09 abril 2021

O DESENCALACRADOR DOS COLLANTS ROSA

Eis que surge um novo herói no lamaçal portugorriquenho: o Desencalacrador dos Collants Rosa, uma espécie de Robim das Matas invertido, pois em vez de defender os pobres contra os ricos, como o original, escolheu o inverso: defender os ricos contra os tesos. E os tesos somos nós todos, aqueles que pagamos todas as contas (BPN, BES, TAP, Novos Bancos) e não temos milhões nem oportunidade de vir a deitar a mão a alguns, a não ser pela fantasia, como diria Ivo Rosa, da esperança no Euromilhões ou na Raspadinha. Limitamo-nos, como com aqueles tipos que na hora da conta têm de ir ao quarto-de-banho, a ficar e a pagar o à vontade deles diante dos nossos olhos.

Mas se você é rico, e quando falo em rico não falo de milhares ou centenas de milhares de euros, mas de milhões, vários, pois, para que se possa manter uma vida suficientemente regalada torna-se necessário estar sempre a desembolsar: nos advogados, que estão caríssimos, nos subornos, nos almoços, na segurança, por aí fora. Se você é abonado, estava eu a dizer, ou pode, pelo menos, usar a sua importância actual como hipoteca de uma riqueza futura, tem agora um tipo que olha por si como um anjo-da-guarda, que garante que, seja o que for que fizer, mesmo que esteja acusado de várias dezenas de crimes, nada lhe acontecerá. Nada, ouviu? Nada de nada, o desencalacrador fará uma pirueta, humedecerá o dedinho para virar a página à sentença, descomporá o Ministério Público de passagem, e mandará toda a gente em paz para as respectivas mansões. Tudo se sumirá como por magia. Ficarão, somente, umas folhecas do processo para inglês ver e para tapar as vergonhas, mas mesmo esses pecadilhos já estarão prescritos pelo que não correrá nunca o risco de lhe acontecer o que sucede a um Rui Pinto ou a um sem-abrigo qualquer.

Hoje foi um dia histórico para José Sócrates, Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado, Armando Vara, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e todos os outros, actuais e futuros, aprendizes da falcatrua, que sentem agora total à vontade para fazer o que lhes apetece: o crime compensa em Portugal, a própria Justiça, ao seu mais alto nível, sanciona esse princípio! Era ver a cara satisfeita de todos, quase rebentavam de alegria, Sócrates de novo deslumbrado e expansivo perante as câmara da TV, perdigotando louvores ao novo amigo Ivo e já ruminando ameaças pelo mal que lhe fizeram. Quem sabe, quem sabe, se um dia não pode outra vez mandar nisto tudo, forrar as paredes de uma penthouse a fotocópias? E, calcula-se, já começam todos a fazer telefonemas nervosos aos seus advogados, a saber se não poderão já meter o Estado em tribunal, pedir indemnizações chorudas por tremendos danos morais! Que isto não se faz a um cidadão! Do lado de lá do fio, os advogados, depois de se assegurarem que o telemóvel é seguro, recomendar-lhes-ão calma, que não embandeirem em arco nem usem em público a linguagem desbragada do Ivo no tribunal; que, sobretudo, não se ponham já para aí a gastar a massa acumulada, a dar nas vistas...; nada de contactos com os offshores! Tudo isto tem de se fazer pau-latina-mente, de pedra em pedra até à prescrição final.

Hoje foi um grande dia para todos eles e terá, mesmo que ainda não o saiba, também sido um grande dia para André Ventura e o seu Chega!, pois a raiva cobra dividendos, muitas vezes da pior forma. Ventura bem pode mandar acender duas velinhas: uma ao Ivo Rosa e outra a VanDunen, que mantém a Justiça num banho-maria e numa modorra prescricional que convém a todos.

 


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