05 setembro 2021

AS SANDÁLIAS DE FREI HEITOR

Alguém deveria explicar a Manuel Heitor (ministro da Ciência et al) que, em Portugal, a responsabilidade pela formação de especialistas médicos compete, há mais de 40 anos, ao Ministério da Saúde. Tomando isso em consideração, deveria ser Marta Temido, a puxar as orelhas - que as tem bem abanicadas - ao seu verborreico colega.

Alguém deveria também explicar ao homem que o tempo de formação exigido a uma especialidade médica está, a nível europeu e há mais tempo do que ele leva na Ciência, definido pela Comunidade Europeia, tendo em vista, entre outros aspectos, a harmonização internacional das especialidades e o facilitar da livre circulação de médicos no espaço europeu. Neste âmbito, alguém o deveria informar que fica mal a um engenheiro mecânico regurgitar publicamente ruminações apressadas sobre o tempo que deve gastar um especialista médico a ser habilitado para a sua função, e ainda mais afirmar que é necessário menos tempo para formar um especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) do que um especialista em Oncologia. Até porque isso já foi pensado e dito por quem sabe e é praticado há mais de uma dezena de anos em Portugal, onde são necessários 5 anos para formar um oncologista e 4 para formar um especialista em medicina geral e familiar. Menos do que isso, para este último especialista e como parece sonhar Manuel Heitor, seria violar os tempos de formação europeus e português, pois não é permitida actualmente nenhuma especialidade médica com uma formação inferior a quatro anos de duração.

Sonhar com outros modelos formativos para a especialidade de MGF é um devaneio que recorda o médico-pé-descalço dos tempos da Revolução Chinesa ou a prática de países que, como o Burkina Fasso ou a Tanzânia, não têm outro remédio senão usá-la, pois, por lá, quase não há médicos. Desde 1985 que Portugal abandonou já esse estádio de subdesenvolvimento médico e a formação na especialidade de MGF evoluiu, ao longo desse tempo, de 3 para 4 anos de formação específica, num processo que foi longamente amadurecido, experimentado, avaliado e sempre em sintonia com o que era praticado em países que são considerados desenvolvidos do ponto de vista dos cuidados médicos que prestam às respectivas populações. De modo que mais valia ao engenheiro estar calado e concentrar-se um pouco mais no que se passa no seu reino ministerial, onde, dizem, nada sucede que se recomende. O mais que até agora conseguiu foi que os Ingleses se dessem ao trabalho de vir a terreiro desmentir o que disse o ministro quando referiu a formação médica britânica! 

Finalmente, alguém devia informar Heitor que Portugal (usando os critérios de qualquer latitude do planeta) já possui o número de médicos que necessita, bem como o ritmo adequado para os formar, e que também não é a ele, nem às suas secretarias, que compete tratar das assimetrias de distribuição desses profissionais pelo território nacional. Deste modo, estar a advogar, assim, a seco, a criação de mais 3 faculdades de Medicina, é uma irresponsabilidade (ou oportunismo regionalista ganancioso) cuja única consequência futura, já após Manuel Heitor deixar de orbitar no planetário do poder, será obrigar os futuros médicos a usar sandálias e fragilizar a qualidade da medicina prestada aos portugueses, pois, a partir de um certo patamar, não é nunca pela mercearia da quantidade que se chega à qualidade.

 

 

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