27 janeiro 2021

GASES RAROS

Hoje, começo com uma parábola e termino com um conselho, ambos têm a assemelhá-los a volatilidade e os seus perigos.

1. A família Pisco andava, há que tempos, para aderir ao gás de cidade, pois o sistema da mudança da botija, o ter de telefonar ao homem da carrinha, o ficar sem gás a meio da ensaboadela, andava a fazer pressão no agregado.

"Ó Luís, já ligaste para a companhia por causa do gás?", perguntava a mulher de dois em dois dias.

"Telefono prá semana, prá semana isto deve ficar resolvido."

"Vê lá se te mexes! É que já não se pode tomar banho e lavar louça ao mesmo tempo! Ainda ontem a Marta se pôs aos gritos no chuveiro, que o débito descaiu ou não sei quê!"

"Na quinta-feira trato disso..."

E o tempo foi passando e uma noite a mãe Pisco descobre que o piloto do gás está a lançar uns assobios pevidosos, a recordar a fala do Cavaco Silva, sinal de que o precioso elemento se está a finar. Grita ela para dentro:

"Ai Luís, o gás vai-se acabar!"

Mas o pai Pisco era um homem previdente, trabalhava até como especialista em logística e planeamento numa firma de aparelhos ortopédicos e, de imediato, saltou do sofá e resolveu o assunto: recomendou a Marta que acabasse o banho em água-fria, ao filho que fosse jantar ao vizinho do lado, e à mulher que aquecesse três salsichas em lume brando.

"Reconheço que é desconfortável", mas daí não virá mal ao mundo", afirmou com o seu ar de Pai-Natal consolado. "Seria bem pior se estivéssemos a braços com oxigénio a falhar num hospital, como em Manaus!"

 O pai Pisco, também conhecido como O Mirante.

2. Despachada a parábola, passemos a coisas práticas e menos embaraçosas, e baseado no simples, elementar e muito valioso, princípio da precaução em Saúde Pública (ou privada) deixe que lhe sussurre ao ouvido o seguinte: desfaça-se já dessa máscara social/comunitária que tem vindo a usar (apesar de certificada pela indústria têxtil que a produziu; apesar de conter um produto que arrasa os vírus mal eles pousam) e adquira, passe a usar, uma máscara em condições. E máscaras em condições são aqueles que os profissionais sempre usaram: as cirúrgicas (para mudar todos os dias), as bico-de-pato (N95; ou FFP2) ou mesmo os respiradores usados por quem trabalha com pesticidas ou outros produtos tóxicos (N99; ou FFP3). Estas máscaras proporcionam-lhe uma protecção que varia entre os 90 e os 99 % e os seus efeitos defensivos estão mais que estudados e comprovados. Ou porque acha que são usadas há décadas e décadas por quem não brinca em serviço?  

Perco algum tempo a falar nisto por dois motivos principais: primeiro, pois andam por aí variantes do Corona à solta que são muito mais contagiosas (a inglesa, a brasileira, a da áfrica do sul) e algumas até mais mortíferas. Isto significa que o vírus se pode transmitir agora com maior facilidade e rapidez, pelo que todos os meios para evitar o contacto com ele se devem reforçar ou melhorar. Em segundo lugar, e ao contrário do que aconteceu em Março/Abril, agora há máscaras das que recomendo (FFP2 e FFP3; cirúrgicas) em quantidade no mercado (farmácias; lojas; Internet). Aproveite, mas certifique-se do que compra e que verificou, impressas na embalagem ou na descrição do produto, as designações N95/FFP2, ou N99/FFP3.

Já se sabe que embora em todo o mundo civilizado se comecem a adoptar estas precauções de mais apurado rigor com as máscaras que se escolhem para enfrentar as mudanças na pandemia, o nosso Ministério da Saúde, e particularmente a DGS, não se pronunciam em nenhum sentido sobre o assunto, continuam à espera que alguém lhes mande dizer o que fazer, que, por cá não se pensa, copia-se, tarde e mal, basta considerar as mudanças constantes nos destinatários do Plano de Vacinação anti-Covid19 ou os hospitais que ficam sem oxigénio, de repente, como em qualquer outra república das bananas. De resto, a nossa DGS não pode ser acusada, neste aspecto, de incoerência: sempre acarinhou a atitude anti-máscara e quem quiser recordar os penosos antecedentes basta-lhe ir ao YouTube para rever as declarações iniciais sobre o perigo que seria usar estes trapos imundos, que para nada serviam! Apesar de terem tido que engolir todas as declarações sobre o assunto, outro fenómeno governamental bastante frequente em Portugal e que tem feito subir exponencialmente as vendas de omeprazol, quer a Dr.ª Graça quer a Dr.ª Marta torcem sempre os respectivos narizinhos quando são obrigadas a falar nessa ovelha-negra chamada "máscara de protecção facial". Que é apenas um meio complementar, como os outros, enruga-se Temido, enxofrada; e é ainda possível percorrer centenas de km de uma autoestrada sem encontrar um dos múltiplos placards com  conselhos da DGS que se refira a máscaras, pois preferem gastar os caracteres electrónicos sobre as nossas cabeças com o lavar das mãos, o distanciamento e o espirro para o cotovelo. Ah, será naquele placard que se aproxima do nosso automóvel? Não, aquele diz: "ANIMAL NA VIA A 5 KM". Que se há-de fazer, as máscaras é um assunto que as chateia!


Marta, na versão Oxigenada.
3. Quanto à excelência do nosso planeamento na Saúde, em planos de contingência, vibrei ao ver, ontem, na TV a indignação da nossa ministra quando uma jornalista a acusava disso mesmo "ausência de planeamento e estratégia" nesta matéria da pandemia. Foi aos arames, a responsável, e vociferava que a afirmação da jornalista era "criminosa, criminosa!". E refutava com os hospitais, e os serviços hospitalares, mas aí o povo ignorante está careca de saber que esses fazem o que podem, mais do que o que podem, e pensam antecipadamente; por vezes até desobedecem a Lisboa, os safados. Que remédio: é em cima deles que cai tudo. Mas não era ao planeamento de quem cuida que a jornalista se referia, mas sim, e antes, ao planeamento, à estratégia, às medidas de antecipação dos Serviços centrais do Ministério da Saúde, onde coroa o gabinete da entrevistada. E nesse caso, se fosse à senhora ministra, começava a pensar de outro modo nessa palavra que usou para invectivar a jornalista (criminoso, criminoso!) e, como um espelho, a virasse para se tentar rever a si própria. É que um dia destes, quando a coisa acalmar e chegar o tempo de lamber feridas, haverá, com toda a certeza, quem se vá entreter com isso.

Nota: A foto de cima ainda não foi tirada na Amadora, mas sim na América do Sul.

 

23 janeiro 2021

O FADINHO DA VARIANTE

Esta desbragada lata de nos virem com a variante inglesa do Corona como fundamentação para atrasar decisões decisivas é de ir às lágrimas. Usando uma analogia, seria como alguém pedir uns dias para escolher se comprava um carro amarelo ou vermelho para se espetar contra um muro. Ou como se um fumador lesse a notícia de que fumar provoca cancro e continuasse a fumar para verificar se isso era verdade.

De facto, tanto se dá que a variante do vírus seja a inglesa, a sul-africana, a brasileira, a do costume ou a da Baixa da Banheira. Tecnicamente, tanto faz; em termos de intervenção em Saúde Pública, tanto faz. Independentemente se é uma ou outra a dominante, temos um número de novos casos diários de doença impressionante (o pior do mundo), um número de mortes diário assustador (o segundo pior do mundo) e este bando que improvisa na governação da República ainda tem o topete de nos vir dizer que precisavam de mais tempo para decidir como remediar a asneira que provocaram no Natal ao não restringir totalmente as Festas e ao não conseguir prever e acautelar atempadamente o estado de espírito que isso provocou na população, a qual, perante tanta bonomia e pai-natalice do primeiro-ministro e do presidente, se considerou moralmente autorizada a continuar com o mesmo à vontade festivo ao longo das celebrações do Ano Novo. Ao arrepio do que fez todo o mundo civilizado e da Europa que tanto gostamos de invocar. O resultado viu-se, está a ver-se e ainda se há-de ver mais, pois os mortos continuarão a assombrar-nos nas próximas semanas.

E de onde virá o grande mistério de sermos o único país da Europa com tal quantidade e crescimento de casos da nova variante inglesa? Porque será que isso não aconteceu tão exuberantemente noutros locais do mundo? Será pela Inglaterra ser a nossa aliança mais antiga, aquela costela de proximidade que adoramos invocar desde a Idade Média? Não, caros leitores, a razão é dura e transparente como cristal: é que enquanto toda a gente se confinou e fechou portas no Natal, proibiu transportes e voos vindos de Inglaterra, nós, por cá, recebemos todos os compatriotas dessas bandas que quiseram vir ver as luzes e comer o bacalhau, e os turistas ingleses continuaram a chegar (e à Madeira, por onde a variante entrou no país em primeiro lugar) na maior das descontrações. Um convívio porreiro, para citar Tino de Rans. É esse o segredo, pouco tem de complexo ou científico até, basta pensar que 2 mais 2 igual a 4. 

Dias e dias após o desastre, após a desgraça se avolumar, como o Adamastor, sobre o nosso pobre cantinho, os nossos governantes andaram por aí a valsar, a tanguear, a decidir se tomavam medidas mais confinantes, se fechavam as escolas ou não, apesar dos apelos desesperados dos profissionais de saúde, dos autarcas, até das associações de pais! Não, eles, os eleitos, é que sabiam, havia um tempo para tudo e o primado da técnica já era, como afirmou, trumpianamente e muito cheio de si na TV, Lacerda Sales, o ex-médico, agora convertido em secretário de estado da saúde e em burocrata de turno. Não, eles é que sabiam como e quando fazer o que era necessário, embora mal sonhassem os contornos da realidade. E ao lado de Sales, no mesmo enquadramento, igualmente convencida nas suas tamancas de saltos altos, uma qualquer secretária da educação ia papagueando a sociologia de pacotilha sobre os coitados dos meninos que só comiam uma refeição decente estando na escola; por isso elas não podiam fechar. Isso apesar da presidente da Câmara do concelho que os dois governantes se tinham dignado visitar, garantir, à beira do desespero corajoso, que isso, da fomezinha, não seria um problema, que a autarquia tinha meios para fazer chegar comida a quem precisasse.

Menos de 24 horas depois, fecha tudo, afinal, de repente, e a culpa é de quem? Do Governo? Não, claro, que esses até estão dispostos a admitir erros, embora não elenquem consequências práticas desse assumir. A culpa é da variante inglesa, que subiu por aí acima, a malvada, sem se dignar ter a delicadeza de pedir licença ao Santos Silva, que é o responsável pelas coisas com o estrangeiro e não proibiu nunca um avião inglês! Isto não é reciprocidade, porra, não é proporcionalidade, há que lavrar um veemente protesto e mandar ao despenteado do Boris.

É esta incompetência, esta incapacidade de aprender com o passado recente e com os erros anteriores (vide primeira vaga e primeiro confinamento), este navegar à vista mas só com um olho, como o Camões nos seus piores dias de maresia, que todos temos de aturar, e não adianta protestar, não adiantam argumentos nem demonstrações, nem a estupefação do resto do mundo quanto ao que acontece ao bom aluno, à terra do milagre Eles, os eleitos, é que são investidos com a sabedoria e, perante a raiva que vai trepando pelas paredes e saindo às ruas, ainda se admiram com fenómenos como os de André Ventura, um nome que, nos círculos esclarecidos, é de mau-gosto pronunciar, como se valesse negar a realidade ou tapar o sol com a peneira. Pobres peneiras, estão tão esfarrapadas de ser falsamente usadas, tão remendadas, como a grande conquista do 25 de Abril, o famoso SNS, mostrado nos discursos como um velho urso amestrado de circo. Vá lá, SNS, levanta-te nas patas de trás e dá um ar da tua graça, que a senhora Ministra anda a precisar que a animem, coitada, já se cansou de ralhar com os portugueses, já mostrou demasiados frascos de vacinas para o retrato e essa já não pega. De resto, não mostra ideia do que fazer, como se tem visto, e ultimamente, por falta de ideias, agarrou-se até, como o Camões ao manuscrito dos Lusíadas, ao novo conceito, invocado pela Ordem dos Médicos, para o desempenho na Saúde: a medicina de catástrofe, que já se anda a praticar por cá como se fossemos um país em guerra ou vítimas de um tsunami.

A carrinha de transporte de vacinas (deitada).

Quanto à DGS, também parece ter posto o optimismo maquilhado no prego, quase desapareceu dos ecrãs e dos comentários, e quando se mostra não é pelas razões mais conducentes a apontar medidas tomadas, dar bons conselhos, ou a tranquilizar a população. Depois das compotas, o novo negócio dessa casa parece ser agora o encaixotamento e as mudanças, pois fizeram saber ao público que andam a inquirir os cangalheiras sobre se se estão a aguentar ao bife com tanta procura. Uma notícia da maior utilidade para quem, aflito, está lá em casa, diga-se, quase tão útil como vir discutir para a praça pública se o presidente de um lar deveria ser vacinado ou não, assunto da maior premência nacional e dando direito a declarações e respectivos desmentidos.

E, em tudo isto, o que é feito dos mordomos de serviço? Estarão eles calados, nestes tempos duros, confusos e ingratos para os portugueses? Seria bom, não acham? Mas não, lá vem o Cabrita clamar a grande festa da democracia que foi a eleição antecipada nas presidenciais, com bichas de gente a trocar entre si as novas e as velhas variantes: "Queres trocar a minha inglesa pela tua sul-africana?". 

E lesta como um milhafre, eis que surge nos céus revoltos Ana Catarina Mendes, a lulu do PS, a desancar o médico Ricardo Baptista Leite, que, destroçado por uma urgência em que trabalhou no que ninguém gosta, desabafou nas redes sociais que nunca vira tanta gente morrer num só turno de trabalho... Que não, veio logo a outra, a partir da sua cadeirinha em casa e depois de ir escarafunchar estatísticas ao hospital em causa. Teve azar, coitada, acabou desmentida pelo próprio conselho de administração da instituição de saúde.

Mas nem tudo está a correr mal, por isso não desanimem com este texto algo descrente. A vacinação anti-Covid19 segue a toda a velocidade, uma velocidade tal que uma carrinha de transporte de vacinas se despistou numa autoestrada, tendo nós, lá em casa, ficado sem saber se os frascos se partiram e se o asfalto estaria a menos 70 graus e em condições de os receber condignamente. 

 

 

  

04 janeiro 2021

MAÇÃO? QUE MAÇADA!

Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
1, 2, 3, 4. Três secretários de estado e um ministro. Uma ministra e três secretários vão estar hoje em Cardigos, Mação, lá na ponta do distrito de Santarém, quase já no limite do distrito de Portalegre, ou seja: atrás do sol-posto. Já lá estive, está-se sempre à espera de ver o cu ao Judas a qualquer instante. Grande coisa se deve passar por lá, pensará o mais ingénuo, vibrando na esperança de que a insigne comitiva esteja relacionada com o arranque, a primeira pedra, de qualquer grande empreendimento que desenvolva o interior desértico e queimado pelo incêndios que caracteriza a zona. Uma nova área industrial, um campus, uma linha de TGV, um call-center, um novo Fozcoa, sei lá... Desengane-se, caro ingénuo. Como parece não terem nada com que se ocupar nos respectivos ministérios, os quatro governantes vão observar uma meia-dúzia de infelizes velhos a ser picados contra o Covid19. O número total de vacinados será maior, eu sei, aos quatro é que basta a meia-dúzia, o tempo de ficar na fotografia, talvez, inspirado, um deles pergunte a um dos velhinhos se está feliz, mas ele não ouviu, pois embora o tenham escovado e enfiado num pijama lavado, esqueceram de lhe ligar o Sonotone. E, depois, os quatro, escalonados segundo a hierarquia, sorrirão para as TV, dirão que é um dia de esperança, falarão na luz ao fundo do túnel
 A ministra e Rita Mendes, a amiga Secretária de Estado da Acção Social.
, no empenho do Governo, antes de se enfiarem nos carros e voltarem a Lisboa. Cardigos, Mação, porra! Como é que um sítio daqueles foi parir um Juiz Carlos Alexandre?! Nem um lugar decente para se comer um petisco, existe.
 

Regressarão satisfeitos, foi fácil, apesar de algo maçador, que não há autoestrada mesmo até lá! Mas, tudo contado, não deu assim tanto trabalho: as vacinas chegaram porque a Europa tratou das encomendas, dos contratos e da distribuição pelos países, e até o dinheiro da compra acabará por ser pago por eles, após alguma trasfega de papelada, um autêntico circuito fechado. Correu bem! Mas, mesmo assim, foi preciso alguma coragem para ir àqueles lares... É que locais daqueles, para além do cheiro pouco recomendável, do ar confinado, são um autêntico vespeiro de Covid19 e os velhos estouram como castanhas esquecidas ao lume... Deve ser mais perigoso estar ali, mesmo que por pouco mais do que cinco minutos, do que no meio da nova variante do vírus que os ingleses descobriram! A ministra do

Duarte Cordeiro, Secretário de uma coisa qualquer.
Trabalho, Solidariedade e Segurança social até evitou respirar enquanto lá esteve (com a máscara ninguém dava conta da boca e do nariz aferrolhado); é certo que lhe chegava um pouco menos de oxigénio ao cérebro, mas também não lhe fez grande falta. Felizmente, não era a ela que cabia resolver o mistério do desastre actual e crónico dos lares; explicar tanto caso, tanto surto, tanta morte, pois que o vírus não medra de geração espontânea, alguém o deve estar a meter lá dentro... Mas podia poupar no latim, que o gajo das Misericórdias já tinha vindo explicar que em Inglaterra, na Alemanha, noutro sítio qualquer de que já não se lembrava, a percentagem ainda era pior; de modo que, por esse lado, estavam todos bem.

Secretário de Estado da Saúde.


"Américo, apetecia-me algo", desabafou para o motorista ao regressar ao assento de trás do automóvel do Estado.

"Tomei a liberdade de pôr álcool-gel na prateleira da Senhora Ministra", respondeu o homem reajustando o retrovisor, "e tem também um par de luvas de nitrilo e um pacote de kleenex".

"Obrigado, Américo, mas já chorei a minha lágrima lá dentro... Espero que a CMTV tenha apanhado."