Quando for rico vou querer contratar o secretário de estado da saúde Sales para vir tratar-me das nódoas difíceis, como aquelas que resultam de nos esquecermos do avental e do azeite de fritar a entremeada nos saltar para a caxemira. Não me digam que o perderam ontem (vale a pena) nas famosas conferências de imprensa enlatadas, a jurar que afinal os 7.500 casos de Covid19 do dia não eram, afinal, tantos, pois alguém, malvado, se esqueceu de comunicar os casos de outros dias e eles em Lisboa sem saber de nada, que nunca ninguém lhe diz nada, coitados. Assim, para o sossego de todos, aquela barbaridade de casos deverá ser distribuída em suaves prestações. Encostei-me logo para trás no sofá, a mão no balde de pipocas e os olhos no LCD, morto por mais ansiolítico. E ele diz logo que o índice de contágio está a diminuir a olhos vistos no país, até no Norte, esse pequeno Huan português. Olhei de lado, mirei a Francelina com orgulho, como quem diz: "Assim vale a pena ser governado, com esta limpeza, sem necessidade de recolher obrigatório, sem assentos vagos nos aviões, sem restringir liberdades..."
Em seguida o nosso homem desaparece do ecrã, o telejornal continua e a desgraça abate-se aos nossos olhos, mas isso (até desabafei com a Francelina) deve ser pelos mesmos motivos que o Trump se queixa tanto dos órgãos noticiosos, é tudo shaike news para nos desestabilizar a digestão ou, dando desconto, serão fenómenos episódicos, esporádicos, residuais, que o país recomenda-se, apesar de os Lares parecerem Peta-Zetas, de os hospitais rebentarem pelas costuras, de os casos de internamento por Covid aumentarem, de os doentes em cuidados intensivos aumentarem, de o número de consultas por Covid estar a aumentar em grande nos Cuidados de Saúde Primários, do número de pneumonias a crescer, do número de morte em geral sobe-sobe-balão-sobe.
E depois - tudo num mesmo telejornal - trazem o bolo com a granada em cima: os militares invadiram a Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, fardados e tudo, e vão passar a ser eles a tratar de distribuir os internamentos por Covid na dezena e meia de hospitais da região (4 milhões de habitantes), pois, pelos vistos, o Ministério da Saúde não consegue fazer isto.
"Roger. Código Cravinho: Doente de Beatriz Ângelo para Médio Tejo. Afirmativo."
"Roger, contrassenha Noz Moscada. Negativo: Médio Tejo kapute. Alternativa Hospital Mealhada. Roger."
"Roger. Noz Moscada no canal. Negativo: Mealhada Área 2, fora área: Zona Centro não aceita doentes Área 1. Roger.
"Roger, Cravinho. Vamos levar assunto a reunião bipartida Defesa-Saúde. Doente que aguarde. Roger.
Os meus olhos não queriam acreditar no certificado de incapacidade a que estava a assistir. Não que não veja as Forças Armadas a participar numa pandemia, sei que são importantes, mas em fases tão específicas, e algumas delas tão assustadoras, que nem quero estar aqui a falar delas (procurem nos manuais de controlo de epidemias). Mas para planear o uso de camas hospitalares?! Tornarem-se os militares indispensáveis para dizer aos órgãos responsáveis por planear e decidir sobre isso mesmo (está na Missão estatutária das ARS, aprovada por lei) quantas vagas existem nos hospitais sob sua responsabilidade e virem explicar como se resolve o problema de um internamento quando não existe vaga num sítio mas pode existir no outro ao lado?! Meu Deus, é pior ainda do que eu imaginava. Há muitos anos que não é novidade para quem andou por lá que o Ministério da Saúde não tem nenhum órgão sério de Planeamento em Saúde e que tem resistido a todas as tentativas para o criar e desenvolver, embora tenha boa prata da casa para tratar disso.
Mas isto? É o caos em desordem e iremos pagá-lo caro.
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