Tinham acabado de pousar na mesa a
salada, a cesta do pão, a pasta de azeitona, as bebidas. O galheteiro, o
pimenteiro, o saleiro estavam ainda a ser dispostos sobre o tampo de mármore.
Enquanto esperávamos íamos mirando o porto, a cintilação do sol das quase duas
da tarde na água do mar, um barco grande que atracava.
A nossa mesa ficava na primeira fila
de mesas da esplanada, uma óptima plateia para ver do esparramado das cadeiras
de lona quem passava à borda de água. De súbito, das entranhas do navio que chegara
começou a brotar uma horda de turistas. Dezenas e dezenas, às catadupas,
invadindo o porto em maços compactos, como o lixo e as pontas de cigarro que batem
o molhe quando o revés das ondas o lambe. A multidão era maioritariamente
constituída por franceses de meia-idade, de idade a três-quartos, sobretudo
mulheres, arrancadas aos subúrbios gauleses para a excitação de uma passeata
pela Grécia, oh comme c’est chouette...
Acabava de desembrulhar os talheres do
guardanapo de papel que os resguardavam quando individualizei na multidão duas
francesas avantajadas que evoluíam rente à esplanada, uma delas pendurando nos
beiços um cigarro em fase terminal de combustão. E eis que, ao passar pela
nossa mesa, esta decidiu ser o cinzeiro imaculado que ali repousava o local
ideal para apagar a beata: e toca de se inclinar sobre nós e de esmagar o
cigarro no nosso cinzeiro, aspergindo
na nossa direcção um bafo infecto de
nicotina e alcatrão! Reagi, pronto, em inglês espontâneo:
“It’s not a good place for doing that...”
O “no?” dela, que se iniciou
interrogativo, foi murchando ao reparar na tonalidade e concentração do meu
estado de espírito, pois, geográfica e culturalmente falando, estávamos
suficientemente próximos da Sicília para que, logo a seguir e com a sede que
lhe estava, lhe apunhalasse as costas da mão com o garfo destinado à salada
grega.
Silenciosamente, discretamente, ela tomou o cinzeiro da nossa mesa e foi pousá-lo na desocupada mesa ao lado e seguiu o seu caminho virando-nos umas costas vociferantes.
Silenciosamente, discretamente, ela tomou o cinzeiro da nossa mesa e foi pousá-lo na desocupada mesa ao lado e seguiu o seu caminho virando-nos umas costas vociferantes.
© Fotografia de Pedro Serrano, Hydra (Grécia), Junho 2014.
Sem comentários:
Enviar um comentário