Sempre que regresso de uma viagem fora do país, não precisa, sequer, ser uma saída muito prolongada – qualquer semana completa é suficiente, dou por mim a olhar com estranheza o caminho do aeroporto até casa, a tentar habituar-me à escala subitamente pequena da paisagem, ao silêncio que parece ter-se abatido sobre o meu país, como um manto de cinzas de holocausto ou assim.
No entanto, nesse mesmo fim de tarde, ao desfazer a mala, o mais tardar no dia seguinte, dou por mim a sentir como se nunca tivesse saído daqui e aquela viagem de quase quatro semanas foi como se nunca tivesse existido, como uma camada de luz transparente que se foi mal se abriu uma porta.
Agora estou deitado, espero que o sono me leve e por dentro das pálpebras pousa, sem aviso e com nitidez fotográfica, a avenida que vai ficando arborizada, aviso de que caminhamos para a periferia da cidade, e sobe até ao hotel Miyako, em Quioto. Lá está a entrada para o recinto do hotel, à esquerda, tal se a estivesse a ver da soleira do meu quintal num esplendor de pixels.
Por que veio pousar esta imagem e não outra?, mal tenho tempo de me surpreender, e já o cheiro da sala de espera, quando a porta para dentro se abre, da padaria da aldeia do meu pai, nos arredores do Caramulo, me invade enquanto range com nitidez o ruído que fará, na casa vazia onde morei no Porto, a porta do guarda-vestidos a ser aberta, se alguém lá estivesse para a abrir. Como se fosse o crepitar da côdea quase dourada do pão fresco ao ser metido no saco de papel ou a promessa vã do "um dia destes lembra-me que tenho de olear esta dobradiça".
© Fotos de Pedro Serrano. De cima para baixo: (1) Madeira, 2010; (2) Cantão (China), 2002.
© Fotos de Pedro Serrano. De cima para baixo: (1) Madeira, 2010; (2) Cantão (China), 2002.
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