26 dezembro 2011

O CASTELO NAS NUVENS


Estávamos a repousar num amplo terraço verdejante, o qual podia muito bem ser o espaço comum de um hotel nas margens de um lago suíço. Eu sentava-me, meio de través, numa daquelas cadeiras desdobráveis de lona e madeira, cujo assento e encosto das costas são em tecido branco, e olhava uma mesa onde repousava uma coruja empalhada, encarrapitada num ramo de árvore artificial, atarraxado a uma base de jade. Ao lado da coruja, sobre o tampo de vidro da mesa, um livro aberto, com uma caneta a servir de marca, um daqueles canhenhos volumosos onde se deixam mensagens de presença em casamentos e funerais.
“Bonita coruja”, comentei, “será que está à venda?”
A meu lado, reclinado numa cadeira de convés, o Juca esclareceu:
“Não é para venda! Está aí para anunciar as visitas guiadas aos ninhos dos mochos do castelo, o livro é para registar as inscrições...”
E estendeu um dedo entediado, indicando onde tudo isso se passava. Olhei: ao fundo, recortado contra o céu azul-claro de uma tarde que se esfriava, destacava-se uma enorme construção, com vários corpos, recordando o Castelo Howard, em Inglaterra, onde foi filmado grande parte da série Brideshead Revisited.
Sim, pensei, podia haver muita coruja, muito mocho, acoitado naquelas cúpulas todas, em todas aquelas cornijas... Por uma feliz coincidência ou por um qualquer acaso significativo, no preciso intervalo em que o meu olhar ainda se detinha nos telhados do palácio, uma das alas superiores da imensa mole de pedra destacou-se do edifício e voou, perfeita, no céu, dirigindo-se na nossa direcção e ganhando altitude.
“Como é possível?”, balbuciei alto, vendo deslocar-se, íntegra, sem uma pedra que desmoronasse, um vaso de rocha que oscilasse, uma gárgula que tremesse, uma esquina que esfarelasse, aquele pedaço do edifício.
O Juca, uma mão em pala sobre a testa, manteve-se em silêncio, observando fascinado aquele fenómeno aeronáutico de invulgar arrojo, até que, ao passar sobre nós a caminho da linha do horizonte, a ala do castelo se volveu num avião de grande porte que, ao curvar graciosamente, expeliu duas linhas de fumo branco das traseiras mas manteve, até que o perdemos de vista, todos os contornos distintivos de um castelo-palácio inglês do século XVIII.
“Este gajos do Brideshead fazem tudo em grande estilo”, exclamou o Juca, “olha-me só o cunho personalizado que imprimem aos seus aviões... Nunca tinha visto nada parecido!”
O Juca ainda lá ficou, no relvado, esparramado na sua cadeira de convés, eu, contudo, acordei logo a seguir.

© Fotografias de Pedro Serrano: (1) Porto, Junho 2011; (2) Leipzig, Novembro 2011.

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