Se, porventura, tiver de viajar até à
Praia, a capital de Cabo Verde, não deixe de ir jantar ao restaurante Plaza, na Achada de Santo António, uma
das colinas da cidade.
Embora localizado em ponto central, o Plaza fica recatadamente oculto por uns outdoors do largo terreiro que o separa
da embaixada de Portugal e do seu congénere mais afortunado, em termos de
movimento, o restaurante Poeta.
Mas não deixe de ir experimentar as
iguarias que o Plaza põe à disposição
dos clientes e das quais apenas relembro aqui uma reduzida escolha: a cachupa
rica; o bife de barriga de atum, cujas lascas se separam ao contacto do garfo;
o polvo grelhado com molho verde e, não esqueça de perguntar e insistir por
eles, os pastéis de milho recheados com atum. Em relação a estes últimos, o
Paulo, que foi quem me iniciou no prazer de ir ao Plaza, recomendava, pelo exemplo, que os pintalgasse com a pasta
esverdeada de piripiri fresco, a qual lhes acrescentava um paladar especial,
por certo picante, mas não somente pela comezinha circunstância de por as
papilas gustativas aos saltos – nascia uma implausível frescura vegetal por trás do
tremeluzente incêndio.
“Este homem vale o seu peso em ouro...”,
sussurrava o meu companheiro quando, depois enfiar a garrafa de maduro-branco
do Fogo no seu balde de gelo, ele se afastava pela porta de vaivém que conduzia
à cozinha.
Referia-se ao Sr. Bernardino, o omnipresente
empregado, tão cuidadoso e requintado na observância do seu mister que,
naturalmente, o julgámos o gerente do estabelecimento. O Sr. Bernardino
esperava-nos à porta, conduzia-nos à mesa, trazia uma cestinha de pão fresco e
torradas de manteiga com alho para nos entreter enquanto mergulhávamos, em
devoto silêncio, na leitura do menu; desenroscava uma garrafa de água gelada e,
se ainda não conseguira para hoje a almejada barriga de atum, prometia que o
conseguiria antes da nossa partida...
Ora uma noite, à hora de pagar e nos
despedirmos, o Sr. Bernardino informou-nos que, no dia seguinte, não estaria lá
para nos receber e obsequiar, mas que não nos preocupássemos com a ausência, uma
vez que já combinara tudo com uma das meninas
– termo dele – que costumavam partilhar o serviço às mesas, mas pouco assíduas
à nossa, pois, assim parecia, o Sr. Bernardino preferia ocupar-se de nós com silente
e atenta gravidade.
“É aquela menina que costuma andar por
aqui...?”, perguntei, referindo-me àquela das empregadas cuja presença era mais
constante na sala.
O Sr. Bernardino hesitou um pouco
antes de responder e encabeçou a resposta com uma negativa, como parece ser comum
nalguns Praienses, já que o meu amigo José da Rosa (recorde-o, neste blog, em As Noites Brancas do Senhor da Rosa) tem a mesma prática:
“Não, quer dizer, há duas meninas que
costumam servir aqui: uma é a Graciete, que é a mais forte, e, a outra, é a
mais fraca...”, e o senhor Bernardino hesitou no nome da outra. Um pouco
encabulado, acrescentou que, de momento, não recordava o nome da segunda
empregada, deixando-nos a nós, clientes ávidos da cultura autóctone, a
percepção de que aquele “forte”, a que se associava o esquecimento do nome da
“fraca”, arrastava consigo uma íntima preferência por uma das suas
colaboradoras.
Depois de prestada esta informação, o
Sr. Bernardino sumiu-se na porta de vaivém, de onde regressou para nos informar
que a menina mais fraca se chamava Margarida, mas que seria a Graciete (“a
menina mais forte”) que tomaria conta de nós no dia seguinte.
Saímos do Plaza para o amplexo de uma noite tépida e atravessámos o escuro
terreiro sob a benevolência da lua-cheia, o que assinalava com suplementar
nitidez a localização dos tradicionais dejectos
caninos e deixava que a minha mente se entretivesse com a pertinente questão de
qual seria a razão humana para que o Sr. Bernardino preferisse a Graciete à
Margarida, pois, a mim – rude europeu – e assim de forma completamente
apriorística, a menina fraca aparecia-me como senhora de mais inclementes
atributos e não era, de todo, a qualidade do serviço hoteleiro que parecia
factor distintivo entre ambas.
Sr. Bernardino e Graciete |
© Fotografias de Pedro Serrano, Praia, Cabo Verde, Agosto 2012.
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