27 janeiro 2022

O CABO DAS TORMENTAS

Tenho cá para mim que, com o escoar dos dias, João Rendeiro irá acabar a implorar que o extraditem para Portugal. É que, apesar de tudo, Portugal é um país meigo para o seus criminosos, sobretudo os ricos, ao contrário de países atrasados e sem respeito pelos direitos humanos dos bandidos como a África do Sul. 

Se, para além de manhoso e espertalhaço, Rendeiro fosse um nadinha inteligente, já teria percebido isso há eternidades, tê-lo-ia, talvez, até considerado, com o conselho do seu motorista, antes de se decidir pelo país para onde iria fugir. Mas será que o homem nunca viu na TV uma reposição do Papillon, do Expresso da Meia Noite ou de um dos muitos outros filmes sobre condições prisionais nos países exóticos? Não, provavelmente o banqueiro consumia todo o seu tempo acordado a maquinar sobre como vigarizar o próximo ou como fazer cópias falsas de obras de arte arrestadas sem que ninguém desse conta. É um caso genuíno de Xicus-espertus-lusus de Lineu.  

Há apenas pouco mais de um mês engavetado na prisão de Westville, Rendeiro já lançou mão a tudo quanto se lembrou para tentar passar os dias noutro ambiente mais airoso e onde seja menos arriscado apanhar o sabonete que nos caiu ao chão: primeiro acreditou nas virtualidades de uma fiança, propondo-se pagar uns generosos 2.000 euros de gasosa ao tribunal; depois, como o expediente não resultasse, sacou das questões de saúde que, coitadinho, seriam tão gravosas que necessitam de monitorização médica permanente e na choça sul-africana, como antigamente nos liceus, só se pode ir uma vez por semana procurar a enfermeira. E não é que, estando com tosse, não lhe enfiaram sequer uma zaragatoa no turbinete médio? É uma desfeita, negar uma hipótese de Covid a um tipo que foi capaz de roubar cerca de 15 milhões de euros sem que, praticamente, ninguém reparasse! No entanto, confesse-se, parece estranho que essa premência de acompanhamento médico perante uma condição crónica, como o seu fraco coração, não tivesse preocupado Rendeiro quando andou por aí, em gincana encriptante por entre países ou hospedado em hotéis de cinco estrelas. Acresce, tendo em conta as informações clínicas divulgadas pelo próprio, que as consequências cardíacas de uma febre reumática não são, na generalidade e sua idade, nenhuma urgência médica e que o, muito badalado pela defesa, perigo de tuberculose nas prisões sul-africanas toca a todos e não antecipará forçosamente a presença do cadastrado perante o seu Criador, até porque a tuberculose é doença de contágio e consequências lentas e fácil de tratar em tipos com a condição social de Rendeiro. 

Finalmente, sem mais na manga que faça levantar o sobrolho do soberano e democrático desinteresse manifestado ao português pelas autoridades judiciais sul-africanas, João Rendeiro lembrou-se de escrever à ONU a queixar-se das terríveis condições da prisão onde é hóspede, dizendo-se, inclusive, solidariamente preocupado com a situação de outros colegas de enxerga e solicitando uma vistoria urgente daquela entidade às instalações; convidando o próprio secretário-geral Guterres a que faça uma pausa no problema da fome Afegã e na invasão da Ucrânia pela Rússia para o visitar e comprovar ele mesmo que o autoclismo da cela não funciona, que as janelas não têm vidros e que os pobres presos, mesmo aqueles com proventos para suborno, são obrigados a estar a maior parte do tempo nas celas!

Perante este acumular de agravos e injustiça, e como dizia inicialmente, é natural que o tempo, esse grande nivelador, faça despertar uma nova consciência no novel grande denunciador internacional das condições prisionais e o faça mudar de opinião quanto ao local de encarceramento definitivo que lhe é mais favorável. É que mais dezanove anos (a pena que terá de cumprir) sem autoclismo, sem água quente, com papas de aveia por croissants ao pequeno-almoço, sem lanche nem edredão, com os alísios a entrar livremente pelas janelas, com o colega mais próximo a metro e meio de distância e, eventualmente com um X-act no bolso... Para tudo resumir, sem a consideração que ele acha merecer, a que se foi habituando entre Lisboa e Cascais e que, calculou erradamente, julgaria majorada e multiplicada num país onde a iliteracia e as mordomias são ainda direitos muito fortes. 

Então, nesse dia de epifania, Rendeiro, comovido, rogará para regressar à pátria, de onde nunca deveria ter saído. É que o sonho africano já não é o que era!

1 comentário:

  1. O mais provável é estar a preparar a fuga, mais fácil na África do Sul que de Portugal.

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