14 junho 2014

UM GARFO DESTES

Tinham acabado de pousar na mesa a salada, a cesta do pão, a pasta de azeitona, as bebidas. O galheteiro, o pimenteiro, o saleiro estavam ainda a ser dispostos sobre o tampo de mármore. Enquanto esperávamos íamos mirando o porto, a cintilação do sol das quase duas da tarde na água do mar, um barco grande que atracava.
A nossa mesa ficava na primeira fila de mesas da esplanada, uma óptima plateia para ver do esparramado das cadeiras de lona quem passava à borda de água. De súbito, das entranhas do navio que chegara começou a brotar uma horda de turistas. Dezenas e dezenas, às catadupas, invadindo o porto em maços compactos, como o lixo e as pontas de cigarro que batem o molhe quando o revés das ondas o lambe. A multidão era maioritariamente constituída por franceses de meia-idade, de idade a três-quartos, sobretudo mulheres, arrancadas aos subúrbios gauleses para a excitação de uma passeata pela Grécia, oh comme c’est chouette...
Acabava de desembrulhar os talheres do guardanapo de papel que os resguardavam quando individualizei na multidão duas francesas avantajadas que evoluíam rente à esplanada, uma delas pendurando nos beiços um cigarro em fase terminal de combustão. E eis que, ao passar pela nossa mesa, esta decidiu ser o cinzeiro imaculado que ali repousava o local ideal para apagar a beata: e toca de se inclinar sobre nós e de esmagar o cigarro no nosso cinzeiro, aspergindo na nossa direcção um bafo infecto de nicotina e alcatrão! Reagi, pronto, em inglês espontâneo:
“It’s not a good place for doing that...”
O “no?” dela, que se iniciou interrogativo, foi murchando ao reparar na tonalidade e concentração do meu estado de espírito, pois, geográfica e culturalmente falando, estávamos suficientemente próximos da Sicília para que, logo a seguir e com a sede que lhe estava, lhe apunhalasse as costas da mão com o garfo destinado à salada grega.
Silenciosamente, discretamente, ela tomou o cinzeiro da nossa mesa e foi pousá-lo na desocupada mesa ao lado e seguiu o seu caminho virando-nos umas costas vociferantes.
© Fotografia de Pedro Serrano, Hydra (Grécia), Junho 2014.

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