Resumo a triste história: um candidato a imigrante, ucraniano (Ihor Homenyuk), aterra no aeroporto de Lisboa. Por motivos que se desconhecem, os funcionários do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) embirram com o homem, que, ainda por cima, não fala outra língua que não o ucraniano. Vai daí, resolvem desancá-lo à porrada, numa sala isolada, e de tal modo o fazem que o matam ali, no mesmo espaço onde desembarcam os, tão gabados, milhões de turistas. No fim da pancada, um dos funcionários do SEF declara que, nesse dia, já tinha feito o exercício que necessitava, pelo que já não precisaria de "ir ao ginásio". Desde esta cena e até que Ihor morreu, passaram quase três dias, tempo em que o homem agonizou sem assistência médica ou alimentação. Quando foi encontrado pelo INEM, chamado por causa do óbito, foi encontrado com as calças pelos joelhos e num mar de urina. O INEM declarou o óbito como devido a "causas naturais" e teve de ser o Instituto de Medicina Legal, após autópsia, a referir as extensas contusões e sinais de violência que o cadáver apresentava. Foram encontradas várias hemorragias internas e o tórax esmagado, costelas partidas, o que terá contribuído para a morte, pois quando as costelas picam os pulmões estes vão deixando de funcionar, num processo agónico muitíssimo doloroso. Morreu como Cristo, o desgraçado: por homicídio, devagarinho e sem assistência humana que lhe servisse de consolo.
Se ouvíssemos uma notícia do género, não sabendo que tudo isto teve lugar em Lisboa, pensaríamos que tal chacina poderia ter tido lugar em que canto do planeta? Nos Estados Unidos de Trump? Não, nem isso: aí separaram pais e filhos na fronteira mexicana, mas não há relato de violência associada. Talvez na Arábia Saudita, no Afeganistão, eventualmente na Somália ou noutro obscuro país tribal de África. Mas, nunca na Europa, nem sequer temos notícia de algo remotamente semelhante em países mais musculados como a Hungria ou a Polónia ou, assumidos como mais atrasados do que nós, como a Roménia ou a Bulgária.
Quando dei conta de todos estes ingredientes, para além de horrorizado, tive vergonha em ser português, de poder ser apontado, com justeza, como "olha-me aqueles selvagens das bordas da península ibérica". Tal sentimento acentuou-se ao ouvir as palavras da viúva de Ihor sobre Portugal e os portugueses que mandam, como ela teve o cuidado de distinguir. Com toda a justiça e sem papas na língua. A senhora foi obrigada a tratar de tudo, a pagar tudo, para levar o corpo do marido para casa, sem ajuda, sem uma palavra, tratada como se o defunto marido fosse um criminoso. Nem uma palavra do país homicida, fosse das autoridades envolvidas (SEF), do ministério que patrocinou (MAI), do primeiro-ministro ou do sempre tão precoce e apressado em manifestações afectivas que é o presidente da república. Zero.
Quem manteve o assunto aceso foi apenas a comunicação social, gente que, ontem e publicamente, o mentecapto que dá pelo nome de Eduardo Cabrita, desancou e a quem, como se lá estivesse desde a primeira hora, deu as boas-vindas ao "combate pelos direitos humanos", uma verborreia a lembrar os delírios Trumpianos dirigidos à comunicação social. Vergonhoso, incoerente, de quem não consegue olhar para além do cotão do poderoso umbigo. O discurso mentecáptico de auto-elogio incluiu pérolas como ter sido ele a garantir o terreno para que Marcelo Rebelo de Sousa se pudesse candidatar de novo a Belém (por não ter morrido mais ninguém nos incêndios florestais após Constança Urbano Sousa, a nódoa que o antecedeu no MAI) e, imagine-se, afirmações de que ele, Cabrita, desde o primeiro minuto após o homicídio, andou atarefado a pensar no assunto, enquanto outros estavam, para aí, "distraídos e confinados". Ou seja: o responsável máximo pela Protecção Civil parece considerar o confinamento sanitário, imposto pelo Covid19, uma fraqueza, uma coisa que só é respeitada ou seguida por quem é piegas, preguiçoso ou não tem mais o que fazer. Uma linha de pensamento igual à de Bolsonaro ou Trump.
Cabrita e Constança, no tempo em que se amavam. |
Cristina Gatões, Ex-SEF. |
Perante todo este rol de vergonha e incompetência, é claro que Cabrita tinha de demitir uma gata qualquer (Cristina Gatões, directora do SEF) e anunciar medidas profundas; como sempre acontece quando se sucedem notícias nos jornais. A maior delas, a mais publicitada, foi a de que as instalações do SEF no aeroporto de Lisboa passariam a dispor de um botão de pânico, uma campainha que os candidatos a imigrantes, os refugiados e outra gente de tonalidade suspeita, poderá accionar quando estiver em risco de ser moída à porrada! Óptimo, que maravilhosas expectativas estão desde já criadas sobre a recepção em Lisboa a quem chega de fora. Portugal: podem até matá-lo, mas você pode dizer ui! antes que isso aconteça. Mas será que alguém vai atender à campainha, pergunto-me? Depende, se não for muito tarde; se estiver alguém de serviço ou não for feriado ou ponte...
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