15 janeiro 2022

A MÃO QUE LHE DEU A MÃO

"Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que..."
Uma das hecatombes mais deliciosas geradas pelo chumbo-do-orçamento/queda-do-governo/eleições-antecipadas, foi o modo como Joacine Katar Moreira - a deputada não-inscrita que mordeu a mão a quem a criou - desapareceu sem tempo para dizer água-vai!

Se bem se lembra o leitor, Joacine era militante do Livre, o incipiente partido de Rui Tavares, um ingénuo que, ainda na fase de acreditar em gambuzinos, se deixou inebriar pelo aroma multicultural, integrativo, inclusivo, minoritário, fracturante que parecia aureolar a rapariga e (imprevidente) a alcandorou a candidata nacional n.º 1 nas eleições legislativas de 2019... O que se passou a seguir foi rápido e ilustrativo da fibra da senhora. Eleita única deputada do partido, a tímida e nervosa Joacine logo se metamorfoseou numa pantera à solta no galinheiro do Livre. Rapidamente deixou de obedecer à linha programática do partido, decidia como bem lhe apetecia na Assembleia da República; deixou passar prazos para se pronunciar sobre matérias importantes, etc. 

Quando Rui Tavares e a restante direcção do Livre a tentaram chamar à pedra, coisa, diga-se, feita na maior das civilidades, a sonsa Joacine estrebuchou, mordiscou, deu coices e escancarou a goela, demonstrando que ninguém gritava mais alto do que ela, e  indo buscar, para arremesso, toda a baixela e quinquilharia do aparador, desde a faiança da fêmea maltratada, à porcelana da questão do género e à intensidade do bronzeado, encurralando o gentil e encavacado Tavares numa caricatura de macho latino, um quase campeão de violência doméstica e, nas horas vagas, eventual forcado amador de uma qualquer ganadaria do Ribatejo.

O resultado de tudo isto foi avassalador e patético: Rui Tavares e a papoila do Livre murcharam e (quase) desapareceram do mapa e Joacine, arregaçadas as mangas e desentupida a goela, manteve a sua cadeira almofadada na Assembleia da República, como deputada representativa de coisa nenhuma, para os próximos quatro anos, isto é: até 2023. Por lá a vimos, logo após estes incidentes, triunfante e colorida, deslizando pelos corredores, majestosa e em volúpia, ladeada por um secretário-assessor cuja particularidade mais assinalável foi a de usar saias no trabalho. Querem coisa mais fracturante e mais livre? Não ter a gente de se preocupar com a questão de para que lado apartar? 

Dias que, por culpa do comportamento da Geringonça, duraram bem pouco, entretanto, e Joacine, que já fazia da Assembleia a sua zona de conforto para os próximos quatro anos, teve de abandonar o palratório a quase dois anos do limite que imaginava... E agora, sem partido, sem claque, sem ideias, sem subsídios, o que irá ser dela? O que poderá invocar desta vez como forma de destratamento ou como nicho de mercado? Será que o PAN, agora que o Costa apelou ao voto nele, a valorizaria... sei lá, tipo pelas aptidões de mordedura sem aviso prévio demonstradas...

Resta-me desejar boa sorte a Rui Tavares que, pelos vistos, tem hipótese de ver, pelo menos, um deputado do Livre eleito. Não que me pareça que o partido dele (uma variante de um comunismo atenuado tipo IKEA) vá longe, mas, de qualquer modo, merece-o pelo esforço e (citando a saudosa Marta Temido) pela resiliência demonstrada. E, ao menos, teremos sempre a garantia de não virmos a acordar um dia e dar com Tavares, num programa da Cristina, madeixado e lacado numa permanente à Catarina Martins.  


Nota: um agradecimento a Chico Buarque pelo uso, na legenda da foto de cima, de umas linhas da sua canção 'Folhetim'. 

 

 

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