Em 1989 fui a Barcelona em Setembro, às festas de La Mercè, festividades que acontecem por volta do dia 24 e em que se celebra a Mare de Déu, padroeira da cidade. São as festas mais importantes de Barcelona e durante uma semana as ruas da cidade transtornam-se de gente e agitação e, apesar do cunho cristão, os diabos e o fogo tomam de tal modo conta do ambiente que parece estarmos imersos num excesso medieval qualquer, um desmadre colectivo provocado pela aproximação impiedosa de uma praga apocalíptica.
Numa loja de antiguidades da parte velha da cidade topei com o conjunto (em madeira) que a fotografia ilustra e que me encantou de imediato. Igualmente de imediato entrei pela loja dentro para perceber que o preço da peça estava fora do meu alcance. Fiquei tão desanimado com o impedimento que, fraco consolo, pedi ao proprietário para fotografar a estátua, o que ele permitiu desde que o fizesse através do vidro da montra. E assim aqui fica para a posteridade, orlada de sombras, a imagem fotográfica de uma peça que a esta hora jazerá no salão de algum felizardo deste mundo. Reparem na pose indiferente de S. Jorge, que levanta a espada como se fosse forçado a isso pela fotografia e no ar infeliz - de 'que fiz eu para merecer isto?' - do dragão, o qual, com uma mão demasiado humana, se agarra à perna do santo como quem não quer ir embora e, apesar da humilhação, prefere a companhia à solidão dos infernos.
© Fotografia de pedro serrano, Barcelona 1989.
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