25 abril 2021

25 ABRIL PLUG-IN



Na copa de uma azinheira

De que já não sabia a idade

Aterrou uma Senhora

Movida a electricidade

16 abril 2021

PARA QUEM É, BACALHAU BASTA

 

Ouvi com os meus olhos que o mui nobre e rico reino da Dinamarca decidiu suspender de vez o uso da vacina contra o Covid19 da Astra Zeneca, pois, pelos vistos, esta vacina pode provocar um ou dois casos de coágulos sanguíneos por cada milhão de doses administradas. Com cinco milhões de habitantes, a Dinamarca poderia então vir a ser vítima de eventuais meia-dúzia de coágulos na totalidade dos seus súbditos: uma autêntica razia, sobretudo se comparado com as vidas que uma vacina poupa! 

Mas como é país humanista e acha pecado deitar fora os mais de dois milhões de doses que ainda guarda, a Dinamarca, tal como quem oferece iogurtes cujo prazo caducou aos pobres da esquina, vai doá-las aos pretos. É claro que os termos a usar para os destinatários do presente nunca serão tão crus e ouviremos a diplomacia lançar mão de expressões como mais desfavorecidosem vias de desenvolvimento, solidariedade, inclusão e outras tretas. Mas a gente sabe quem são, não sabe? São aquelas desgraças ambulantes onde, gente como os nórdicos, só se permite ir passar uma semana a algum resort, pois, por paradoxo, esses locais têm geralmente umas lindas paisagens e um clima maravilhoso. Deus não é justo!

Quanto a mim, que sempre fui mais moreno do que louro, aguardo com ansiedade que me chamem para a 2.ª dose da minha vacina Astra Zeneca.

09 abril 2021

O DESENCALACRADOR DOS COLLANTS ROSA

Eis que surge um novo herói no lamaçal portugorriquenho: o Desencalacrador dos Collants Rosa, uma espécie de Robim das Matas invertido, pois em vez de defender os pobres contra os ricos, como o original, escolheu o inverso: defender os ricos contra os tesos. E os tesos somos nós todos, aqueles que pagamos todas as contas (BPN, BES, TAP, Novos Bancos) e não temos milhões nem oportunidade de vir a deitar a mão a alguns, a não ser pela fantasia, como diria Ivo Rosa, da esperança no Euromilhões ou na Raspadinha. Limitamo-nos, como com aqueles tipos que na hora da conta têm de ir ao quarto-de-banho, a ficar e a pagar o à vontade deles diante dos nossos olhos.

Mas se você é rico, e quando falo em rico não falo de milhares ou centenas de milhares de euros, mas de milhões, vários, pois, para que se possa manter uma vida suficientemente regalada torna-se necessário estar sempre a desembolsar: nos advogados, que estão caríssimos, nos subornos, nos almoços, na segurança, por aí fora. Se você é abonado, estava eu a dizer, ou pode, pelo menos, usar a sua importância actual como hipoteca de uma riqueza futura, tem agora um tipo que olha por si como um anjo-da-guarda, que garante que, seja o que for que fizer, mesmo que esteja acusado de várias dezenas de crimes, nada lhe acontecerá. Nada, ouviu? Nada de nada, o desencalacrador fará uma pirueta, humedecerá o dedinho para virar a página à sentença, descomporá o Ministério Público de passagem, e mandará toda a gente em paz para as respectivas mansões. Tudo se sumirá como por magia. Ficarão, somente, umas folhecas do processo para inglês ver e para tapar as vergonhas, mas mesmo esses pecadilhos já estarão prescritos pelo que não correrá nunca o risco de lhe acontecer o que sucede a um Rui Pinto ou a um sem-abrigo qualquer.

Hoje foi um dia histórico para José Sócrates, Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado, Armando Vara, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e todos os outros, actuais e futuros, aprendizes da falcatrua, que sentem agora total à vontade para fazer o que lhes apetece: o crime compensa em Portugal, a própria Justiça, ao seu mais alto nível, sanciona esse princípio! Era ver a cara satisfeita de todos, quase rebentavam de alegria, Sócrates de novo deslumbrado e expansivo perante as câmara da TV, perdigotando louvores ao novo amigo Ivo e já ruminando ameaças pelo mal que lhe fizeram. Quem sabe, quem sabe, se um dia não pode outra vez mandar nisto tudo, forrar as paredes de uma penthouse a fotocópias? E, calcula-se, já começam todos a fazer telefonemas nervosos aos seus advogados, a saber se não poderão já meter o Estado em tribunal, pedir indemnizações chorudas por tremendos danos morais! Que isto não se faz a um cidadão! Do lado de lá do fio, os advogados, depois de se assegurarem que o telemóvel é seguro, recomendar-lhes-ão calma, que não embandeirem em arco nem usem em público a linguagem desbragada do Ivo no tribunal; que, sobretudo, não se ponham já para aí a gastar a massa acumulada, a dar nas vistas...; nada de contactos com os offshores! Tudo isto tem de se fazer pau-latina-mente, de pedra em pedra até à prescrição final.

Hoje foi um grande dia para todos eles e terá, mesmo que ainda não o saiba, também sido um grande dia para André Ventura e o seu Chega!, pois a raiva cobra dividendos, muitas vezes da pior forma. Ventura bem pode mandar acender duas velinhas: uma ao Ivo Rosa e outra a VanDunen, que mantém a Justiça num banho-maria e numa modorra prescricional que convém a todos.

 


05 abril 2021

KRIS, COM K, COMO EM KRISTOFFERSON

Kris Kristofferson & Bob Dylan (1973).
No final do Outono de 1965, então com 24 anos, Bob Dylan trocaria Nova York por Nashville, no Tennessee, para aí gravar um álbum de misterioso nome (Blonde On Blonde), obra que ficaria para a história da música popular como um dos melhores álbuns de sempre e, porventura, o melhor do autor.

Para além dos dois músicos que já conhecia de trabalhos anteriores e quis levar consigo para Sul (Al Kooper, de Nova York, e o legendário guitarrista Mike Bloomfield, de Chicago), Dylan contou com a colaboração de extraordinários instrumentistas locais, arregimentados pelo seu novíssimo produtor Bob Johnston, um homem que, nos anos seguintes, ser tornaria o produtor e fiel acompanhante, como músico, nas digressões mundiais de Leonard Cohen.

Nos estúdios da Columbia em Nashville, cidade famosa pela impressionante qualidade da sua produção musical, havia um porteiro, um desconhecido já com perto de 30 anos, que, para além dessas funções acumulava as tarefas de esvaziar os cinzeiros e tomar apontamento das necessidades dos músicos em estúdio. O nome desse pau para toda a colher era Kris Kristofferson e já compunha as suas coisitas em pleno anonimato ('Viet Nam Blues', 1965), mas menos de cinco anos depois tornar-se-ia uma estrela de primeira grandeza por várias canções que escreveu como 'Help Me Make It Through the Night' e 'Me and Bobby McGee' (ambas de 1969) e, no ano seguinte, por 'For the Good Times', uma canção que veria mais de 200 versões, entre as quais as de Elvis Presley, Dolly Parton, Dean Martin, Willie Nelson, Johnny Cash ou Norah Jones. Quanto a 'Me and Bobby McGee', com 215 versões, aconteceu uma que suplantou todas as outras e eternizou a canção: a invocada por Janis Joplin, em 1970, rapariga que, por essa altura, confessaria a Leonard Cohen, num elevador do hotel Chelsea, em Nova York, a grande paixão que nutria pelo autor da canção (um bonitão louro de 1,80), mais até do que pelos seus dotes artísticos.

Nos anos que se seguiram, Kris Kristofferson, comporia 56 originais e entraria como actor, por vezes principal, em dezenas de filmes, como Alice Já Não Mora Aqui, de Scorsese (1974) e Pat Garrett & Billy the Kid (este último interpretado por Kristofferson), de Sam Peckinpah (1973), um filme com banda sonora escrita por Bob Dylan. Eu mesmo, num cinema ao ar livre em Angra do Heroímo, na ilha Terceira, vi Convoy, em 1979, onde Kristofferson é um camionista revolucionário e justiceiro.

Embora a versão de 'Me and Bobby McGee' de Joplin seja inultrapassável e inseparável da memória que conservamos da canção, apesar das suas mais de duzentas versões nenhuma consegue chegar ao modo como o próprio Kris Kristofferson interpreta 'For the Good Times', uma canção triste como a tristeza. Das vezes, muitas, que ele a cantou desde que a escreveu, as melhores interpretações são as tardias, já dos anos 80 e 90, como se ele tivesse precisado da curtição dos anos para aprofundar o sentido a cada palavra do poema. Deixo uma versão dessas, tardia, feita ao vivo, e se, chegado ao final, não sentir os olhos carregados de lágrimas então é porque não percebeu nada de nada ou, na melhor das hipóteses, porque ainda não percebeu nada de nada, pois, dizem, a esperança é a última a morrer.  

   

  

Don't look so sad. I know it's over
But life goes on and this world keeps on turning
Let's just be glad we had this time to spend together
There is no need to watch the bridges that we're burning

Lay your head upon my pillow 
Hold your warm and tender body close to mine
Hear the whisper of the raindrops
Blow softly against my window
Make believe you love me one more time
For the good times

I'll get along; you'll find another,
And I'll be here if you should find you ever need me.
Don't say a word about tomorrow or forever,
There'll be time enough for sadness when you leave me.