Sure it failed my little fire
But it’s bright the dying spark.
Dois
anos redondos após a sua morte (7 de novembro 2016) foi posto à venda um novo
livro de Leonard Cohen. Na impossibilidade de o pai o ter feito em tempo útil, The Flame teve o título escolhido pelo
seu filho Adam, que justifica a escolha invocando algumas das palavras mais
usadas pelo pai ao longo da sua vida de cantor, poeta e escritor: fire, flame, naked, broken. Não restam dúvidas de que foi
bem achado, basta recordar o modo como Cohen se referia à vida e ao seu
carácter de derrota invencível (invencible
defeat), convicção reencontrada, com um aperto na garganta por quem lê o
refrão de ‘What Happens to the Heart’, poema que abre The Flame e datado de 24 de
Junho de 2016, a uns escassos quatro meses da morte do autor: Sure it failed my little fire/But it’s
bright the dying spark.
The Flame segue uma estrutura semelhante
à de outros livros de Leonard Cohen, como Stranger
Music (1993) e The Book of Longing
(2006), e contém poemas, letras de canções, autorretratos e desenhos,
encerrando-se, por desejo do autor, com o belo texto do discurso de aceitação
que fez, em Outubro de 2011, ao receber o prémio Príncipe das Astúrias.
Os
poemas, em número de 64, ocupam a primeira parte, sendo a segunda preenchida
pelas letras das canções dos últimos três álbuns de estúdio gravados (Old Ideas, 2012; Popular Problems, 2014; You
Want it Darker, 2016), bem ainda como pelas letras da dezena de canções que
escreveu para o CD Blue Alert (2006),
de Anjani Thomas, a última companheira da sua vida e voz recorrente nos coros
de vários dos seus discos desde 1984.
Quanto
aos desenhos e autorretratos, foram sabiamente entremeados ao longo do livro e
alguns deles remontam às suas estadias no modesto hotel Kemps Corner, em Mumbai,
onde Leonard Cohen ocupava regularmente o quarto 215 durante as suas sessões de
aconselhamento espiritual na Índia.
A
última parte do livro é ocupada maioritariamente por entradas e registos dos
numerosos cadernos de notas mantidos por Mr. Cohen, a que se somou também
alguma troca de correio electrónico, mormente o último mail que, na véspera da morte, escreveu agradecendo a recepção de
fotos dos filhos da sua ex-mulher, a actriz Rebecca de Mornay.
Anjani Thomas na cozinha de Leonard Cohen (foto Lorca Cohen) |
Aliás,
ao longo das páginas de The Flame, em
versos de poemas ou notas dos cadernos, vão sendo citadas pessoas que foram
importantes na vida de Leonard Cohen, como se – e isso é consistente com a
tendência para explicitar agradecimentos dos seus últimos anos – quisesse
deixar o rasto dessas menções em herança: nelas constam os nomes de Annie (Georgianna
Anne Sherman, o seu primeiro amor adulto), Nico (um amor frustrado da época da
Factory de Warhol e do Chelsea Hotel), Marianne Ihlen (a norueguesa da canção
homónima), Anjani, Bob Dylan (de quem Cohen era admirador confesso) e Roshi (o
seu mestre zen japonês). Mas nem só pessoas
parece Mr. Cohen querer relembrar ou despedir-se de: um dos poemas louva, com
humor, a ajuda de um novo antidepressivo e duas das entradas das notas em
cadernos sublinham a gratidão à Grécia, onde viveu sete anos, uma delas para
afirmar que “não podia escapulir-me sem vos dizer que morri na Grécia, fui
enterrado naquele lugar onde o burro é amarrado à oliveira, sempre estarei lá”.
Apesar de póstuma e de
parte do conteúdo não ser inédito, a totalidade da obra, desde os poemas aos
desenhos e às notas dos cadernos, foi escolhida e acompanhada por Leonard Cohen
e constituiu o seu último trabalho em vida ao longo do penoso Verão de 2016,
como se fica a saber pelos prefácios e posfácios que acompanham o livro, assinados
por pessoas que lidaram intimamente com o autor nos últimos dias.
The Flame foi editado em Outubro de
2018, simultaneamente no Canadá, pela Penguin Random House, nos Estados Unidos,
por Farrar, Strauss and Giroux, e em Inglaterra, pela Canongate.
Ao lado: fotografia da contracapa de The Flame, da autoria de Joel Saget.
Não importa o pretexto, nunca é demais lembrar Cohen, injustamente preterido, no caso do Nobel, por Bob Dylan. E esta minha opinião, note-se, em nada colide com o facto de eu ser um admirador confesso de Bob Dylan.
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