26 julho 2021

NEM UMA PRÁ CAIXA!

Acabei de ler um artigo do Dr. Valter Fonseca, Coordenador da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid19, um organismo da DGS. E, apesar do esforço em progredir pela vacuidade do À Ciência o Que É da Ciência (Público de hoje), li-o de ponta a ponta, pois que no espaço que lhe foi concedido (página inteira), bem que o homem podia ter explicado um aspecto de várias e importantes implicações: por quais razões a Comissão que ele dirige decidiu não incluir os jovens (12-17 anos) e crianças naqueles que devem ser vacinados contra o Covid. Embora nestes grupos a doença seja habitualmente leve, eles constituem, como sucede para outras doenças infecciosas, um muito importante elo (e elo invisível, pois que maioritariamente assintomático) na disseminação da infecção pela comunidade a que pertencem. 

Mas, como se costuma dizer, o nosso Dr. Coordenador não dá uma para essa caixa, preferindo espraiar-se pelas vertentes teóricas das vacinas, dos antigénios, dos antibióticos, dos TAC, dos anticorpos, do raciocínio médico, da verdade e da supremacia da Ciência, o todo debitado no tom do sacerdote condescendente que tenta fazer chegar a suave Luz do Saber ao rebanho... Sobre a vacinação de crianças e jovens é que nada, nem aflorado é o assunto mais importante do dia, na véspera de uma reunião no INFARMED em que isso terá de ser equacionado! Às escuras, continuamos pois a perguntar-nos: a) Será que as vacinas existentes são menos eficazes em jovens e crianças? Não, sabe-se que são igualmente eficazes, há quem já tenha estudado isso; b) Será que essas vacinas são menos seguras e têm mais efeitos indesejáveis nestes grupos etários? Não, demonstrou-se que esses efeitos são raros e maioritariamente leves, tal como nas outras idades; c) Será que é exigir muito do sistema imunitário dos jovens e crianças acrescentar uma nova vacina às que estes grupos já tomaram? Não, aliás, a conselho dos seus pediatras particulares, as crianças passam a vida a ser inoculadas com vacinas que protegem de males cuja gravidade é nula ou quase nula num país como Portugal e que bem deveriam ser deixadas para outros países mais aflitos com elas (como África, por exemplo).

Então, o que nos fica, como relevante razão para que o Dr. Valter desaconselhe a vacinação dos jovens? Ao que parece, fica-lhe somente uma ética sentimental e uns bons princípios alambicados a sobrar nas mangas, isto é: não nos fica nada de consistente segundo a ciência que o senhor tanto gosta de invocar como coutada. Nada de nada.

No entanto, esta posição da Comissão Técnica de Vacinação pode deitar a perder a tal imunidade de grupo por quem todos suspiram, desde o primeiro-ministro, a quem nunca antes tinha ouvido falar dela. Sucede que, para que possa acontecer, a imunidade de grupo (que, como um guarda-sol, protege toda a população, mesmo uma pequena franja de não-vacinados) necessita que uma proporção muito alta da população esteja vacinada. Nas doenças para as quais existe vacinação (sarampo ou poliomielite, entre outras) esse valor atinge os 95 % ou mais de população vacinada*. O que quer dizer que os valores que temos ouvido citar ao longo da pandemia como meta para a alcançar (50 ou 60 %; houve até uma matemática desvairada que augurou que a atingiríamos com 22 % de vacinados) não foram mais do que meias-ignorâncias esperançosas e piedosas. Como o tempo mostrará, e não deslizando para o terreno do milagre, teremos de atingir coberturas vacinais de 95 %, ou talvez mais, para que os que estão vacinados possam inibir o vírus de circular livremente e, nessa circunstância, mesmo os 3 a 5 % de não vacinados beneficiarão de protecção, dado que o vírus não lhes conseguirá chegar com facilidade. 

Ora é aqui que entram o Dr. Valter e a sua rapaziada tão compenetrada nos engomados da ética: ao deixar de fora da estratégia de vacinação uma fatia da população que ronda os 15 %, podem estar a comprometer objectivamente a possibilidade de se atingir a tal imunidade de grupo dos portugueses. Nada mal, vindo de uma DGS!

Valter Fonseca, Coordenador Comissão Técnica Vacinação Covid19.

Resta-nos ir andando e vendo no que isto dá, como, desgraçadamente tantas vezes tem acontecido ao longo da pandemia. Para já, os casos de doença aumentam, os internamentos também (inclusive nos cuidados intensivos), os mortos por Covid e a mortalidade em geral aumenta, isto é: a maré sobe e pode vir a suceder que, de um dia para o outro, o vento mude e, afinal, venha a ser necessário e bom vacinar os jovens... Só que, com este tipo de atitude titubeante, isso será já tarde e far-se-á à pressa, porventura em cima ou após o recomeço das aulas. E então, para complicar tudo, chegará também o Outono e somar-se-ão as outras doenças habituais da rentrée. O que dirá nessa altura o Dr. Valter? Dirá aquelas frases feitas do costume: que tendo em conta a evidência científica de que dispunha à época, e não sei mais o quê, e tudo ficará na mesma para ele: sem sombra de pecado. Tem sido o costume.

 

* Há doenças em que, pelas suas características, a imunidade de grupo nunca é alcançada (tétano, tuberculose, gripe, por exemplo) e para o Covid19 não se sabe ainda com segurança se tal tipo de protecção global poderá, em definitivo, ser atingida ou não.

1 comentário:

  1. A Inglaterra optou pelo mesmo. Com argumentos de risco benefício para essa faixa etária que simplesmente não me convencem. Rosno exasperante.

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