Há um filme de David Lynch (Fire Walk With Me, 1992) cujos primeiros
minutos de imagens a encher o ecrã consistem numa superfície azulada e
refulgente, com miríades de cintilações, que tomamos por mar batido pela luz.
Depois, a câmara vai recuando e aquilo que nos parecia água a brilhar à luz do
sol é, afinal, a chuva errática do pontilhado que enche um ecrã de TV após a
emissão ter terminado.
As fotografias que aqui se expõem são
o inverso do que acabei de descrever: ambas representam o mar, mas a primeira
toma-se, de alma e coração, por uma delicada folha de ouro, marchetada pelas
mãos cuidadosas de um artífice, e a segunda pela plúmbea viscosidade de uma massa
de chumbo derretido.
O mais curioso de tudo é que ambas as
fotografias foram tiradas à mesma hora (o pôr do sol), em dias consecutivos, no
mesmo local e usando, exactamente o mesmo enquadramento fotográfico e as mesmas
características de exposição e abertura da máquina. Só Deus sabe o que explica
a diferença ou, talvez um físico conseguisse fazê-lo com o exasperante à
vontade técnico que nos faria desejar atirá-lo de imediato para um fondue de
chumbo e ficarmos, aliviados, apenas na posse da ilusão dourada.
© Fotografias de Pedro Serrano, Thyra (Grécia), Junho 2014. |
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