Nunca se deve deixar escapar o pequeno-almoço num hotel de cinco estrelas. Aprendi a praticar isso, profissionalmente, com a Teresa V. em Luanda, no Trópico, que só ostenta quatro estrelas mas expõe todas as manhãs um buffet de pequeno almoço que desafia a baixela de qualquer firmamento mais estrelado, incluindo o dos ovos.
Ao fim de semana, o primeiro a acordar telefonava para o quarto do outro:
“Pequeno almoço...”
“Vou ter contigo lá baixo daqui a cinco minutos”, grunhia o outro em linguagem quase gestual.
Um quarto de hora depois, parecendo uma zombie no modo como levitava entre as mesas para chegar à nossa, a Teresa aparecia, evitando abrir demasiado os olhos para não espantar o sono. Tomávamos o pequeno almoço em ruminante silêncio, cheios de pequenos gestos falhados, ditados pelo estado de entorpecimento em que nos queríamos manter, e voltávamos para cima para aquilo que ficou conhecido entre nós como sono bietápico e cujo sinal de partida para a segunda parte, que se estendia mais ou menos até ao meio-dia, era dado pelo adeusinho manual com que nos despedíamos da porta do respectivo quarto.
A máquina de fazer torradas do Tiara, no Porto, é uma daquelas que agora se encontram em todos os hotéis, dotadas de uma passadeira rolante onde se depositam as fatias de pão que são conduzidas, numa reverberação alaranjada, para o seu inferno privado até serem cuspidas, uns minutos depois, no andar de baixo. Geralmente deposito o pão no andar superior e circulo pela sala a acabar de encher o prato enquanto entretenho o bronzeado torradal. Ontem, fartei-me de esperar pelo meu pão, inclusive inclinei-me a espreitar para dentro da máquina até concluir, escandalizado, que alguém se tinha aproveitado delas! Algum predador de torradas ou, pior, alguém não habituado a frequentar hotéis de cinco estrelas!
Voltei para cima, pus a rodar, muito baixinho, o concerto para piano n.º 23 do Wolfgang A., e enfiei-me na cama, desejando ter a capacidade de reatar o sonho de que tinha despertado menos de uma hora antes...
Atravessava uma praça ampla, enquadrada num céu azul rarefeito, as casas, lá ao fundo, esguias e esticando-se no ar, suspensas de um único pilar que nascia do fundo da parede posterior.
“Podíamos fazer uma canção”, digo para um companheiro que, embora siga ao meu lado, não avisto. E começo de trautear, para o ar puro e ascensional da manhã, uma melodia que me vem de dentro, bela e inédita, e a que vou fazendo ajustes na melodia enquanto me brota lábios fora.
© Fotografia de Pedro Serrano, Tokyo (Imperial Hotel), 2005.
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