18 novembro 2018
09 novembro 2018
ICH WEISS NICHT WAS SIE SAGEN (Não sei do que estão a falar)
Embora
afirme ter mais de trina anos de “vida pública”* José Silvano
(secretário-geral do PSD) parece desconhecer algumas regras que norteiam essa
mesma função, pelo menos para os vulgares mortais que nela trabalham. Aqui, na
função pública, o que acontece a quem faz o que fez, é ser sujeito à
instauração de processo disciplinar por – alegadamente, não posso esquecer – ter
falsificado um registo de assiduidade e por ter lesado o chamado erário público
ao receber dinheiro que não lhe era devido. As consequências podem ir da falta
injustificada à suspensão ou expulsão da função, depende.
Mas o
senhor parece não só ignorar o enquadramento do que, repetidamente, praticou
mas, numa “relação dinâmica entre eleito e eleitores”, para parafrasear
Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, ainda tenta convencer os parvos de
que é alheio a quem marcou presença por ele, como se vulgar fosse contar com um
anjo da guarda que vela e se apressa a pôr a cruzinha no registo, mesmo sem que
lhe seja pedido. Ó mundo maravilhoso: ele nem queria, mas alguém que conhecia a
sua palavra-de-passagem o fez... “Não, não faças isso, podes-te prejudicar,
podes-me prejudicar...”, admite-se até que possa ter pensado, infelizmente
tarde demais. É lindo, assistir a esta partilha, esta solidariedade nos apertos
da chatice de ter de estar no emprego para receber um subsídio de presença.
E
aquilo que é, para o rebanho, motivo de sanção, torna-se, para as rarefeitas
personagens que nos gerem e representam, uma “mera questiúncula”, um pormenor que diz somente respeito aos
serviços administrativos da Assembleia da República. Ele, José Silvano, o
próprio, magnânimo, já mandou, inclusive, pedir que lhe marquem as faltas, vai
devolver o dinheiro recebido..., que “é também isto a democracia”, como logo inferiu
Negrão.
Alegremente,
Rui Rio, vai assinando por baixo, desvalorizando, mantendo confianças, dando
tiros nos sapatos e conduzindo mais fundo o PSD na insignificância em que se
encontra.
* Alguns cargos exercidos por José Silvano segundo o
site da Assembleia da República:
Comissão Eventual para o
Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas [Coordenador GP na
Assembleia da República] / Presidente da Câmara Municipal de Mirandela /
Presidente da Assembleia Municipal de Mirandela / Provedor da Santa Casa de
Misericórdia de Mirandela / Presidente da Assembleia Geral das Águas de
Trás-os-Montes / Deputado da Assembleia da República / Presidente do Conselho
de Administração do Hospital Terra Quenta, S.A. / Presidente do Conselho de
Administração do Complexo Agro Industrial do Cachão / Presidente da Associação
de Municípios da Terra Quente Transmontana / Presidente do Conselho de
Administração da Empresa Resíduos do Nordeste / Diretor Executivo da Agência do
Desenvolvimento Regional do Vale do Tua / Presidente do Conselho de
Administração dos Serviços Municipalizados de Mirandela / Presidente do
Conselho Local da Ação Social / Presidente do Conselho Local de Educação /
Presidente do Conselho de Administração da Escola Profissional de Arte de
Mirandela / Presidente do Conselho Fiscal do Sport Clube de Mirandela / Membro
do Conselho de Administração do GAT.
Classificação:
SOCIEDADE
06 novembro 2018
Leonard Cohen: A chama e o fogo (a propósito de um livro póstumo)
Sure it failed my little fire
But it’s bright the dying spark.
Dois
anos redondos após a sua morte (7 de novembro 2016) foi posto à venda um novo
livro de Leonard Cohen. Na impossibilidade de o pai o ter feito em tempo útil, The Flame teve o título escolhido pelo
seu filho Adam, que justifica a escolha invocando algumas das palavras mais
usadas pelo pai ao longo da sua vida de cantor, poeta e escritor: fire, flame, naked, broken. Não restam dúvidas de que foi
bem achado, basta recordar o modo como Cohen se referia à vida e ao seu
carácter de derrota invencível (invencible
defeat), convicção reencontrada, com um aperto na garganta por quem lê o
refrão de ‘What Happens to the Heart’, poema que abre The Flame e datado de 24 de
Junho de 2016, a uns escassos quatro meses da morte do autor: Sure it failed my little fire/But it’s
bright the dying spark.
The Flame segue uma estrutura semelhante
à de outros livros de Leonard Cohen, como Stranger
Music (1993) e The Book of Longing
(2006), e contém poemas, letras de canções, autorretratos e desenhos,
encerrando-se, por desejo do autor, com o belo texto do discurso de aceitação
que fez, em Outubro de 2011, ao receber o prémio Príncipe das Astúrias.
Os
poemas, em número de 64, ocupam a primeira parte, sendo a segunda preenchida
pelas letras das canções dos últimos três álbuns de estúdio gravados (Old Ideas, 2012; Popular Problems, 2014; You
Want it Darker, 2016), bem ainda como pelas letras da dezena de canções que
escreveu para o CD Blue Alert (2006),
de Anjani Thomas, a última companheira da sua vida e voz recorrente nos coros
de vários dos seus discos desde 1984.
Quanto
aos desenhos e autorretratos, foram sabiamente entremeados ao longo do livro e
alguns deles remontam às suas estadias no modesto hotel Kemps Corner, em Mumbai,
onde Leonard Cohen ocupava regularmente o quarto 215 durante as suas sessões de
aconselhamento espiritual na Índia.
A
última parte do livro é ocupada maioritariamente por entradas e registos dos
numerosos cadernos de notas mantidos por Mr. Cohen, a que se somou também
alguma troca de correio electrónico, mormente o último mail que, na véspera da morte, escreveu agradecendo a recepção de
fotos dos filhos da sua ex-mulher, a actriz Rebecca de Mornay.
Anjani Thomas na cozinha de Leonard Cohen (foto Lorca Cohen) |
Aliás,
ao longo das páginas de The Flame, em
versos de poemas ou notas dos cadernos, vão sendo citadas pessoas que foram
importantes na vida de Leonard Cohen, como se – e isso é consistente com a
tendência para explicitar agradecimentos dos seus últimos anos – quisesse
deixar o rasto dessas menções em herança: nelas constam os nomes de Annie (Georgianna
Anne Sherman, o seu primeiro amor adulto), Nico (um amor frustrado da época da
Factory de Warhol e do Chelsea Hotel), Marianne Ihlen (a norueguesa da canção
homónima), Anjani, Bob Dylan (de quem Cohen era admirador confesso) e Roshi (o
seu mestre zen japonês). Mas nem só pessoas
parece Mr. Cohen querer relembrar ou despedir-se de: um dos poemas louva, com
humor, a ajuda de um novo antidepressivo e duas das entradas das notas em
cadernos sublinham a gratidão à Grécia, onde viveu sete anos, uma delas para
afirmar que “não podia escapulir-me sem vos dizer que morri na Grécia, fui
enterrado naquele lugar onde o burro é amarrado à oliveira, sempre estarei lá”.
Apesar de póstuma e de
parte do conteúdo não ser inédito, a totalidade da obra, desde os poemas aos
desenhos e às notas dos cadernos, foi escolhida e acompanhada por Leonard Cohen
e constituiu o seu último trabalho em vida ao longo do penoso Verão de 2016,
como se fica a saber pelos prefácios e posfácios que acompanham o livro, assinados
por pessoas que lidaram intimamente com o autor nos últimos dias.
The Flame foi editado em Outubro de
2018, simultaneamente no Canadá, pela Penguin Random House, nos Estados Unidos,
por Farrar, Strauss and Giroux, e em Inglaterra, pela Canongate.
Ao lado: fotografia da contracapa de The Flame, da autoria de Joel Saget.
Classificação:
LEONARD COHEN
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