
estreito o mar cintilante erguia-se até às bordas, ronronando, convidativo,
como um gato azul.
“Vamos?”, perguntei. Avançámos os três
por ali fora e logo o mar, de um lado e outro do caminho, avançou alegre sobre
nós, fazendo-me perceber que, se assim o quisesse, podia amplificar-se, erguer-se
e galgar os muretes laterais.
“Pai, sente-se antes aqui...”,
recomendei ao meu pai apontando-lhe a relativa protecção de uma coluna que se desenhava
no muro do nosso trajecto e onde, pensei, ele estaria mais protegido do bater
das ondas que começavam a levantar-se à nossa esquerda e direita.
A água chegou, morna, amigável, cruzou-se
sobre nós, mergulhando-nos até ao peito, encharcando-nos até à boca, e logo
passou, foi à sua vida de refluxo. Sentados no murete, os dedos das mãos
fincados nas bordas caiadas do tijolo, preparamo-nos para a segunda vaga que já
se formava, amigável, constante e azul como a anterior, mas, na sua inteligência
abstracta, na sua existência bruta, pressentia a possibilidade de – não
talvez na próxima onda, mas numa das seguintes – sermos arrastados dali para
fora e para um destino em que deixaríamos, de repente, de saber uns dos outros.
Depois acordei cheio de sede.
© Fotografia de Pedro Serrano, Goa 2011.
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