06 dezembro 2019

THE IRISHMAN - Velhos amigos

Esquerda para a direita: Joe Pesci, Al Pacino, Martin Scorsese,
Harvey Keitel e Robert de Niro, 2019. 
Quando se pensava que, na sequência da trilogia O Padrinho (The Godfather I, II, III, 1972/1974/1990), do filme Tudo Bom Rapazes (Goodfellas, 1990) ou da série Os Sopranos (The Sopranos, 1999/2007) - cada um excelente à sua maneira e na época respectiva - quando se achava que tudo estava dito sobre a Mafia e os mafiosos, eis que Martin Scorsese, aos 77 anos de idade, nos presenteia com uma obra-prima que volta a glosar o tema.
Não só estritamente a Mafia, pois o filme aborda e explora ainda as ligações entre famílias de diferentes proveniências (italianos, judeus, irlandeses), entre estas e os sindicatos (Jimmy Hoffa) e entre todos e a alta esfera da política, assumindo sem rebuços ter sido a Máfia (italiana) quem esteve por trás do assassinato de JF Kennedy, presidente dos Estados Unidos, e do seu irmão Robert, procurador-geral dos Estados Unidos e encarado como grande ameaça por mafiosos e sindicalistas.
Como se não fosse já bastante, para nos contar a história o filme fá-lo a partir do ponto de vista de dois velhos mafiosos (Robert de Niro e Joe Pesci), em viagem com as respectivas esposas, e vai-a desenrolando sabiamente através da irrupção das memórias visuais de Robert de Niro sobre o seu trajecto na vida. É, igualmente, uma narrativa sobre o envelhecimento e a inutilidade do poder e da violência, pois uma das vagas que há-de vir a seguir afogar-nos-á e tudo termina na solidão e na impotência do costume: os temidos e poderosos de outrora acabam num lar de terceira idade, sem visitas, como qualquer beneficiário da pensão mínima. A inevitável invencible defeat, como se lhe referia Leonard Cohen.
Com a duração longa das três horas e meia (invocando a respiração pausada das anteriores sagas do The Godfather), o filme contou com um orçamento superior a 100 milhões de euros e foi produzido em exclusivo para a Netflix, o que significa que, pelo menos para já, só pode ser visto na TV e para quem tem acesso a este canal.
O argumento é excelente, a fotografia é excelente, o ritmo da história narrada é perfeito. Os actores são magníficos, com especial menção para Joe Pesci, maravilhoso num papel tão contido e distante da sua persona cinematográfica mais habitual que demorámos a reconhecê-lo. Magnífico, também, o grande Robert de Niro, bloqueado no interior da sua personagem, um ser que aceita o que lhe é imposto sem o questionar e onde só os olhos, aqui e ali, traduzem a sua aflição e impotência perante o mundo esmagador para o qual o irlandês do título resvalou quase por acaso. Al Pacino, no papel de Jimmy Hoffa, é uma estrela pálida em relação aos dois anteriores e mantém-se colado ao modo histriónico e algo rígido a que nos habituou ao longo dos anos. No ecrã aparece ainda, entre outros óptimos actores, o excelente, e também aqui dificilmente reconhecível, Harvey Keitel, e também Steven Van Zandt - Silvio Dante nos Sopranos, que, na série, imitava Al Pacino no Padrinho para gáudio dos mafiosos do Bada Bing - contribui, num curto papel, para o elenco e para uma piscadela de olho ao portento e novidade que foi a série de David Chase em termos de narrativa cinematográfica usando a TV.
Bob Dylan e Robbie Robertson.
Uma última palavra para a banda sonora, excelentemente conseguida como em todos os filmes de Scorsese, um amante de música, que volta aqui à mesma receita da maioria dos seus outros filmes, preferindo - em detrimento de música composta para o filme - usar uma sequência caprichada de música popular da época retratada. Em The Irishman, o realizador decidiu entregar a responsabilidade da escolha e do tratamento musical a Robbie Robertson, o mítico guitarrista dos The Band, a banda que acompanhou Bob Dylan ao longo de vários anos (1965-1969) e de que, aliás, Scorsese imortaliza o último concerto em The Last Waltz, o filme de 1978. 
Velhos amigos! The Irishman é um filme que reflecte também a passagem do tempo, o amadurecimento e a amizade de quem espreita por trás das câmaras. 


PS: Entretanto, os três críticos de cinema em serviço no jornal O Público classificaram o filme com uma nota (média) de 3,3 em 5 estrelas possíveis, isto é: aproximadamente um 'Suficiente'. Gostava de ver o caixote do lixo deles! Os mesmos avaliadores que, em afectivo derretimento nacionalista, classificam amiúde com 4 estrelas um daqueles filmes portugueses impossíveis de tragar, ora porque o argumento é acabrunhante  e frouxo, a fala dos actores deveria ser legendada pois parece que os respectivos realizadores ainda não descobriam as regras da captação de som ou os mistérios da pós-sincronização; a iluminação deixa barbas de sombra pelas paredes e pelos cantos; a representação dos actores é tão débil e sem orientação que estes vegetam pelos cenários como zombies, declamando as falas como se fossem rãs estimuladas com choques elécticos.  

3 comentários:

  1. Mortinha por ver o filme, já o tenho na lista "urgente" da netflix há um tempão. O problema é que são mais de 3h de concentração necessárias e com a carga de trabalhos e cansaço que levo ainda não arranjei um dia em que me alapasse no sofá à noite e pensasse que ainda tinha umas 3h e meia de vida sem adormecer.

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    1. Já vi, levei 2 serões, admito, mas gostei muito. Gostei muito de ver o Joe Pesci num tom diferente, e acho que foste um bocado mauzinho com o Al Pacino. Verdade que está num tom mais colado ao habitual, mas mesmo assim bem conseguido na minha opinião.

      Ainda não me informei o suficiente sobre a personagem principal. Parece ser bem mais gabarolas do que de Niro o fez passar.

      Aconselho. E já agora, o 1917 tb.

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