Dir-se-ia que a finalidade de tudo
estava concentrada em fazer mover pelo mundo aquela tira infindável de tecido.
A faixa tinha uma largura uniforme, mas os seus motivos mudavam a cada três
metros, ou por aí, como se fossem saris, capulanas ou outros panos estampados
costurados numa sucessão infinita.
Agora eu e X fazemos parte de uma fila
de gente que, em passo rápido, percorre uma estrada que ladeia um monte e
serpenteia até ao cume. Há gente que transporta a faixa á nossa frente, vemos
gente a empunhá-la nos braços estendidos nas curvas da estrada abaixo de nós. Aquela
serpentina sem fim dá forma a uma bela imagem, todas aquelas pessoas
contrastando em cor e movimento no verde luxuriante da montanha.
Fascinados, um tanto eufóricos com
toda aquela azáfama, X e eu desatámos a correr por ali acima com os nossos metros
de faixa, como se quiséssemos fazer levantar no céu um papagaio de papel, ultrapassando
o pedaço de fila que nos antecede e caminha ordeiramente em direcção ao cume.
Ao chegar ao cimo avistámos um enorme
edifício, envidraçado, parece-nos um centro comercial com mais luz do que o
habitual. Umas dezenas de metros antes de o alcançar somos interceptados por
alguém que é responsável pelo fluxo da marcha e nos diz:
“Então? Têm de ter calma! Já tivemos
de abrandar o passo dos outros para que isto não se ensarilhe tudo!”
E, de facto, as pessoas que no chão
cor de colorau da estrada se aproximam do edifício movem-se em câmara lenta,
algumas avançam um passo para logo o recuar.
Entrámos no hall do edifício com os
nossos pedaços de faixa bem esticados expostos nos braços. Uma rapariga morena,
de cabelo encaracolado e húmido, dá mostras de estar ali para preferir,
naqueles km de pano estampado, o meu pedaço. Estendo-o na direcção dela, ela dá
um passo atrás.
“Não faças isso”, segreda-me X. “Assim
os outros vão pressentir que ela quer o teu bocado, vão antecipar-se e
roubar-lho...”
Encolho o gesto até passar ao lado
dela, chegar a sua vez, e ela abrir os braços para tomar o meu pano. O meu
pedaço, reparo agora, ostenta um padrão xadrez, uma combinação de cores em
vermelho e negro.
“Tenho em casa uma mala de viagem, em
napa, que condiz mesmo bem com o seu pano”, digo quando ela começa a envolver
na cintura o pedaço de faixa quadriculado.
© Fotografia de Pedro Serrano, Porto 2011.
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