26 fevereiro 2010

PÉRGOLA DE IMITAÇÃO



Nas águas-furtadas da memória,
Entre jurássico renque de postais
E naftalínicas ilusões de glória,
Refulge, omnipresente talismã,
A madeixa loura de uma manhã:
Foi no Castelo do Queijo
E na ânsia roçagante por um beijo
Eu bebia, em sucedâneo, um mazagran.


Na quadrícula do passeio à beira mar,
Deslizavam em ondas as cachopas e
Além, na última pegada da areia,
Canelas polvilhadas p’la maré-cheia,
Pescavam à linha alguns rapazes.
No que é derivado a mim,
Sentado sob a pérgola mais o Quim,
Ia absorvendo, distraído, aquele afã
Descartando a cinza fria do cigarro
E beijando a gole lento o mazagran. 


Pasmava na roleta dos barquilhos
Quando cotovelo assaz discreto
Reclamou minh’ atenção ao picadeiro
Vi-te então, de chofre, em corpo inteiro:
Vinhas mordiscando um sorvete,
Ó brochura deleitosa,
Amarelo e cor-de-rosa
De limão e framboesa
E a transparência opulenta
De tua saia travada
Abrigava o movimento
De um pisar à japonesa.


Passaste tão tangente junto a mim
Um rasto de lavanda (ou de jasmim)
Que afundei a pique e sem remédio
Na placenta prévia desse assédio. 
Renascido, olvidando o quão sou feio,
Arrulhei, comovido: “adeus, lambona...”
Foi o melhor que achei por galanteio. 


Frechaste, certeira e sem tardança,
Uma resposta jactante e sedutora,
Manjerico com a graça do orvalho, 
Alvíssaras a uma noite redentora:
“E se fosses pró caralho?”
(Caralho eu fôra...)


 Fotografia: Porto, Foz do Douro, Fevereiro 2010. Imagem gentilmente cedida por didaflordeliz (florbytesemmeemoria.blogs.sapo.pt).

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