17 outubro 2017

METESSES FÉRIAS, ESTÚPIDO!

Resiliência é outra palavra para resistência, um modo mais tufado de dizer o mesmo, variação aprimorada no vagar dos gabinetes por quem tem horas a preencher ou quis içar-se a um nicho no mercado dos conceitos universitários.
A ministra da administração interna, que antes de o ser andava pela Universidade Autónoma de Lisboa e por Bruxelas, veio anunciar que as populações deviam encarar as catástrofes com maior resiliência, pelo que  sendo ela professora supomos que terá algo concreto a dizer sobre as diversas maneiras de resistir ao fogo. Penso quase interpretar o desejo comum ao sugerir que Constança U.S. nos deveria proporcionar uma aula sobre como enfrentar o famigerado downburst das chamas, uma sessão prática, ao vivo e de preferência com cobertura televisiva, para que o povo, pusilânime e ingrato, pudesse sublinhar o compasso dos ensinamentos ao ritmo de palmas tribais.
Outro dirigente que, alegadamente, parece apreciar os novos conceitos politicamente correctos é um dos ajudantes da ministra, o secretário de estado da Protecção Civil Jorge Gomes, o qual é de opinião que, perante ignições, o bom do povo deve assumir atitude mais proactiva, isto é tratar de combater o fogo com as próprias mãos nuas, pois o Estado tem mais que fazer. Bem, alguns dos mortos de Pedrogão Grande, e agora alguns outros de Viseu, poderiam informá-lo – se o direito de resposta fosse conferido aos mortos – que tinha sido isso que tinham feito e que nisso mesmo perderam a vida. Querendo usar de compaixão no julgamento, atribuirei as sugestões à profunda ignorância do senhor sobre o país profundo e especificamente à circunstância de uma grande fatia da população dos distritos mártires ser constituída por velhos, aqueles que, por apego e limitação da idade, mais resistem ao abandonar da sua zona de conforto. Alguns deles, como todos sabemos, morreram no seu posto a combater o fogo.

Como, no rol da desgraça, não há duas sem três, sobra uma referência à personalidade que, pedagogicamente irritado, gosta de iniciar a resposta a quem o interpela por um “vamos lá ver...”. Visivelmente maçado pelo inoportuno dos acontecimentos, que o arrancaram ao devaneio do resultado autárquico, o primeiro-ministro assinou por baixo todas as enormidades dos ajudantes e ainda achou por bem acrescentar distraidamente que coisas como esta se vão repetir.
Para quem, como o país, assistia ao que acontecia de lágrimas, terror ou espanto nos olhos – como que estremunhado perante um pesadelo de repetição – esta saraivada de ralhetes por parte dos mais altos responsáveis ganhou os contornos do insuportável, insuportável onde a cereja no bolo (ou a cuspidela no defunto) foi a assunção do desejo oculto de ir “ter as férias que não tive”, dito que expressa bem a indigência mental de quem o proferiu sem sequer dar por isso.
Fotografias de cima para baixo: capa do Público de 17 outubro 2017; foto de arquivo dos jornais.

      

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