Now I bid you farewell, I don't know when I'll be back
There moving us tomorrow to that tower down the track
There moving us tomorrow to that tower down the track
Leonard Cohen (Tower of Song)
Fica no meio da cidade, a grande
mancha arborizada está actualmente situada no coração de um abraço de prédios
altos, talvez noutra época tenha sido diferente. À entrada do parque, um tipo
sentado ao lado de uma cancela que impede a passagem destemperada de automóveis
esboça, por gestos, que o acesso nos é interdito. Como ele não falasse inglês,
nem nós hindi, acrescentou: “dead people”. Respondi “I know” e isso pareceu
quebrar o impasse e ele, como quem encolhe os ombros, facultou-nos a entrada.
Uma álea asfaltada desaparece entre as
árvores, pontuada por bancos de jardim, uma bifurcação surge mais além e
desdobra um novo caminho à direita, por ele desce lentamente uma ambulância
antiquada. Param um pouco à nossa frente e enquanto me apercebo, pelas letras
pintadas na carroçaria, que é um carro funerário, um homem sai do veículo e
escreve com giz numa placa afixada à borda da estrada. Depois vão-se embora, rolam
em direcção à saída do parque.
Compreendo que vieram deixar um corpo
e, pelos outros registos a giz na placa, que já estão mais dois na torre. É
aqui que os Parsis – uma etnia de origem persa também conhecida como Zoroastros
– expõe os seus entes queridos ao modo de enterramento que consideram o mais perfeito:
os seus mortos serão despedaçados e comidos pelos abutres, pois deste modo não
poluirão a terra com os seus cadáveres nem o firmamento com o fumo da sua
cremação.
O problema é que quase já não há
abutres em Mumbai, o crescimento urbano e o uso excessivo de antinflamatórios
potentes (como o Voltaren) entre os humanos envenenaram e dizimaram as enormes
aves. No céu, lá em cima, volteando no azul, veem-se águias mas não abutres. A
comunidade Parsi, essa, está deveras preocupada com o assunto: já são poucos
membros e nem os que partem conseguem facilmente fazê-lo do modo tradicional;
encaram isso como um mau augúrio quanto à sobrevivência do grupo.
Conseguimos subir até ao cimo da álea
mas não mais do que isso, pois mandam-nos retroceder. A torre fica ali ao lado,
entre árvores, não se avista, tudo se passa discretamente e só as enormes aves
no céu parecem algo excitadas e se vão concentrando por cima de nós, planando
sobre os prédios da cidade.
© Fotografias de Pedro Serrano, Mumbai (Índia), Novembro 2016.
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