23 setembro 2021

NOBRE EM PONTAS

Ao assistir ao chorrilho de asneiras ditas por Fenando Nobre numa arruada negacionista e sabendo que o homem é médico, pensei: está xexé, coitado, que alguém piedoso o tire dali! Sim, como era possível que um médico e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, dissesse disparates que só se ouvem da boca dos leigos mais ignorantes, tal como o de que o vírus do Covid não se transmite em pessoas assintomáticas, que as máscaras são um perigo e que a doença se trata muito bem com antibióticos (aos quais os vírus são insensíveis), com a ineficaz  hidrocloroquina ou com generalidades de parafarmácia como vitamina B e D?! Tão grosseiramente mau como Trump, Bolsonaro e a senhora de puxo que grita ao megafone e interrompe o bife a cavalo ao presidente da Assembleia da República! Mas o homem é médico, é professor universitário, é multi-medalhado, em tempos foi promovido, num programa sério da RTP1, ao 25.º lugar da lista de Os Grandes Portugueses!

Intrigado resolvi ir espiolhar a biografia do personagem, ao dispor de todos na Internet. E fez-se-me luz: o homem é médico, é certo, cirurgião e urologista, mas, se comparadas com outras habilitações, as ferramentas clínicas são modestas. Veja só: em 2002 apoiou Durão Barroso a primeiro-ministro, mas, logo em seguida, decepcionou-se e deixou de seguir o cherne. Em 2006 foi membro da candidatura de Mário Soares à Presidência da República e em 2010, contagiado pela aprendizagem, resolveu concorrer ele próprio ao cargo... No entretanto (2009) tinha tido tempo para ser também mandatário nacional do Bloco de Esquerda nas eleições europeias, o que não o impediu, no mesmo ano, de integrar a Comissão de Honra da candidatura de António Capucho (PSD) à Câmara de Cascais. Viva o golpe de rins e quem melhor do que um urologista para o praticar?! Após isso, estamos já em 2011, foi cabeça de lista em Lisboa para as legislativas de Passos Coelho e, logo a seguir, concorreu a Presidente da Assembleia da República, mas, vendo a candidatura rejeitada, Fernando Nobre, embora deputado, amuou, renunciou ao cargo, e foi-se à vida. Mas, um ano mais tarde (2012), lá estava ele a anunciar ao mundo ser membro da Grande Loja do Oriente Lusitano, enobrecendo com a novidade o renque dos homens do avental.

E Portugal perdeu-lhe o rasto, o homem deixou de ser notícia ou de se noticiar tanto como era costume... Até que apareceu o abençoado Covid19, essa luz dos esquecidos, esse maná de quem acha, de quem é ferve em opiniões. Já chamuscado em tanto lado, sem um único cliente, político ou social, que o levasse ainda a sério, o multi-condecorado resolveu virar-se para a esquálida legião que restava e talvez o ouvisse, lhe batesse umas palmas: o bloco negacionista.

E foi aí que, voltando ao princípio deste texto, o vimos, exaltado e roufenho, a debitar aquele chorrilho de disparates, na maior ignorância e incompetência técnica, a confessar-nos, na maior inconsistência científica, ter tratado com sucesso a mulher, a filha e a netinha, e a generalizar e propagandear esse sucesso pessoal e familiar como panaceia universal; a acumular procedimentos e declarações públicas mais do que suficientes para vir a ser justificadamente afastado da profissão a que pertenceu... Não tardará e vê-lo-emos a concorrer a alguma junta de freguesia pelo Chega...       


© Fotografias de pedro serrano, Lisboa 2010.

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