02 dezembro 2016

A TORRE DO SILÊNCIO (Tower of Silence)

Now I bid you farewell, I don't know when I'll be back
There moving us tomorrow to that tower down the track

Leonard Cohen (Tower of Song)

Fica no meio da cidade, a grande mancha arborizada está actualmente situada no coração de um abraço de prédios altos, talvez noutra época tenha sido diferente. À entrada do parque, um tipo sentado ao lado de uma cancela que impede a passagem destemperada de automóveis esboça, por gestos, que o acesso nos é interdito. Como ele não falasse inglês, nem nós hindi, acrescentou: “dead people”. Respondi “I know” e isso pareceu quebrar o impasse e ele, como quem encolhe os ombros, facultou-nos a entrada.
Uma álea asfaltada desaparece entre as árvores, pontuada por bancos de jardim, uma bifurcação surge mais além e desdobra um novo caminho à direita, por ele desce lentamente uma ambulância antiquada. Param um pouco à nossa frente e enquanto me apercebo, pelas letras pintadas na carroçaria, que é um carro funerário, um homem sai do veículo e escreve com giz numa placa afixada à borda da estrada. Depois vão-se embora, rolam em direcção à saída do parque.
Compreendo que vieram deixar um corpo e, pelos outros registos a giz na placa, que já estão mais dois na torre. É aqui que os Parsis – uma etnia de origem persa também conhecida como Zoroastros – expõe os seus entes queridos ao modo de enterramento que consideram o mais perfeito: os seus mortos serão despedaçados e comidos pelos abutres, pois deste modo não poluirão a terra com os seus cadáveres nem o firmamento com o fumo da sua cremação.
O problema é que quase já não há abutres em Mumbai, o crescimento urbano e o uso excessivo de antinflamatórios potentes (como o Voltaren) entre os humanos envenenaram e dizimaram as enormes aves. No céu, lá em cima, volteando no azul, veem-se águias mas não abutres. A comunidade Parsi, essa, está deveras preocupada com o assunto: já são poucos membros e nem os que partem conseguem facilmente fazê-lo do modo tradicional; encaram isso como um mau augúrio quanto à sobrevivência do grupo.

Conseguimos subir até ao cimo da álea mas não mais do que isso, pois mandam-nos retroceder. A torre fica ali ao lado, entre árvores, não se avista, tudo se passa discretamente e só as enormes aves no céu parecem algo excitadas e se vão concentrando por cima de nós, planando sobre os prédios da cidade.


© Fotografias de Pedro Serrano, Mumbai (Índia), Novembro 2016.

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