Enquanto ia deitando um olho ao
nitidíssimo recorte das Berlengas, alinhadas no horizonte como um puro
prolongamento da península de Peniche, li no jornal que a Imperial vai relançar
as máquinas de furos Regina.
Quando essas máquinas me faziam tremer
interiormente com todos os tiques do jogador dependente, tinha menos de uma
dúzia de anos de idade e a Imperial respondia pelo mundo dos chocolates
foleiros, sendo a Regina o crème de la crème da produção chocolateira nacional.
Quem não se lembra da enjoativíssima tablete com sabor a ananás? Ou do Coma Com Pão, um chocolate recheado com
uvas passas e a que ninguém passava sequer pela cabeça acompanhar de pão ou
broa? Ou as maravilhosas barras, embaladas em orientais acabamentos vermelho e
ouro, de extremidades cortadas num ângulo inesperado?
Bem, os tempos mudaram, a Regina faliu
e foi comprada pela Imperial que se sofisticou e resolveu recuperar as
imaginativas variedades da velha Regina.
E vão reaparecer, com design similar,
as máquinas de furos! Que milagre! Tenho a certeza que os miúdos de hoje vão
ficar tão fascinados como os de
antigamente, pois o princípio encerra uma tentação que ultrapassa os tempos e o
entendimento:
Há uma placa de cartolina semeada de
bolinhas e a cada bolinha corresponde um número e a cada número corresponde
sempre um chocolate, só que a gente não sabe qual será... Então, há uma espécie
de chave de fendas (presa à placa numerado por um cordão) com que o trémulo
jogador fura um dos círculos que ainda não estão furados, esperando que lhe
saia o seu chocolate preferido ou, sonho dos sonhos, o primeiro prémio: uma
caixa de bombons que vale muito mais do que o preço que se pagou para ter o
direito a um fura!
Ao apunhalar-se o círculo, uma bolinha
de plástico numerada (à semelhança do que acontece nos jogos da Santa Casa que
a Serenella Andrade apresenta na TV há uns 250 anos), cai num pequeno corredor
envidraçado, descodificando o que nos coube em sorte.
É óbvio, o jogador experiente, tenha 8
ou 80 anos, sabe-o de cor e salteado, que a maior parte dos chocolates por trás
dos números são tabletes modestas, daquelas magrinhas em que os bordos são mais
altos do que o centro... Mas que importa? Enquanto a gente vasa na língua o
doce sabor, sente o consolo que é de esperar num chocolate e vai sonhando que,
quando voltar a ter dinheiro para um novo fura, lhe poderá então sair o grande
prémio, pois faz parte do contrato esse primeiro prémio poder saltar-nos para
os braços a qualquer momento, mesmo antes da última bolinha ter resvalado no
mostrador da sorte.