Resiliência
é outra palavra para resistência, um modo mais tufado de dizer o mesmo, variação
aprimorada no vagar dos gabinetes por quem tem horas a preencher ou quis içar-se
a um nicho no mercado dos conceitos universitários.
A ministra da administração interna,
que antes de o ser andava pela Universidade Autónoma de Lisboa e por Bruxelas,
veio anunciar que as populações deviam encarar as catástrofes com maior
resiliência, pelo que sendo ela
professora supomos que terá algo concreto a dizer sobre as diversas maneiras de
resistir ao fogo. Penso quase interpretar o desejo comum ao sugerir que
Constança U.S. nos deveria proporcionar uma aula sobre como enfrentar o
famigerado downburst das chamas, uma
sessão prática, ao vivo e de preferência com cobertura televisiva, para que o
povo, pusilânime e ingrato, pudesse sublinhar o compasso dos ensinamentos ao
ritmo de palmas tribais.
Outro dirigente que, alegadamente,
parece apreciar os novos conceitos politicamente correctos é um dos ajudantes
da ministra, o secretário de estado da Protecção Civil Jorge Gomes, o qual é de
opinião que, perante ignições, o bom do povo deve assumir atitude mais proactiva, isto é tratar de combater o
fogo com as próprias mãos nuas, pois o Estado tem mais que fazer. Bem, alguns
dos mortos de Pedrogão Grande, e agora alguns outros de Viseu, poderiam
informá-lo – se o direito de resposta fosse conferido aos mortos – que tinha
sido isso que tinham feito e que nisso mesmo perderam a vida. Querendo usar de
compaixão no julgamento, atribuirei as sugestões à profunda ignorância do
senhor sobre o país profundo e especificamente
à circunstância de uma grande fatia da população dos distritos mártires ser
constituída por velhos, aqueles que, por apego e limitação da idade, mais
resistem ao abandonar da sua zona de
conforto. Alguns deles, como todos sabemos, morreram no seu posto a
combater o fogo.
Como, no rol da desgraça, não há duas
sem três, sobra uma referência à personalidade que, pedagogicamente irritado,
gosta de iniciar a resposta a quem o interpela por um “vamos lá ver...”.
Visivelmente maçado pelo inoportuno dos acontecimentos, que o arrancaram ao devaneio
do resultado autárquico, o primeiro-ministro assinou por baixo todas as
enormidades dos ajudantes e ainda achou por bem acrescentar distraidamente que
coisas como esta se vão repetir.
Para quem, como o país, assistia ao
que acontecia de lágrimas, terror ou espanto nos olhos – como que estremunhado
perante um pesadelo de repetição – esta saraivada de ralhetes por parte dos
mais altos responsáveis ganhou os contornos do insuportável, insuportável onde
a cereja no bolo (ou a cuspidela no defunto) foi a assunção do desejo oculto de
ir “ter as férias que não tive”, dito que expressa bem a indigência mental de
quem o proferiu sem sequer dar por isso.
Fotografias de cima para baixo: capa do Público de 17 outubro 2017; foto de arquivo dos jornais.
Sem comentários:
Enviar um comentário